Corrupção por condescendência intelectual – Por Léo Rosa de Andrade

30/12/2015

Ceticismo metodológico é uma regra (de método) de René Descartes para que duvidemos dos nossos juízos sobre os acontecimentos, salvo quando eles se nos apresentarem de modo tal que não tenhamos ocasião para os pôr em dúvida.

Não se pense em recomendação de suspeita, mas de precaução. É uma dúvida metódica, um procedimento de ciência. O ceticismo metódico é o instrumento moral e prático necessário ao intelectual diante do poder, de qualquer poder.

“O intelectual existe para criar o desconforto, é o seu papel. Não há nenhum país mais necessitado de verdadeiros intelectuais, no sentido que dei a esta palavra, do que o Brasil” (Milton Santos). Os intelectuais brasileiros devem algo ao Brasil.

O que, no geral das vezes, nos é proporcionado, todavia, em manifestações de mídia, por nossa intelligentsia? Creio que raiva. Os intelectuais deixaram de considerar a complexidade das relações sociais e se deram ao populismo simplificador.

Nossos intelectuais parece que adotaram a estrutura maniqueísta de pensamento. Vêm e se posicionam frente aos fatos políticos nacionais como se estivessem diante de um conflito entre o reino do “bem” e o do “mal”.

Maniqueístas acreditam em poderes opostos e incompatíveis; propugnam o dever irrenunciável de sustentar combate pelo “bem”. Eles reduzem as relações sociais a luzes e trevas e se reservam o direito de indicar os rumos (únicos) da iluminação.

Sim, a História tem direções, e se há que tomar posições. Melhor ainda que se milite pela causa em que se acredite. Pessoalmente, creio que as conversões devem ser feitas à esquerda social, política, econômica. Mas, que é esquerda?

A esquerda tem um fundamento inafastável: a materialidade do mundo. A esquerda deve reconhecer os fatos como ele são e avançar a partir deles. A um esquerdista não é recomendado, nem idealizar o futuro, nem negar os fatos presentes.

A direita mistifica o real e o reproduz conservando vantagens. A direita naturaliza a exploração e pede ao povo uma compreensão estoico-cristã: “ache seu lugar no sistema e se contente, então haverá recompensa”.

Isso é fraude. O presente não está bom para a maioria e “a longo prazo estaremos todos mortos”. A esquerda deve conquistar o poder no presente. Mas há que conquistá-lo por outros meios e para outros fins que não os da direita, ou será igualmente direita.

A esquerda se põe a lançar mãos dos modos da direita para o obter poder, e até que a “moral dialética” o permite (os fins justificariam os meios). Mas se no poder a esquerda faz o que a direita já fazia, isso deve ser condenado.

A direita oferece ao povo alguma coisa concreta. É uma oferta injusta, mas que sustenta o (indigente) cotidiano. A esquerda, por sua vez, exibe sobretudo um discurso que promete um mundo melhor, mais justo, mais honesto.

Esse “discurso” não é pouco. Se a esquerda persuade a Sociedade de que outro mundo é possível, ela obtém credibilidade. Essa credibilidade é o seu “capital”: Para mantê-lo, um pressuposto: honestidade.

Três honestidades: a jurídico-burguesa, que proíbe a apropriação privada do patrimônio público; a política, que mantém a coerência do discurso; a intelectual, que está atenta, metodicamente cética diante do exercício do poder.

O discurso da possibilidade de um mundo diferente foi traído (roubado), e os intelectuais de esquerda foram coniventes com os desvios da esquerda no poder. Calaram-se diante dos desmandos e da corrupção; justificaram-nos e até os negaram.

A direita é retrocesso, mas isso não oblitera a realidade: os portadores do discurso de mudança estão desqualificados. A primeira honestidade a ser recuperada, a meu ver, é a do intelectual que se acovardou. Aí se recomeça tudo.


 

Imagem Ilustrativa do Post: II Ato Cuiabá Contra A Corrupção e Violência 20/06/2013 // Foto de: paulisson miura // Sem alterações

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