Contra o relativismo e a miséria intelectual do pós - modernismo (Parte 1)

07/07/2017

Por Atahualpa Fernandez – 07/07/2017

Leia também: Parte 2Parte 3Parte 4, Parte 5, Parte 6, Parte 7

“Hay comunidades de falsos intelectuales en las humanidades en general que han sido impactados por el legado del post-modernismo. Esta gente está bombeando auténtica basura y adoctrinando a generaciones de estudiantes para creer en un autentico sinsentido.”

Peter Boghossian

Nos dias que correm os ventos sopram a favor da «opinologia», das crenças pessoais e das prioridades extraviadas. Agora resulta que tudo tem apenas um valor relativo; que a verdade objetiva não existe; que a Ciência é tão somente uma narrativa mais; que a tarefa dos cientistas consiste em inventar mitos culturais em lugar de fazer descobrimentos; que todas as culturas têm sua parte de certeza e são igualmente válidas e respeitáveis; e que o relevante é que algo pareça verdade, não que o seja. A Verdade se converte em algo desconhecido e estranho, em uma convenção escolhida por consenso e o obscurantismo chega às mais altas esferas.

Estamos assistindo a uma época em que o ser humano está negando a realidade. Ideias relacionadas com o pós-modernismo, o relativismo, o construtivismo social e a “pós-verdade” se impuseram em todas as esferas da vida. Tudo é uma construção social e nada existe em realidade. A defesa teórica de que aquilo que é o conhecimento (sobretudo o conhecimento propriamente científico, a chamada “ciência dura”) é uma representação que não provém diretamente da realidade (nem se corresponde necessariamente com esta) atreveu-se a transpassar os âmbitos da sociologia, do direito e da psicologia para se adentrar sem cuidados, e com não pouca arrogância, nos da física, da química e da biologia.

Desse modo, não só a autoridade, a segurança, a justiça, a enfermidade, o incesto, a desigualdade social, a pobreza, as raças, o gênero e a inteligência estão socialmente construídos e/ou são relativos a um marco de referências do tipo histórico-cultural, senão que também não existe e/ou não se podem definir de forma objetiva os fatos, as emoções, o sexo, o verdadeiro e o falso conhecimento, a evolução, os genes, a beleza, o bem, o mal, o correto, o incorreto e a própria natureza humana. O que não deveriam ser mais que propostas marginais, ao menos por sua inconsistência lógica, transformaram-se em mainstream do pensamento (pseudo) científico atual: não existe uma realidade independente de causas sociais, senão que tudo está construído permissivamente, fraguado quase sempre por uma trama de obscuros interesses.

Embora a existência da diversidade moral e ético-jurídica como um fato empírico não ofereça suporte à versão do "tudo vale" defendida pelo relativismo moral (isto é, que todos os sistemas morais e ético-jurídicos devem ser considerados igualmente válidos, legítimos, bons e justos[1]), a ninguém com um mínimo de consciência reflexiva poderia ocorrer defender que não vivemos na era dos sentimentos desmedidos e da subjetividade pura e dura. De fato, em qualquer das quatro dimensões que percebemos ou entendemos o mundo (as três dimensões espaciais e uma temporal), a medida de todas as coisas são agora os sentimentos e se algo fere nossos sentimentos não só é que seja mau moralmente, senão que está mal “cientificamente”: é um erro e uma equivocação e há que alterá-lo ou corrigi-lo. O princípio de realidade, a que se referia Freud, se foi pelo deságue. Somente resta o princípio do prazer, nossos desejos e nossas verdades. Os desejos são hoje, automaticamente, direitos e, desde esta perspectiva, nossos direitos se convertem em fazer, ter, experimentar, opinar e exigir tudo aquilo que queiramos.

Antes, se meus desejos não encaixavam com a realidade eu tinha um problema; agora, é ao revés: se meus desejos chocam com a realidade é a realidade a que tem um problema. É intolerável que uma suposta realidade me cause um dano ou me faça sofrer. É intolerável que a ciência contradiga minhas crenças (ou minha fé). Se o fato de que os canários são pássaros canoros da família dos fringilídeos supõe um problema para mim, os canários não podem ser pássaros canoros da família dos fringilídeos e se realmente são, temos que ocultá-lo. A biologia, a neurociência e a genética são respeitáveis enquanto sirvam para resolver problemas[2]… Mas não tanto quando dão respostas ou oferecem explicações não demandadas: a evolução, os prejuízos, os vieses cognitivos, as emoções que distorcem nossa visão do mundo (dos demais e de nós mesmos), a influência dos genes, etc...etc.

A ciência está muito bem sempre que não estorve e não interfira com nossos sentimentos. Somos vítimas de nosso delicado e “sobreexcitado” ego, cegos aos nossos próprios equívocos, tendenciosos em nossas avaliações, e muitas vezes não serve de nada que nos expliquem, porque seguiremos pensando o mesmo. Como crianças “mimadas” hiperreagimos ante qualquer coisa que choque com nossos interesses. Agora chamam «pós-verdade» (a circunstância em que fatos objetivos têm menos importância do que crenças pessoais), mas leva existindo desde que decidimos crer em deuses caprichosos, iracundos e infestados de contradições. Enfim, a mentira de toda a vida.


Notas e Referências:

[1] A ética do relativismo cultural e moral, uma forma de crença religiosa secular entre a intelectualidade, rechaça a premissa de que podemos julgar as práticas do 'outro', a não ser que isto possa ser interpretado como uma forma de imperialismo cultural. Um dos discursos que mais se soe escutar a pensadores de colorido pós-moderno é a ideia de que tudo na cultura é relativo. Não se fala de um relativismo filosófico, senão de um relativismo cultural, isto é, da opinião de que todas as crenças, costumes e ética são relativas ao contexto histórico e às convenções sociais que o aceitem. Em outras palavras, o "bem" e o "mal" são específicos da cultura; o que se considera moral em uma sociedade pode ser considerada imoral em outra e, posto que nenhuma norma universal da moralidade existe, ninguém tem o direito de julgar os costumes de outra sociedade. Baixo esta postura se assegura que não existe razão alguma para julgar, por exemplo, o que alguma cultura considere o sacrifício humano como moralmente correto ou que teorias científicas somente são válidas devido ao zeitgeist ou espírito da época. Em outra época e/ou em outro lugar, a validez da teoria da evolução (para pôr um exemplo) é igual à validez da crença em que o mundo é sustentado por elefantes parados encima de uma tartaruga. E se tudo isso já não fosse o suficiente, alguns de seus partidários costumam ir por uma variável mais específica: o relativismo moral. O pequeno inconveniente é que dizer que não existem parâmetros objetivos mais além do consenso e o acordo social na moral é simplesmente ignorar deliberadamente revelações fundamentais sobre a conduta humana expostas de forma verificável por ciências como a psicobiologia, as neurociências e a genética. Para que conste:  Em junho de 2010 a Fundação EDGE organizou uma conferência chamada THE NEW SCIENCE OF MORALITY, para a qual convocou a filósofos, psicólogos e cientistas sociais em torno aos novos estudos sobre a Moralidade Humana realizados no âmbito da Filosofia Analítica, a Filosofia Experimental e a Ciência Cognitiva. O resultado é uma clara reação da ciência ante o relativismo: http://www.edge.org/3rd_culture/morality10/morality_consensus.html

[2] A mente humana, que tampouco escapa desse tipo de discurso, por algum estranho mistério da evolução, não deve seu funcionamento aos genes: teus olhos são azuis ou negros pelos genes, és mais alto ou mais baixo pelos genes (em parte…), também serás chinês ou caucásico, ou uma mescla, pelos genes….. Mas tua mente é produto exclusivo do ambiente. Que seu funcionamento esteja relacionado com a atividade de um conglomerado espetacular de sinapses e de padrões eletroquímicos de centos de milhões de células especializadas (evolutivamente determinadas) para comunicar informação entre as distintas zonas (redes) cerebrais e posteriormente para o exterior, a que chamamos cérebro, deve ser pouco importante.


Atahualpa Fernandez

Atahualpa Fernandez é Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/ Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral research)/Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/ Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España; Especialista Direito Público/UFPa./Brasil; Profesor Colaborador Honorífico (Associate Professor) e Investigador da Universitat de les Illes Balears, Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España.


Imagem Ilustrativa do Post: Borders. // Foto de: Marco / Zak // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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