Contratos de mão única: uma solução de mercado na relação de intimidade entre a atividade empresarial e a atividade de consumo - Por João Carlos Adalberto Zolandeck

02/11/2017

A presente reflexão dialoga com o texto contratos de mão-única: proteção ao consumidor[1] de Omri Ben-Shahar, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Chicago.

Em um primeiro momento, pela leitura rasa que fiz, sem contextualizar a ideia, entendi que o instituto sugerido pelo autor, tratava-se de ponto fora da curva.

Em sua tese sustenta que os termos de um contrato de consumo são válidos apenas unilateralmente, podendo o fornecedor exigir o implemento obrigacional do consumidor, mas não este daquele. É por esta razão que propôs chamar o pacto de “contratos de mão única” a fim de regular as relações de consumo pautadas no mercado.

A mensagem do autor revela que as falhas de mercado estariam submetidas a uma solução pelo próprio mercado, não podendo o fornecedor ser alcançado pelo consumidor em ações individuais, mas apenas por ações coletivas, por meio das chamadas class action, de natureza complexa e limitada.

O fornecedor estaria sujeito a sanções civis, administrativas e/ou penais, mas não haveria remédio contratual de natureza consumerista capaz de proteger o consumidor na sua individualidade.

Falar da implantação de contratos de mão única no Brasil não parece razoável, de certa forma, incoerente, diante da forte consolidação do sistema de proteção dos direitos do consumidor e do amplo acesso à justiça, cujas raízes estão alocadas na matriz constitucional, mais detidamente no art. 5º, incisos XXXII e XXXV e art. 170, inciso V da Constituição da República.

É fato que há um esforço vocacionado à criação de uma consciência para o consumo, principalmente em decorrência dos trabalhos desenvolvidos pelos Órgãos Estaduais de Proteção e Defesa do Consumidor, todavia, para alguns segmentos, como, por exemplo, para a atividade bancária ou para questões de elevada repercussão econômica em desfavor do Ente Público, a solução de conflitos decorrentes da relação jurídica entabulada entre o consumidor, pessoa física ou jurídica, e o fornecedor, tem esbarrado em precedentes duvidosos dos Tribunais quanto à eficiência da norma protetiva, muitas vezes, deixada de lado, por meio da argumentação desviante.

É nesse ponto que o autor questiona a aparente eficácia da regulação mínima padrão, sob o argumento de que as noções tradicionais de direito contratual têm fracassado na busca pela efetiva proteção dos direitos do consumidor.

O conteúdo do texto de Ben-Shahar pode parecer, em uma primeira leitura, na contramão dos direitos do consumidor, mas, bem compreendido na sua estrutura e profundidade, é possível perceber-se o contrário, pois, na medida em que sustenta a ineficiência da tutela estatal e do sistema normativo, submete ao mercado a solução para problemas decorrentes das relações de consumo.

É fato que o mercado não está à deriva e é regulado pelo direito, pelas agências, pelo poder público fiscalizatório, pelos órgãos de proteção, pelos próprios consumidores e pelas empresas de classificação empresarial (sistema de ranking), mas, diferentemente do que ocorre com a empresa, o mercado não possui autoridade e direção, mas coordenação, segundo Ana Frazão[2], ao citar Ronald Coase no I Congresso Paranaense de Direito Empresarial, promovido pela Comissão de Direito Empresarial da OAB/PR (outubro/2017).

O Ideal é que o mercado funcione em um sistema de concorrência perfeita, o que o tornaria mais justo, na afirmação da Profa. Marcia Carla Pereira Ribeiro[3], portanto, soluções destinadas apenas ao mercado seriam mais factíveis, mesmo no Brasil.

O cenário utilizado pelo autor remete aos Estados Unidos, onde o acesso individual à justiça é muito oneroso, o que não ocorre no Brasil diante da gratuidade do acesso aos Juizados Especiais e da capacidade postulatória da própria parte sob um determinado teto de valor, o que fragiliza a eficiência da resposta jurisdicional pelo excesso, violando o princípio da razoável duração do processo.

Quando se impõe limite ao amplo e irrestrito acesso à justiça o mercado reage e sua estrutura complexa move-se para a solução do problema, principalmente em um sistema de concorrência perfeita. Tem-se percebido uma evolução dos sistemas de ranking empresarial, ou seja, de classificação em posições, o que permite ao consumidor conhecer o preço, as características do produto ou serviço, bem como informar-se sobre a satisfação dos usuários anteriores, situação onipresente na vida e no dia-a-dia do brasileiro, que se socorre de parâmetros de mercado para reservar, por exemplo, o hotel onde passará o próximo feriado.  

Por meio desses sistemas, as pessoas conhecem melhor os fornecedores nas suas potencialidades e nas suas fragilidades, servindo-se de tais instrumentos para balizar a escolha, a ponto de afastar do mercado o empresário enquanto fornecedor mal intencionado, que atua rotineiramente em desrespeito ao consumidor.

É certo que o empresário fornecedor, enquanto empreendedor na essência, ao constatar uma repercussão negativa oriunda do seu posicionamento, atuará em proveito do consumidor, preservando a relação de intimidade, do contrário, o mercado, “sem alma”, dará conta de afastá-lo da atividade, dando lugar ao seu concorrente.

Na conclusão do texto-base a esta reflexão, Ben-Shahar, ao fazer uma síntese do conteúdo, destaca que o objetivo da tese é favorecer os interesses do consumidor, mas de uma forma diferente. Ao invés de bajular a “defesa dos direitos” do consumidor, o “acesso à justiça” ou propor soluções de “faz-de-conta”, como a publicidade obrigatória, o artigo olha para a realidade da ineficácia como um “fato” e considera formas de superá-la. É o cultivo de substitutos mais potentes que podem ajudar os consumidores nas suas relações.

O foco, portanto, para a proteção do consumidor é concentrar-se em métodos alternativos e não simplesmente assegurar o direito de o consumidor ir a juízo ou lhe aumentar remédios legais, conclui.

Como visto, há uma lógica na defesa do autor, não para aplicar no Brasil os contratos de mão única, principalmente diante do nosso sistema de acesso à justiça, pois a adoção de tais instrumentos traria questionamento sobre a constitucionalidade da prática.

Porém do conteúdo brota uma conclusão importante, no sentido de que há necessidade de amadurecimento e maior racionalidade do consumidor nas suas relações com o fornecedor e deste para com aquele, estabilizando-se as forças de poder no mercado.

De um lado o empresário enquanto fornecedor, atuando em sintonia com o mercado e com os interesses do consumidor, e, de outro, o consumidor atuando racionalmente, sob a égide do princípio da cooperação, consequência natural do atendimento da lógica de consumo, tanto em relação às perspectivas de lucro como em relação às de qualidade e de eficiência do produto ou serviço, em uma verdadeira relação de mão dupla, e não de mão única, ancorada, sempre que possível, por um sistema de mercado equilibrado pelo bom funcionamento dos princípios concorrenciais.


[1] BEN-SHAHAR, Omri. One-Way Contracts Consumer Protection without Law. http://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1347&context=law_and_economics. Acesso: 31/10/2017.

[2] FRAZÃO, Ana. Estruturação dos contratos empresariais. Painel no I Congresso Paranaense de Direito Empresarial, realizado pela Comissão de Direito Empresarial da OAB/PR entre os dias 31/outubro e 1º/novembro de 2017.

[3] RIBEIRO, Marcia Carla Pereira. Estruturação dos contratos empresariais. Painel no I Congresso Paranaense de Direito Empresarial, realizado pela Comissão de Direito Empresarial da OAB/PR entre os dias 31/outubro e 1º/novembro de 2017.

 

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