Coluna Justa Medida
Os municípios preparam, neste momento, suas eleições. Talvez este seja o pleito mais importante para os indivíduos. O município é o responsável imediato pela entrega de grande parte dos serviços públicos utilizados pela população. Por vezes, sequer nos damos conta da dependência que temos da Municipalidade.
A educação é competência primária do Município - ainda que as crianças estejam em escolas privadas, cabe ao Município decidir se estas escolas funcionam ou não. A mobilidade urbana, que como bem descobrimos quando vimos um viaduto de uma das vias mais movimentadas do país vir abaixo por falta de manutenção municipal, vai além do fornecimento de transporte público, também é atribuição municipal.
Limpeza e manutenção urbana, com a coleta de lixo, varrição de vias, drenagem e limpeza de córregos (onde tristemente descobrimos a mora da Municipalidade nas enchentes sazonais), planejamento urbano, com a definição de zonas de comércio, indústria, residências e a preservação do sossego público (sim, podemos culpar a Prefeitura pelo som alto dos bares vizinhos, às vezes), e a paisagem urbana, onde se decide se a rede de distribuição de energia permanece exposta e emaranhada nos céus, ou se pode ser arranjada em dutos subterrâneos, como se vê na Avenida Paulista.
São muitas as atribuições do Município que interferem diretamente em nossas vidas, sem percebermos; as palavras que descrevem um ambiente tipicamente paulistano convidam o leitor a observar o ambiente de sua cidade, e identificar a presença - ou ausência - de sua Municipalidade.
Muito destaque é dado às lideranças do Poder Executivo. A candidatura às Prefeituras é importante, e a escolha sensata é essencial; há, porém, um aspecto invisibilizado - e igualmente essencial - para a governança municipal: os representantes do Poder Legislativo, escolhidos juntamente com a liderança do Poder Executivo.
Conhecer as atribuições e funções de parlamentar - em âmbito municipal, a vereadora, ou vereador - é fundamental. Cada uma das pessoas escolhidas como parlamentares representa uma parcela da população, mas seu trabalho deve ser dirigido para toda a comunidade. Este parlamentar representará os interesses de todos, e agirá conforme as necessidades de todos - incluindo quem escreve, e quem lê - durante seu mandato.
O Poder Legislativo não existe somente para elaborar leis, e é, muitas vezes, a chave para a elaboração de inúmeras políticas públicas, considerando os poderes de administração e fiscalização financeira que exerce sobre o Poder Executivo.
Sem a autorização da Câmara de Vereadores, por exemplo, a Prefeitura não pode instaurar projetos de mobilidade urbana de grande porte, eis que cabe ao Poder Legislativo sua análise de viabilidade - inclusive no que tange às despesas com o projeto. As pontes que caem? Poderiam permanecer em pé, se aqui tivessem atenção.
Num cenário ideal, os Poderes trabalham em sinergia, servindo à coletividade e promovendo a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. A realidade, no entanto, nos ensina que os Poderes nem sempre servem ao interesse da coletividade, mas ao corporativismo.
Assim, crianças perdem escolas para interesses imobiliários, melhorias na mobilidade urbana são paralisadas em prol da especulação empresarial e os serviços educacionais permanecem defasados, com rede de apoio e gestão insuficiente e desvalorização de professores, dentre outros problemas. A escolha consciente e sensata de quem ocupa os Poderes é fundamental para evitar este cenário, ou modificá-lo. Por isso, é importante conhecer aquele que se candidata.
Quando contratamos serviços - de médicos, advogados, técnicos de informática, designers, contadores e outros - buscamos as credenciais dos candidatos. Verificamos depoimentos de clientes anteriores, as instituições de ensino frequentadas, as habilidades adquiridas, tudo que nos traga informações sobre a capacidade daquela pessoa de realizar o serviço. E devemos fazer o mesmo com os parlamentares que elegemos; também estamos contratando pessoas para realizar o serviço de gestão da coisa pública.
Precisamos ser criteriosos. Escolher na base do sorteio e torcer para dar certo não é uma opção; muito está em jogo. Precisamos verificar as propostas apresentadas com o mesmo afinco que verificamos as credenciais de nossos dentistas. É essencial que se tenha compreensão do projeto de legislatura do candidato, que se saiba se ele tem o mínimo de habilidade para o cargo que pretende.
Precisamos verificar as credenciais do candidato, e não somente confiar no título exibido. Se questionamos - com razão - a titulação atribuída a advogados, por que acreditar piamente na auto titulação do candidato? O advogado, ao menos, pode fundamentar o título de Doutor, ainda que por uma legislação obsoleta. Há um fundamento concreto. Qual seria o fundamento concreto para o título do candidato “Doutor Z”, além de “eu me chamo assim, acho justo?”.
A titulação usada pelos candidatos não indica que saibam mais sobre dado tema, não influi em suas autoridades, não resume suas propostas. A sensatez eleitoral implica em não julgar livros pela capa. Alguém que se candidata como “Delegado X” pode não ser graduado em Direito, pode não conhecer direito e política criminal, e não ter propostas acerca da segurança pública em São Paulo - que frise-se, é de competência do Estado, e não do município.
Da mesma forma, candidato intitulado “Pastor Y” pode não possuir outorga de congregação religiosa, ou diploma em Teologia. Pode desconhecer a principiologia de respeito às religiões e laicidade do Estado, e pode não ter propostas educacionais - que em sua maioria, são de competência federal e estadual.
A sensatez eleitoral envolve reconhecer propostas, e compreender se elas são factíveis ou não; sabendo que o candidato propõe ou promete algo que jamais poderá fazer - como tornar regra o ensino domiciliar, coisa que somente deputados federais e senadores podem fazer, ou tratar a maioridade penal, o que também, somente deputados federais e senadores podem fazer - é possível ponderar com facilidade. Se tudo que é proposto não pode ser feito, então por que esta pessoa seria a mais adequada? Se eleita, ela representará a população, para fazer o quê?
As eleições municipais impactam diretamente a vida de todos. Num cenário incerto de pandemia, ainda mais. A sensatez eleitoral é mais que necessária, é essencial. Além da sensatez, a responsabilidade eleitoral é primordial. O voto é um dever cívico que não serve nossas vontades, mas ao interesse da coletividade. Não basta votar de acordo com o que acreditamos que é correto; precisamos votar conforme o que melhor atende a todos.
Muito embora o debate sobre a força política de votos nulos e brancos seja acalorado, é importante lembrar que se trata apenas disso: um debate. Uma bela discussão no campo das ideias, abstrata e sem efeito no pleito eleitoral. Na prática, o protesto se torna um não-voto. E não votar é um desserviço à população.
Usar estas formas de protesto não serve à comunidade; pelo contrário, pode prejudicá-la. A responsabilidade eleitoral - de compreender o peso de seu voto nas urnas, e utilizar a sensatez eleitoral para uma escolha dos candidatos às lideranças e representatividades nas respectivas esferas de Poder, principalmente numa época onde mais e mais setores da sociedade reclamam as vozes que não encontram nestes espaços de governança para tratar a coletividade com a devida, legítima e necessária pluralidade e diversidade - é um caminho sólido para a maturidade político-jurídica do Brasil. E é vivamente recomendada.
A pandemia, neste aspecto, nos traz uma vantagem. Não precisamos deixar nossas casas para exercer esta sensatez eleitoral. Candidatos se lançam, todos os dias, ao debate com a população, nas redes sociais que têm ao seu dispor. Estão sempre disponíveis. As credenciais e propostas estão abertas ao escrutínio e às críticas dos cidadãos.
Eis um momento particularmente intrigante da sociedade brasileira moderna. Toda a informação está ao nosso alcance, espalhada pelas redes sociais que temos em nossos celulares. Podemos ser responsáveis. Podemos ser sensatos. Podemos ser críticos, com um toque de nossos dedos, sem qualquer esforço.
O que faremos?
Imagem Ilustrativa do Post: Thomas Quine // Foto de: Lady justice // Sem alterações
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