Cooperativa de Trabalho: uma inconformidade legislativa que repercute na atividade econômica

16/07/2020

O presente texto busca avaliar uma inconformidade pontual na lei que trata das cooperativas de trabalho, a qual destoa da essência deste “tipo societário” e impede o avanço de suas atividades econômicas.

Espera-se, invariavelmente, que a atualização das normas jurídicas ou a criação de institutos complementares produzam avanços e não retrocessos. De um lado a Lei 5.764/1971, que instituiu o regime jurídico das sociedades cooperativas, e de outro, a Lei n. 12.690/2012, que instituiu o regime jurídico das sociedades cooperativas de trabalho.

Em algumas oportunidades, nessa mesma coluna Empório do Direito, tratamos sobre contratos de colaboração e também sobre a sociedade cooperativa como agente propulsor do desenvolvimento econômico.

Comentávamos que os custos de transação para empreender individualmente são mais elevados, pois a união de vários agentes econômicos atrai o compartilhamento de custos, investimentos e know how. A ajuda mútua potencializa o negócio, pois quanto mais colaborativa, mais eficiente é a gestão em termos de custos e investimentos. É fato que a cooperação e a colaboração aumentam o poder de compra, dinamizam o compartilhamento de competências, a transferência de tecnologias, a centralização e a otimização dos custos gerenciais e administrativos, dentre outras situações peculiares deste tipo organizacional, inclusive, de natureza tributária, no que se refere aos incentivos aplicados aos atos cooperados[i].

É bem observado pela doutrina que “a proposta das cooperativas é de reunir indivíduos que, por seus esforços comuns proporcionarão o bem-estar dos membros cooperados, tanto do ponto de vista social como do econômico. Para atingir seu intento, as cooperativas funcionam como intermediárias dos interesses individuais dos sócios e o mundo exterior, não possuindo interesse social próprio. Pode-se classificar sua forma de organização como sendo de uma sociedade auxiliar facilitadora para os sócios”[ii].

Alfredo Assis Gonçalves Neto, após incursão sobre a natureza jurídica da sociedade cooperativa, questiona a opção legal pela catalogação dela como “sociedade simples”, no sentido de que não haveria justificativa para não caracterizá-la como “sociedade empresária”, exceto para afastá-la do regime falimentar, hipótese legal sobre a qual questiona e levanta divergência. Esclarece que é igualmente questionável a sua natureza societária diante da conjugação de aspectos associativos (não visar lucro) e de aspectos societários (apoio prestado ao cooperado no exercício de suas atividades profissionais e a distribuição dos resultados). O referido autor faz críticas ao legislador por ter perdido a oportunidade de dar um tratamento autônomo e intermediário entre as figuras citadas, como ocorre em outros países, ao designar a cooperativa como sendo uma empresa de economia social[iii]

De qualquer forma, a sociedade cooperativa é regulada pela Lei n. 5.764/71, pelo Código Civil, artigos 1.093 a 1.096 e pela Lei 12.690/2012. Por outro lado, a mencionada lei de 2012 institui a Sociedade Cooperativa de Trabalho e o Programa Nacional de Apoio ao Associativismo e Cooperativismo Social — PRONACOOP, que, mais tarde, foi regulamentado pelo Decreto 8.163/2013.

Pode-se dizer que a cooperativa se estrutura a partir de “um negócio jurídico celebrado entre um determinado número de pessoas, destinado a constituir um sujeito de direito, distinto daquelas, com patrimônio e vontade próprios, para atuar na ordem jurídica como novo ente, como um organismo de apoio às atividades de produção ou circulação de bens ou serviços de seus membros[iv].

O Código Civil não traz o conceito legal para a sociedade cooperativa, mas alguns pressupostos essenciais. O conceito legal da cooperativa singular está disciplinado no art. 3º da Lei Geral (5.764/71) que expressa: “celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”. Por outro lado, é o artigo 2º da Lei n. 12.690/2012 que conceitua a cooperativa de trabalho ao estabelecer: “considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho”.

Segundo Garcia, “a verdadeira cooperativa de trabalho deve ser criada e formada por profissionais autônomos, que exerçam a mesma profissão, unindo esforços para obter vantagens ao próprio empreendimento, sem nenhuma intermediação, nem subordinação (seja perante terceiros, seja em face da cooperativa)”[v]. É vedado, portanto, à cooperativa de trabalho a intermediação de mão de obra subordinada, estando ela e os contratantes dos respectivos serviços sujeitos à multa de R$ 500,00 (dobrada na reincidência) por trabalhador prejudicado, nos moldes do artigo 17, parágrafo primeiro da Lei n. 12.690/2012, pois tal fato caracteriza burla a legislação trabalhista.

Entende-se que o legislador deveria prover incentivos à fiscalização, bem como seguir o caminho da imposição de penalidades para as “cooperativas de fachada”, sob o controle do Poder Judiciário, mas não adentrar nos aspectos associativos e societários trazendo ao cooperado direitos inerentes a uma relação de emprego, diga-se inexistente, pois essa particularidade não se harmoniza com a essência desta modalidade associativa/societária.

Tudo indica que o legislador ao criar um regime jurídico próprio para as cooperativas de trabalho partiu de uma premissa equivocada, pois ao invés de trazer incentivos para fomentar o cooperativismo, nessa particularidade — cooperativa de trabalho —, trouxe um grande obstáculo à atividade, a saber: O artigo 7º da Lei 12.690/12 estabelece, resumidamente, que a Cooperativa de Trabalho deve garantir aos sócios os seguintes direitos: I - retiradas não inferiores ao piso da categoria profissional e, na ausência deste, não inferiores ao salário mínimo (...); II - duração do trabalho normal não superior a 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) horas semanais (...); III - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; IV - repouso anual remunerado; V - retirada para o trabalho noturno superior à do diurno; VI - adicional sobre a retirada para as atividades insalubres ou perigosas; VII - seguro de acidente de trabalho.

Tal construção não faz sentido algum. É o mesmo que obrigar um sócio de qualquer outro tipo societário a ter regulação de horários, piso salarial, adicionais etc. Não parece racional a imposição de regras relacionadas ao contrato de trabalho a ser observadas nas relações da cooperativa e seus sócios. Tal fato além de não coibir fraudes à legislação trabalhista e previdenciária, impedem a formação, a estruturação e a continuidade das verdadeiras cooperativas de trabalho. O efeito é muito mais nocivo, não cabendo uma avaliação superficial, apenas sob o enfoque da justiça do trabalho, até porque a própria CLT, e anteriormente a Lei Geral, afastaram a possibilidade de se cogitar sobre a existência de vínculo de emprego nessas relações. As verdadeiras cooperativas de trabalhos atendem os princípios inseridos no artigo 3º da norma em comentário (Lei 12.690/12), a saber: adesão voluntária e livre, gestão democrática, participação econômica dos membros, autonomia e independência, educação, formação e informação, intercooperação, interesse pela comunidade, preservação dos direitos sociais, do valor do trabalho e da livre iniciativa, dentre outros.

Não parece razoável que a reunião de pessoas organizadas (profissionais autônomos), com liberdade, objetivos mútuos, sem subordinação e aderidos à princípios cooperativos de raiz, deva, por exemplo, garantir uma a outra um piso mínimo de determinada categoria, até porque a cooperativa não exerce atividades com finalidade lucrativa, e invariavelmente mostra-se impossível alcançar receitas independentes e sobras suficientes para assegurar um piso mínimo para cada um dos cooperados que integram a sociedade, sem considerar as demais garantias enunciativas da norma em comentário.

Lembre-se que o reformado artigo 442 da CLT, ainda em 1994, com acréscimo do parágrafo único pela Lei 8.949, dispôs: “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela”. Afastou-se, como visto, o vínculo empregatício entre a cooperativa, os associados e os tomadores de serviços.

É notória a percepção de que foi esse o dispositivo que acarretou um aumento considerável das terceirizações, muitas delas formalizadas por meio de cooperativas de trabalho. A contratação de uma cooperativa de trabalho, constituída sob a égide da lei de 2012, tendo suas raízes na lei geral e no código civil, especialmente quanto aos princípios agregadores da característica societária, não se constitui de nenhuma ilealidade, pelo contrário, é desejável diante da repercussão positiva nas atividades econômicas de parte a parte, de um lado o tomador, de outro a cooperativa e o cooperado. Trata-se de um processo “ganha-ganha” diante da apresentação de novos sujeitos (novos agentes econômicos), autônomos e liberais, à margem da vinculação a um determinado emprego, seja por opção, seja pela ausência de postos de trabalho.

Nesse contexto, observa-se que o legislador não fez uma correta avaliação dos impactos e das consequências do conteúdo inserto no artigo 7º da Lei 12.690/12, que no ponto de vista do autor, inviabiliza inciativas concretas deste tipo organizacional, em um momento de reflexão cultural agregadora do cooperativismo, merecendo uma reavaliação legislativa com o intuito de impulsionar as atividades econômicas desse segmento.

 

Notas e Referências

[i] Empório do Direito: A sociedade cooperativa como agente propulsor do desenvolvimento econômico, social e cultural: uma estratégia competitiva.  Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/a-sociedade-cooperativa-como-agente-propulsor-do-desenvolvimento-economico-social-e-cultural-uma-estrategia-competitiva.>Acesso em 13 de julho de 2020.

[ii] RIBEIRO, Marcia Carla Pereira e ALVES, Giovani Ribeiro Rodrigues. Empreendedorismo e Inovação: A Cooperativa como Alternativa Empresarial para o Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/iuris/article/viewFile/7656/6750 .>Acesso em 14 de julho de 2020.

[iii] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa. 7ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 521.

[iv] GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa. 7ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 524.

[v] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Cooperativas de Disponível em:< https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/34302/004_garcia.pdf?sequence=3&isAllowed=y>Acesso em 30 de junho de 2020.

 

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