Constitucionalismo Multinível e a Proteção dos Direitos Humanos na Constituição Brasileira 35 anos após

17/10/2023

Em um movimento dialético de possíveis avanços e retrocessos em uma história não linear, o período pós-guerra, em contraste com o que ocorreu antes e durante o conflito, levou à reconstrução e à reafirmação dos direitos humanos nos níveis nacional e internacional. A partir de então inaugura-se a concepção contemporânea da proteção dos direitos humanos, marcada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, e com ela, o contínuo processo de internacionalização dos direitos humanos até os dias atuais.

Esse arquétipo protetor destaca a universalidade e a indivisibilidade desses direitos em resposta aos massacres e atrocidades cometidos. Assim, seja ao estabelecer a ideia de que os direitos humanos são universais porque decorrem da condição humana, seja ao incluir direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais em seu catálogo, a Declaração de 1948 define a proteção contemporânea dos direitos humanos na ordem internacional.

No contexto brasileiro, a Constituição de 1988 desempenha um papel fundamental na proteção dos direitos humanos, uma vez que estabeleceu um conjunto abrangente de garantias e direitos fundamentais com o objetivo de promover a igualdade, a liberdade e a dignidade de todos e todas.

A Constituição Brasileira de 1988 é um marco importante na proteção dos direitos humanos no país. Ela estabeleceu um conjunto abrangente de garantias e direitos fundamentais, com o objetivo de promover a igualdade, a liberdade e a dignidade de todos os cidadãos.

Nesse contexto, o conceito de constitucionalismo multinível desempenha um papel fundamental na interpretação e na aplicação desses direitos. O constitucionalismo multinível tem como base a ideia de que a proteção dos direitos humanos não é exclusivamente uma questão interna dos Estados, mas também envolve diálogo e cooperação entre diferentes níveis de proteção, como o constitucionalismo local, regional e global.

Na Constituição Brasileira, essa perspectiva fica evidente em diversas disposições que estabelecem a interação entre o direito nacional e as normas internacionais de direitos humanos: Primeiramente, a Constituição Brasileira incorporou em seu texto tratados e convenções internacionais de direitos humanos, conferindo a eles status constitucional. Isso significa que as normas internacionais de direitos humanos têm força de lei no Brasil e devem ser interpretadas e aplicadas pela Constituição. Essa abordagem fortalece a proteção dos direitos humanos, permitindo que indivíduos e grupos recorram tanto a órgãos nacionais quanto a órgãos internacionais em caso de violações.

Além disso, o constitucionalismo multinível também se manifesta nas decisões dos tribunais brasileiros, especialmente no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do exercício do que é conhecido como controle de convencionalidade. O STF adotou uma postura ativa na promoção e na defesa dos direitos humanos, utilizando tanto o arcabouço constitucional nacional quanto os instrumentos internacionais de direitos humanos como parâmetros para interpretação. Isso resultou em avanços significativos na proteção de direitos, como igualdade de gênero, direitos LGBT+, direitos indígenas e outras questões sensíveis.

Outro exemplo importante de constitucionalismo multinível na Constituição Brasileira é a abertura e o diálogo com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Indivíduos e grupos prejudicados por violações de direitos humanos podem buscar proteção e reparação perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Estes órgãos têm jurisdição sobre o Brasil, e suas decisões têm sido reconhecidas e cumpridas pelo Estado brasileiro, contribuindo para a eficaz aplicação dos direitos humanos.

O constitucionalismo multinível também se reflete na relação entre os poderes Legislativo e Executivo. O Congresso Nacional tem o papel de aprovar leis que estejam em conformidade com a Constituição e com tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil. O Executivo, por sua vez, deve implementar políticas públicas e medidas que garantam a efetividade dos direitos humanos e cumpram as determinações de órgãos internacionais. Esse diálogo entre os poderes governamentais é essencial para promover a proteção e o respeito pelos direitos humanos em todas as esferas do Estado. No entanto, apesar dos avanços e da importância do constitucionalismo multinível na proteção dos direitos humanos na Constituição Brasileira, desafios persistem. A implementação eficaz de políticas públicas, a redução das desigualdades sociais, a garantia de acesso à justiça para todos e a superação de preconceitos e discriminação são algumas das questões que exigem esforços contínuos.

A Constituição de 1988 serve como ponto de referência e base para a construção de uma nova ordem pública alinhada com os desafios e demandas atuais, fornecendo bases legais sólidas para a promoção dos direitos humanos e a consolidação da democracia. Este novo espaço público, incorporado pela Constituição de 1988, destaca a importância do multinível constitucionalismo para a proteção abrangente dos direitos humanos, com base na interação mútua, responsabilidade e cooperação, contribuindo para o fortalecimento da proteção dos direitos humanos nos níveis local, nacional e global. Somente através desse diálogo contínuo e construtivo podemos avançar na garantia de uma sociedade mais justa, inclusiva e respeitosa aos direitos fundamentais de todos os indivíduos.

A busca por uma nova ordem pública baseada nos direitos humanos requer um robusto diálogo interno e internacional sobre direitos humanos. A promoção e a proteção dos direitos fundamentais são preocupações universais que transcendem as fronteiras nacionais, exigindo uma abordagem colaborativa e cooperativa entre os estados e atores internacionais.

O direito interno e o direito internacional dos direitos humanos acabam mutuamente impactando um ao outro, e a partir dessa catarse emerge uma nova ordem internacional e um novo direito público estadual, como delineado acima. A Constituição imprimiu seu caráter constitucional nas normas internacionais de direitos humanos e promoveu uma mudança axiológica humanística. Esse caminho não apenas ampliou o bloco constitucional, mas também permitiu a oxigenação do texto constitucional por meio da adoção de uma cláusula de abertura (Art. 5, § 2) que constantemente renova o sistema. Este parágrafo serve como uma cláusula de abertura - um canal de comunicação que incorpora o direito internacional dos direitos humanos ao sistema constitucional por meio de um diálogo frutífero.

 

Falar sobre diálogo já não é mais uma novidade. É uma condição imposta pelo estado atual do direito constitucional e do direito internacional dos direitos humanos. O fortalecimento de um discurso coeso, mas plural, contribui para a proteção (i) do sistema internacional de um lado e (ii) dos sistemas nacionais do outro, à medida que se reforçam mutuamente em prol do princípio pro persona.

No nosso caso, não se trata apenas de uma faculdade, mas de um dever estabelecido por mandato constitucional e normas internacionais de direitos humanos das quais o Estado Brasileiro é parte. Um discurso continental unificado é muito mais forte e oferece maior segurança às vítimas, que são a razão de ser e a força motriz por trás da transformação dos sistemas constitucionais em prol da proteção dos direitos humanos.

Em última análise, o constitucionalismo multinível no Brasil permite uma abordagem abrangente e aberta à proteção dos direitos humanos. A interação entre o direito nacional e o direito internacional, o papel do STF, o acesso ao Sistema Interamericano e o diálogo entre os poderes do Estado são elementos-chave nessa perspectiva. A proteção dos direitos humanos é um objetivo fundamental para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, e requer o comprometimento de todos os atores envolvidos, desde os poderes do governo até a sociedade civil, para garantir a plena realização desses direitos.

 

Imagem Ilustrativa do Post: BUCK // Foto de:  // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/robin-schmitt/28868330977

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura