Existem momentos na vida das pessoas e na história de uma sociedade que são únicos e inesquecíveis! Na história brasileira, um fato que marcou muito a vida da sociedade brasileira foi aquele que envolveu uma canção escrita e interpretada pelo paraibano Geraldo Vandré no Festival Internacional da Canção de 1968.
A música “Pra não dizer que não falei das flores” tratava-se de um clara manifestação contra o regime militar, sendo que, justamente por isto, foi preterida no julgamento final, não ganhando o Festival, o que gerou a revolta do público presente, que se manifestou fortemente contra o resultado.
Estes e outros motivos terminaram por fazer com que esta música se tornasse o hino de resistência civil e estudantil ao regime militar, que censurou e proibiu a sua execução durantes anos.
A sua letra falava de temas muito importantes, especialmente para aquela época, como a igualdade social, a necessidade de união do povo, da triste realidade de má distribuição de recursos e rendas, da alienação social, do imobilismo social, dentre outros.
Por outro lado, de forma muito clara, a canção revela o descontentamento do autor paraibano com aqueles que entendiam ser possível se contrapor ao regime militar somente com discursos, evitando algum tipo de ação mais efetiva e contundente.
Assim, a música deixa a sua mensagem direta de que, contra o regime e as armas dos militares, era preciso mais do que as flores dos discursos sociais acomodados, chamando a sociedade para uma caminhada de resistência e de transformação daquela realidade por meio de ações e atitudes mais concretas.
Mas, que a história de um festival internacional conturbado, de um compositor paraibano indignado e de uma canção popular censurada tem a ver com o tema da persecução penal? Na verdade, tudo.
A letra passa por dois temas que nos devem ser caros: a união e a atitude. Uma simples atitude é capaz de mudar a realidade e construir um projeto, um ideal, ou, ainda, iniciar uma caminhada para um esboço daquilo que a realidade poderia (ou deveria!) ser. Antes de tudo, acreditamos na mudança, na possibilidade de crescimento do diálogo entre as instituições, de que existem pequenos - mas importantes - passos que podem ser dados em prol desse objetivo.
Falamos aqui da relação entre Polícia Judiciária e Ministério Público, seja a nível federal, seja a nível estadual. Acreditamos na união, no diálogo e na atitude como a base para a caminhada entre as instituições.
Tudo começa pelo conhecimento. Conhecer o outro, seja como pessoa, seja em sua função, para saber exatamente os limites e as possibilidades do trabalho a ser desempenhado. Isso possibilitaria um primeiro passo de trabalho conjunto dentro da realidade que circunda cada uma das profissões. Trabalhar pensando no outro, uma proposta para além de cada profissão, visando um bem comum.
Em seguida, tem-se a necessidade de uma construção conjunta, dialogada e argumentativa da persecução penal. Devemos superar os monólogos institucionalizados e colocados como verdades absolutas de atuação na investigação criminal ou na ação penal. Como experiência exitosa, citamos aquelas vividas pelas forças tarefas do Ministério Público do Espírito Santo e da Polícia Civil do Espírito Santo no cumprimento da meta 2 ENASP.[1]
Diante do enorme desafio apresentado para a investigação de milhares de crimes investigados, criou-se uma padronização para conseguir desempenar as respectivas funções institucionais. Para tanto, diversas reuniões foram realizadas entre Delegados de Polícia e Promotores de Justiça que, desincumbidos de qualquer sentimento menor de vaidade, procuraram auxílio mútuo para suprir dificuldades do Ministério Público e da Polícia Civil, envolvendo diálogo com as Chefias Institucionais, com construção de procedimentos que desburocratizaram práticas existentes nas duas instituições.
Chega-se, com isso ao terceiro ponto. A realização de visitas e encontros periódicos mostra-se como importante atitude a fim de manter o diálogo e majorar a realização de projetos conjuntos, potencializando a investigação criminal a partir de uma construção mútua de atuação conjunta, tal como ocorreu no caso acima.
Após, dentro de uma integração já construída, ambos devem buscar uma estruturação conjunta de condições materiais e humanas mínimas para realização de trabalhos investigativos. Estruturação da Delegacia de Polícia ou do Ministério Público com parcerias locais e, inclusive, acionamento do Poder Judiciário, se necessário.
Também dentro do contexto do caso apresentado, tem-se o quinto ponto. Buscar o desenvolvimento de soluções conjuntas que desburocratizem os entraves dos procedimentos investigativos. Um passo interessante consiste em assentar entendimentos prévios acerca de pontos envolvendo a produção de determinadas provas ou trâmites de procedimentos, padronizando os trabalhos.
Por fim, estabelecer metas, objetivos e ações capazes de fazer dialogar a investigação criminal com a persecução penal, buscando uma finalidade maior no local onde estão localizados, a fim de combater determinado tipo de crime ou determinado grupo de pessoas. Afinal, ninguém trabalha sozinho!
Esses são somente alguns passos iniciais, na medida em que muitas outras questões podem ser levantadas. Construir e manter um diálogo constituem os grandes desafios não só entre Polícia Judiciária e Ministério Público, como, também, num contexto mais amplo, entre esses órgãos, a Polícia Militar e o Poder Judiciário.
E, assim, vamos seguindo com a canção, propondo um projeto, um ideal, um mero esboço daquilo que a realidade poderia ser. Utopia? Talvez! Acontece que a construção de pontes requer, acima de tudo, atitude. Como dizia o poeta...
Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer
Notas e Referências:
[1] SOUSA, Pedro Ivo de. Investigação Criminal no Estado Constitucional: reflexões sobre um novo paradigma investigatório. In: ZANOTTI, Bruno Taufner; SANTOS, Cleopas Isaías (Coords.). Temas Avançados de Polícia Judiciária. Bahia: Juspodivm, 2015, p. 35-74.
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