Ao lado do contrato atípico de locação em shopping center outro contrato com características bem peculiares ganhou destaque no bojo da Lei de Locações. Trata-se do contrato de locação comercial built to suit (BTS), termo de locução inglesa que significa “construído para servir” ou “feito sob encomenda”, ou “feito para atender ao locatário”.
A referida lei, em pelo menos duas oportunidades, amplia a liberdade de contratar, ou seja, privilegia o princípio da autonomia privada no âmbito dos contratos interempresariais, onde cada contratante bem conhece o risco do negócio como sendo uma decorrência do risco de mercado.
Este pequeno estudo não tem por objetivo revelar todas as características do contrato built to suit, mas apenas tratar da natureza jurídica do contrato e da barreira ao direito de revisar, diante das repercussões jurídicas que tais questões representam.
A prática se consolidou no mercado e o assunto foi debatido nos tribunais antes da entrada em vigor da Lei n. 12.744/2012, que acrescentou o artigo 54 “A” à Lei de Locações, cujo conteúdo regulamentou a espécie contratual do denominado contrato “BTS”, no seguinte sentido: “Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei”.
O parágrafo primeiro do mesmo artigo trata da renúncia do direito de revisão dos aluguéis e o parágrafo segundo da multa por denúncia antecipada.
Apesar de a norma legal não criar a denominação utilizada por parte da doutrina e da jurisprudência, aqui se adota para efeitos didáticos.
Em mais de uma oportunidade, na Coluna Empório do Direito, falamos sobre a importância das decisões judiciais e o que elas representam para o ambiente de negócios, pois são capazes de prover incentivos ao investimento ou desprover determinado mercado a ponto de eliminá-lo, portanto a análise das consequências é fundamental para o processo decisório, especialmente na espécie contratual aqui debatida.
Para a caracterização do negócio, locador e locatário devem estar afinados quanto ao imóvel e ao projeto que será implementado pelo locador, sempre sob a orientação e as minúcias ditadas pelo locatário. O contrato BTS, assim designado com mais facilidade, estará caracterizado não apenas pela prévia aquisição, mas também pela construção ou substancial reforma, podendo se dar em um imóvel já incorporado à propriedade do locador mesmo antes da intenção.
Ressalva-se que não é todo tipo de contrato que pode assumir as características do BTS, sob pena de nulidade das cláusulas que imponham obrigações diversas daquelas usualmente estabelecidas nas locações comerciais puras ou tradicionais.
Sobre a natureza jurídica, entende-se defensável a tese de um contrato típico misto e não atípico misto como é o contrato de locação em shopping center, pois, neste, a estrutura jurídica é mais complexa e envolve uma comunidade de empresários com objetivo único. No BTS há preponderância das regras locatícias, sendo, em um e outro, aplicáveis as regras procedimentais da Lei 8.245/1991.
Diante da necessidade de posicionar o contrato no contexto do ordenamento, a discussão sobre a natureza jurídica não é vã, pois repercutirá na solução das questões submetidas aos tribunais.
É característica essencial do contrato o período longo de vigência, invariavelmente, entre 120 e 180 meses. Inicia-se, aqui, o segundo ponto, a vedação ao direito de revisar o valor pactuado a título de aluguel, cujo fundamento está no parágrafo segundo do aludido artigo 54 “A”.
Desde que pactuado expressamente, o locatário não poderá se socorrer da ação revisional, mesmo que para minimizar os efeitos da crise econômica ou do insucesso de sua atividade empresarial. Há uma lógica para tal configuração, explica-se: entende-se por equivocada a interpretação de que o BTS traz desequilíbrio na relação econômica entre locador e locatário, isto porque o locatário procura este tipo de negócio para não mobilizar capital, tanto no imóvel como na construção ou substancial reforma, uma vantagem reconhecida.
Por outro lado, o investidor ao fazer a prévia aquisição e realizar o projeto do locatário, no que se refere à construção ou substancial reforma, dedica-se a um projeto único que atenderá à perspectiva da atividade empresarial do locatário. Não é apenas a construção que onera o contrato, mas também a aquisição em regiões invariavelmente privilegiadas, onde há escassez de imóveis. Isto para dizer que o valor do aluguel no contrato BTS é mais elevado do que no contrato de locação pura ou tradicional, justamente pela remuneração devida em razão da recomposição do investimento e do uso do espaço locado, apenas viável pelo longo período de vigência.
Há quem defenda que a renúncia ao direito de revisar traz ofensa ao princípio do amplo acesso à justiça, que possui previsão constitucional, o que revelaria inconstitucionalidade na prática. Esse entendimento não é sistêmico ou ancorado no conceito do negócio e do mercado, portanto, entende-se não deva prevalecer, pois, do contrário, o locador/investidor não recomporá o investimento, não fazendo sentido o tipo de arranjo contratual.
Sobre a multa por denúncia antecipada, a tese da onerosidade excessiva e as alternativas contratuais de parte a parte para minimizar os efeitos de tais intercorrências, bem como sobre a cláusula degrau em contrato BTS, entre outras particularidades, reservaremos para um próximo artigo.
Como conclusão fica a preocupação com algumas decisões judiciais fragmentárias ao conceito do contrato e ao princípio da autonomia privada, que ainda prepondera e deve preponderar nas relações interempresariais, evidentemente, em sintonia com a prática de mercado e com os efeitos da concorrência.
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