Coluna Atualidades Trabalhistas / Coordenador Ricardo Calcini
Foi publicado no DOU de 12 de novembro de 2019 a Medido Provisória n. 905/2019 que “institui o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, altera a legislação trabalhista, e dá outras providências”. A MP em questão já tem sido chamada de “nova reforma trabalhista” uma vez que trata de diversos pontos da legislação trabalhista e previdenciária e ainda promete que durante sua tramitação muitas alterações sejam feitas.
Independente disso, fato é que a principal novidade trazida pela MP – o contrato de trabalho verde e amarelo – tem causado um certo alvoroço no mundo das relações do trabalho, seja nos estudiosos do Direito do Trabalho ou no âmbito das relações de trabalho propriamente dito – literalmente a relação entre empregados e empregadores, especialmente entre estes últimos que anseiam pelo início de aplicação das regras de incentivo e desoneração de folha de pagamento.
A medida visa fomentar a empregabilidade junto aos jovens, especificamente aqueles que buscam uma “primeira” colocação no mercado de trabalho. E “primeira” vem entre aspas justamente porque houve flexibilização do conceito de “primeiro emprego”, como se verá adiante.
O presente artigo não tem expectativa de enfrentar os temas relativos às possíveis inconstitucionalidades que já vem sendo levantados a respeito da MP em questão, inclusive as potencialmente significantes inconstitucionalidades formais, como a sua utilização para tratar de temas que deveriam ser previstos especificamente por Lei Complementar (como normais processuais ou o fim do pagamento do adicional de 10% sobre multa de FGTS) ou temas que por terem previsão constitucional não poderiam ser limitados por uma MP (como a redução da multa rescisória fundiária de 20% para 40% na dispensa sem justa causa, ainda que negociado pelas partes), mas sim de trazer uma primeira apresentação, do ponto de vista de aplicação prática dessa nova modalidade contratual trabalhista.
O Contrato Verde Amarelo surge como uma modalidade de desoneração de folha de pagamento para uma categoria específica: a dos trabalhadores que tem de 18 a 29 anos e que estão em busca de seu “primeiro emprego”. Mas o que seria “primeiro emprego” segundo o texto da MP? O parágrafo único do art. 1º já diz que “para fins da caracterização como primeiro emprego, não serão considerados os seguintes vínculos laborais”: menor aprendiz, contrato de experiência, trabalho intermitente e o trabalho avulso. Desta forma, ainda que exista anotação de contrato de trabalho em uma dessas modalidades, o empregador pode admitir esse trabalhador na modalidade em questão, como se fosse, efetivamente, a primeira oportunidade de emprego dele. É uma ficção jurídica estabelecida para que as oportunidades excepcionais não afastem essa possibilidade de contratação.
A medida preocupa-se, no entanto, em efetivamente criar postos de trabalho e não apenas desonerar a folha de pagamento atualmente existente nas empresas. Para tanto, o art. 2º de seu texto prevê que a empresa deverá calcular a média de empregados registrados na folha de pagamentos entre 1º de janeiro e 31 de outubro de 2019 e admitir tão somente novos empregados. Isso quer dizer que se na média dos meses em questão a empresa tinha 50 (cinquenta) empregados, por exemplo, em hipótese alguma será admitida a contratação pela modalidade verde e amarelo de empregados se o número total de trabalhadores for inferior a essas cinquenta pessoas.
Mas a limitação não é apenas essa, pois se assim fosse, a empresa poderia admitir um número infinito de trabalhadores nessa modalidade a partir deste número. A legislação também limita o número de trabalhadores nessa modalidade a 20% do total de empregados da empresa no mês de apuração. No mesmo exemplo de média de cinquenta empregados, a empresa poderia admitir até o limite de 13 (treze) novas pessoas na modalidade em questão, atingindo o número de 63 (sessenta e três trabalhadores). Nesse caso, 20% de 63 seria 12,6 – o que seria arredondado para 13, já que a é necessário considerar unidade a fração igual ou superior a cinco décimos do número inteiro.
Uma outra restrição criada pela legislação é que “o trabalhador contratado por outras formas de contrato de trabalho, uma vez dispensado, não poderá ser recontratado pelo mesmo empregador, na modalidade Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, pelo prazo de cento e oitenta dias, contado da data de dispensa”, ressalvadas as exceções previstas para os contratos excepcionais já citados (menor aprendiz, contrato de experiência, trabalho intermitente e o trabalho avulso).
Uma outra restrição legislativa para a contratação em questão é a proibição de sua utilização para trabalhadores submetidos a legislação especial – ou seja, aqueles que tem regulamentação própria, como professores, bancários, motoristas rodoviários e tantos outros.
Há também a limitação salarial. Somente poderão ser admitidos nessa modalidade contratual os trabalhadores com salário-base mensal de até um salário-mínimo e meio nacional. Esse dispositivo traz, de imediato, alguns questionamentos. O trabalhador comissionista que tenha remuneração fixa (salário-base mensal) inferior ao valor limite, poderia ser admitido nessa modalidade, mesmo que sua comissão ultrapasse esse valor? Imagine-se um vendedor do comércio que tenha salário base de meio salário mínimo, mas que suas comissões alcancem mensalmente três salários mínimos, em média. Ele poderia ser admitido nessa modalidade? Pelo texto expresso da lei, parece-nos que sim, uma vez que a restrição é exclusiva para “salário-base mensal”. Por outro lado, não será permitido ao empregador que crie “subterfúgios” fraudulentos para o enquadramento nessa condição – como a criação de “prêmios” mensais habituais e desvinculados de resultados extraordinários.
Por último – e não menor importante – o contrato verde e amarelo é um contrato por prazo determinado por essência. Ele tem limite temporal de 24 (vinte e quatro meses), a critério do empregador. Mas a legislação também permite que dentro desse prazo o contrato possa ser renovado ilimitadamente. Mas, se ultrapassado o limite legal de 24 meses, o contrato se transformaria automaticamente em contrato por prazo indeterminado regular.
Essa restrição é bastante curiosa, especialmente se levar em consideração que se trata de Medido Provisória – que poderá ou não ser convertida em lei. O que aconteceria com os contratos em curso caso a MP perdesse sua eficácia sem sua conversão em lei? O contrato seria automaticamente transformado em contrato por prazo indeterminado regular? Para evitar essas incertezas, o empregador poderá se utilizar de algumas estratégias contratuais validadas pela legislação, como a contratação sempre mensal – renovando-se o prazo do contrato mensalmente – ou até mesmo efetuar a contratação pelo prazo de vigência da MP.
Uma outra inovação trazida pela modalidade de contrato verde e amarelo é a possiblidade de se efetuar o pagamento mensal décimo terceiro salário proporcional e das férias proporcionais com acréscimo de um terço. Essa medida – polêmica – visa evidentemente aumentar o poder aquisitivo mensal do trabalhador contratado sob essa condição. Ao mesmo tempo, torna quase sem efeito essas parcelas, uma vez que o trabalhador dificilmente perceberá a diferenciação e não contará com o pagamento das referidas parcelas em momentos importantes, como o período de final de ano e na época de gozo de suas férias.
Essa possiblidade não é novidade, uma vez que a legislação do contrato de trabalho intermitente traz a mesma previsão. O que se percebe é que a longo prazo – ainda mais se considerando que se trata de primeiro emprego desses empregados – é bastante possível que as pessoas deixem de considerar essas parcelas como direitos relevantes no contrato de trabalho. É importante lembrar que a legislação não impõe que esse pagamento seja feito dessa forma, sendo apenas uma faculdade a ser ajustada entre as partes – sendo muito provável que os profissionais de RH resistam a esse pagamento mensal no início, especialmente pela dificuldade administrativa da coexistência de dois sistemas de pagamento distintos na empresa.
Um outro ajuste que pode ser feito entre as partes é o pagamento antecipado da multa rescisória do FGTS, juntamente com o salário, férias e décimo-terceiro, diretamente ao empregado. A MP prevê que essa antecipação seria de 20% (vinte por cento) do valor do FGTS e não 40% como prevê a lei, reduzindo-se a multa por rescisão imotivada do contrato de trabalho. Por outro lado, esse valor passaria a ser direito do empregado independente da modalidade de extinção do contrato de trabalho – inclusive em caso de justa causa. Em razão da potencialidade de ser declarada inconstitucional, é muito provável que as empresas, pelo menos no prazo de vigência da MP, não optem por realizar essa antecipação mensal.
Com relação aos demais direitos e deveres trabalhistas, a MP não inova. Ela mantém as regras gerais de jornada de trabalho, prevê a aplicação dos direitos trabalhistas constitucionalizados, mas restringe a aplicação das Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho aos pontos que não forem contrários à Medida Provisória. Essa restrição tem efeito prático restrito e parece-nos ser significativo somente para o caso das categorias que tenham normas coletivas próprias para prazo de pagamentos e valores das parcelas a serem antecipadas mensalmente aos empregados.
Uma outra restrição de direitos nessa modalidade contratual é a do adicional de periculosidade. A MP prevê que caso o empregador contrate seguro vida e acidentes pessoais ao empregado previsto, o adicional de periculosidade será de apenas cinco por cento sobre o salário-base do trabalhador e não trinta por cento como acontece aos demais trabalhadores. Além disso, a legislação cria uma nova referência para o referido adicional, que é exposição efetiva do trabalhador “em condição de periculosidade por, no mínimo, cinquenta por cento de sua jornada normal de trabalho”.
É necessário esclarecer quais seriam os incentivos oferecidos aos empregadores nessa modalidade contratual. A primeira delas é a redução da alíquota mensal relativa à contribuição devida para o FGTS de oito para dois por cento nessa modalidade contratual, exatamente como já acontece no contrato de aprendizagem. Além disso, as empresas que contratarem empregados nessa modalidade ficarão isentas de diversas parcelas de contribuições incidentes sobre a folha de pagamento dos contratados, quais sejam:
“Art. 9º (...)
I - contribuição previdenciária prevista no inciso I do caput do art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991;
II - salário-educação previsto no inciso I do caput do art. 3º do Decreto nº 87.043, de 22 de março de 1982; e
III - contribuição social destinada ao:
a) Serviço Social da Indústria - Sesi, de que trata o art. 3º do Decreto-Lei nº 9.403, de 25 de junho de 1946;
b) Serviço Social do Comércio - Sesc, de que trata o art. 3º do Decreto-Lei nº 9.853, de 13 de setembro de 1946;
c) Serviço Social do Transporte - Sest, de que trata o art. 7º da Lei nº 8.706, de 14 de setembro de 1993;
d) Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - Senai, de que trata o art. 4º do Decreto-Lei nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942;
e) Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial - Senac, de que trata o art. 4º do Decreto-Lei nº 8.621, de 10 de janeiro de 1946;
f) Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte - Senat, de que trata o art. 7º da Lei nº 8.706, de 1993;
g) Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - Sebrae, de que trata o § 3º do art. 8º da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990;
h) Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra, de que trata o art. 1º do Decreto-Lei nº 1.146, de 31 de dezembro de 1970;
i) Serviço Nacional de Aprendizagem Rural - Senar, de que trata o art. 3º da Lei nº 8.315, de 23 de dezembro de 1991; e
j) Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo - Sescoop, de que trata o art. 10 da Medida Provisória nº 2.168-40, de 24 de agosto de 2001.”
Por fim, importante registrar que esse incentivo tem início somente a partir de 01 de janeiro de 2020 e não é permanente. O limite máximo para sua contratação é 31 de dezembro de 2022, ou seja, dois anos. Importante ressaltar que esse intervalo temporal é para admissões e não de duração do contrato. Dessa forma, caso a empresa admita um trabalhador no dia 30 de dezembro de 2022 por 24 meses, esse contrato terá respeitada a integralidade de sua duração, mesmo ultrapassando a data limite estabelecida pela MP.
A MP é recém-publicada e com certeza terá seu texto modificado até mesmo sua interpretação amadurecida, mas ele surge com promessa de efetivamente criar novos postos de trabalhos com essa modalidade de desoneração da folha de pagamento para o primeiro emprego.
Imagem Ilustrativa do Post: Congresso Nacional verde e amarelo // Foto de: Leandro Neumann Ciuffo // Sem alterações
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