Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan
É indiscutível a alteração no contexto social em relação aos animais de estimação. Muito mais do que eventuais “melhores amigos dos homens”, cães (também gatos, pequenos répteis, peixes, aves etc.) têm ocupado cada vez mais lares e corações. De acordo com a estatística do IBGE de 2013, o número de animais de estimação no Brasil superava a marca de 132 milhões[1]; dados atualizados pelo Instituto Pet Brasil, divulgados em 2018, apontam crescimento para 139,3 milhões[2]. O número de pets já supera, em média, o número de crianças por lares.[3]
Tamanho é o afeto para com os animais que a CCJ analisará a guarda compartilhada de pets após a dissolução de casamento ou união estável, avaliando e regulando não somente relações patrimoniais, mas essencialmente o afeto provido ao animal[4], muitas vezes considerado integrante do núcleo familiar.
Tendo este cenário como pano de fundo, o Mercado lucra e tende a crescer. No Brasil, não é difícil de encontrar segmentos especializados em proporcionar saúde, bem-estar e até mesmo luxo para pets. Recentemente, a grife Tamellini Milano lançou a linha Dog à Porter dedicando a cães a mais alta-costura, com cashmeres variando de 286 a 637 euros[5]. Há farmácias de manipulação especializadas em medicamentos saborizados[6], móveis de luxo pet[7], creches e hotéis que oferecem tratamentos de fisioterapia a cromoterapia.[8]
O faturamento do mercado pet em 2018 no Brasil foi de cerca de 20,3 bilhões de reais, representando o percentual de 5,2% no faturamento mundial nesse segmento, estando atrás somente dos Estados Unidos, que representa esmagadores 40% do faturamento, de acordo com os dados divulgados pela Abinpet em 2019. É necessário salientar que a movimentação da economia gera empregos e que, apesar da elevada carga tributária brasileira, não apenas o percentual de exportações cresceu em relação a 2017 (acréscimo de 24%), como também os números das importações apontam expansão nas atividades (no pet food, aumento de 26,3%).[9]
A projeção para 2020 é de que o mercado pet fature em torno de 20 bilhões de reais, ou seja, mantendo ou aumentando a demanda do consumo para pets. [10] Nesse contexto, pode-se afirmar que os pets são tão consumidores quanto seus donos, porque a eles são destinados os cuidados e prazeres que uma sociedade capitalista pode propiciar.
O mercado é, de fato, ubíquo[11]. Mas por que problematizar algo dessa esfera?
As alterações de consumo refletem a sociedade em que estamos inseridos. Vivemos em um momento de transições avassaladoras, não apenas com IA e a possível quarta revolução industrial[12], mas na sociedade em si. O art. 2º do CDC define consumidor como “pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, sendo a definição ampliada em casos de vítimas nos acidentes de consumo (art. 17)[13].
Ora, sendo os animais destinatários finais do produto/serviço em função de seu uso, não seria possível sua equiparação ao consumidor humano? Afinal, em caso de acidente de produto, por exemplo, serão os mais atingidos. E não pensemos tão somente em um cenário caótico: o mercado cresce em função da geração de bem-estar dos animais, e não de seus donos/familiares/representantes, que atuam na cadeia de consumo como consumidores pelo ato de adquirir o produto/serviço, mas não como destinatários finais.
Somos frutos de nosso tempo e, por isso, uma relação de consumo destinada aos animais seria esdrúxula séculos atrás; no entanto, a contemporaneidade anseia por alterações e soluções de novos desafios. Evidentemente, a percepção desse movimento de transformação não é abrupta, mas certamente merece especial atenção, em uma tentativa de provocar reflexão ao leitor.
Notas e Referências
[1] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). População de animais de estimação no Brasil: 2013 - em milhões. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/assuntos/camaras-setoriais-tematicas/documentos/camaras-tematicas/insumos-agropecuarios/anos-anteriores/ibge-populacao-de-animais-de-estimacao-no-brasil-2013-abinpet-79.pdf. Acesso em: 27 dez. 2019.
[2] CENSO Pet: 139,3 milhões de animais de estimação no Brasil. In: INSTITUTO Pet Brasil. São Paulo, 12 jun. 2019. Disponível em: http://institutopetbrasil.com/imprensa/censo-pet-1393-milhoes-de-animais-de-estimacao-no-brasil/. Acesso em: 27 dez. 2019.
[3] BRASIL tem mais cachorros de estimação do que crianças diz pesquisa do IBGE. In: O Globo. Rio de Janeiro: 02 jun. 2015. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/brasil-tem-mais-cachorros-de-estimacao-do-que-criancas-diz-pesquisa-do-ibge-16325739. Acesso em: 27 dez. 2019.
[4] GUARDA compartilhada de animais de estimação após separação será analisada na CCJ. In: Senado Notícias. Brasília: 08 jan. 2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/01/08/guarda-compartilhada-de-animais-apos-separacao-sera-analisada-na-ccj.Acesso em: 27 dez. 2019.
[5] DOG à Porter Archivi. In: Tamellini Milano. Milão, [2019?]. Disponível em: https://temellinimilano.com/product-category/cane/. Acesso em: 27 dez. 2019.
[6] MANIPULAMOS o medicamento de seu pet. In: Vida Animal – farmácia veterinária. Porto Alegre, [2019]. Disponível em: http://vidaanimal.far.br/. Acesso em 27 dez. 2019.
[7] RICCO LETTO. Móveis de luxo pet. Gramado, [2019?]. Instagram: @ricco_letto. Disponível em: https://www.instagram.com/ricco_letto/?hl=pt. Acesso em: 27 dez. 2019.
[8] MUITO mais que day care. In: Dog Vila Lobos. Rio de Janeiro, [2019?]. Disponível em: http://www.dogvilalobos.com.br/. Acesso em 27 dez. 2019.
[9] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE PRODUTOS PARA ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO (Abinpet). 2019 Mercado Pet Brasil. São Paulo: Abinpet, 2019. Disponível em: http://abinpet.org.br/mercado/
[10] MERCADO pet deve faturar R$20 bilhões em 2020. In: Exame. São Paulo: 02 maio 2019. Disponível em: https://exame.abril.com.br/negocios/dino/mercado-pet-deve-faturar-r-20-bilhoes-em-2020-2/. Acesso em: 27 dez. 2019.
[11] BARBER, Benjamin R. Consumido: como o mercado corrompe crianças, infantiliza adultos e engole cidadãos. Trad. Bruno Casotti. Rio de Janeiro: Record, 2009.
[12] SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. Tradução de Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016.
[13] BRASIL. Lei nº 8.073. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 29 dez. 2019.
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