Coordenador: Marcos Catalan
Será possível afirmarmos que no atual sistema capitalista, que visa o lucro acima de tudo e de todos, o dito popular “dinheiro não traz felicidade” cairá em desuso e será substituído por “o consumo traz felicidade”?[1]
Não há dúvida de que a compra do objeto desejado cria uma onda de felicidade no consumidor, mesmo que momentânea.
Também não restam dúvidas de que a forma como os produtos são oferecidos no mercado incentivam o consumismo.
Estudos científicos que monitoraram o funcionamento do cérebro de macacos e humanos descobriram regiões denominadas de neurônios-espelhos que agem em conjunto com a dopamina, uma substância química cerebral ligada ao prazer e à felicidade, com efeitos que duram por um curto prazo, porém viciantes para os seres humanos. Quando se decide comprar algo, as células cerebrais secretam dopamina e produzem uma explosão de bem-estar, situação que alimenta a vontade de continuar comprando[2].
Assim, como afirmava Bauman[3], a experimentação da felicidade é um dos principais elementos impulsionadores do consumo. O ato de consumir, por si só, é representado como uma busca pela felicidade e sustentado pela curiosidade de sempre experimentar o novo.
Porter[4] vai mais além e conclui que a felicidade pode ser comprada, na medida em que o dinheiro fornece inúmeras melhorias à vida das pessoas. Justifica seu pensamento defendendo que os mais ricos tendem a ser mais felizes que os mais pobres. Em geral, os países mais ricos são mais saudáveis, têm uma mortalidade infantil menor e uma expectativa de vida mais alta. Também tendem a ter um meio ambiente mais limpo e cidadãos com um melhor nível educacional, onde são menos exigidos fisicamente e possuem trabalhos mais interessantes. Além disso, as pessoas ricas geralmente têm mais tempo de lazer, viajam mais e possuem mais dinheiro para consumir e se divertir.
Entretanto, resta saber se há uma felicidade plena e duradoura a ser alcançada.
Segundo Poter, uma pessoa pode dizer que sabe o que a tornará feliz no futuro, algo como a fama, uma fortuna ou um carro novo, porém, quando atinge tal objetivo e se adapta a esta nova situação, a felicidade raramente permanece por muito tempo. Isso ocorre porque não é algo fácil a diferença entre satisfação geral com a vida (análise da sua situação como um todo) e bem-estar imediato (desejo de querer algo em específico).
Em outras palavras, o limite para a ligação entre consumo/dinheiro e felicidade seria a capacidade humana de adaptação. Acostumar-se com o adquirido e logo querer algo diferente.
É claro que as peças publicitárias também têm contribuído muito para este cenário, pois alimentam o desejo insaciável pelo novo e prometem a felicidade. Induzem ao pensamento de que o consumo traz felicidade e que é nosso dever ser feliz.
“Para ser feliz não precisa muito”, afirma uma clínica que oferece serviços de fertilização e expõe a imagem de uma família sorridente em um momento de descontração com o filho. “Vem ser feliz”, convida uma loja de móveis e eletrodomésticos. “Se saúde traz felicidade, esta é uma criança feliz”, informa uma marca de leite em pó infantil que apresenta a figura de uma criança sorrindo cercada de margaridas[5].
Dessa forma, promete-se a felicidade na vida terrena por meio do consumo. A ideia de felicidade duradoura, contudo, torna-se uma ilusão, visto que o ser humano experimenta ondas de felicidade que duram pouco tempo. Neste contexto, o consumo constitui-se o caminho para a felicidade desde que o ato de comprar e consumir seja renovado constantemente, ad eternum. Trata-se de uma situação paradoxal, pois ao mesmo tempo em que as pessoas buscam a satisfação por meio do consumo, temem encontrá-la, pois significaria o fim da busca e o próprio sentido da vida.
Notas e Referências:
[1] Ressalta-se que o consumo não está, necessariamente, ligado ao dinheiro, visto a existência de mecanismos de compra como o cartão de crédito.
[2] LINDSTROM, Martin. A lógica do consumo: verdades e mentiras sobre por que compramos. Trad. Marcello Lino. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
[3] BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2008.
[4] PORTER, Eduardo. O preço de todas as coisas: por que pagamos o que pagamos. Trad. Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
[5] A campanha publicitária do leite em pó apresentada acima é da década de 70, o que demonstra que a busca pela felicidade por meio do consumo é um recurso utilizado pela publicidade há muitos anos.
Imagem Ilustrativa do Post: Happiness is... // Foto de: Mac McCreery // Sem alterações
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