Considerações sobre o §2º do artigo 28 da Lei 11.343/06

22/07/2016

Por Wanessa Assunção Ramos - 22/07/2016

Com a promulgação da Lei 11.343 em 23 de agosto de 2006, qual dispõe sobre as substâncias entorpecentes no território brasileiro, o Brasil adotou como política criminal de drogas o sistema chamado de Justiça Terapêutica.

Uma das principais características dessa ideologia é a diferenciação entre o usuário de drogas e o traficante, possuindo um tratamento diferenciado para ambos, conforme dispõe o artigo 28 e 33 do referido diploma legal:

Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I - advertência sobre os efeitos das drogas;

II - prestação de serviços à comunidade;

III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

§ 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

§ 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

§ 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I - admoestação verbal;

II - multa.

§ 7º O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado. 

Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

§ 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

§ 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Entre tantas considerações sobre tal legislatura, atrai-se atenção ao §2º do artigo 28, acima colacionado. Este dispõe sobre um “algoritmo” que deve ser utilizado pelo magistrado para determinar se a substância entorpecente era destinada ao consumo pessoal ou ao tráfico ilícito de drogas, definindo a tipificação legal dada ao ocorrido e a destinação dada ao infrator.

Passa-se a uma breve análise de alguns preceitos trazidos por essa disposição legal:

1. ASPECTOS SUBJETIVOS OBJETIVOS

A natureza e quantidade de substâncias ilícitas encontradas com o agente ativo devem ser analisadas para que possa se delimitar o enquadramento jurídico que será dado.

Não consta da lei uma quantidade exata ou quais drogas podem ser consideradas mais “perigosas” para que o infrator seja tipificado no delito de tráfico de drogas. Tal ponto pode ser considerado uma armadilha, visto que existem diferentes pontos de vista, atingindo pontos subjetivos, mas há quantidades e algumas substâncias ilícitas que são mais toleráveis na sociedade brasileira.

A maior parte das pessoas concorda que é diferente uma pessoa trazer consigo um grama da substância entorpecente conhecida popularmente como “maconha” do que uma pessoa trazer quilos e quilos da substância entorpecente conhecida popularmente como “cocaína”.

Tal ponto, apesar de extremamente polêmico, não vai ser o foco de tal artigo, visto que tal discussão possui alguns pontos objetivos que não se discorda.

2. DA ABORDAGEM POLICIAL E A DETERMINAÇÃO DO LOCAL E CIRCUNSTÂNCIAS DO ATO COMETIDO.

Uma primeira análise da formulação indicada pela legislação será feita pela autoridade policial que está presenciando o ato ilícito cometido por alguém, analisando o local e as circunstâncias em que o fato ocorreu. Dependerá da autoridade se o infrator terá seu nome registrado em um Termo Circunstanciado ou em um Inquérito Policial[1].

Deve-se levar em conta a vivência, o treinamento, o bom senso, enfim, a confiança em que a sociedade deposita nas autoridades policiais para crer-se que a inserção da tipificação legal dada ao fato ocorrido foi correta.

Todos sabem o tratamento dado nos Juizados Especiais Criminais e o tratamento dado aos ditos “traficantes” na Justiça Comum. Todos querem gozar dos benefícios trazidos pelos delitos de menor potencial ofensivo e não serem destinados a responder por um tempo razoável pelo crime de tráfico de drogas e tudo depende da inserção feita pela autoridade policial.

Diz-se que depende da autoridade policial porque, como diz o renomado doutrinador Aury Lopes Junior, “alguma doutrina aponta que os atos do inquérito policial valem até prova em contrário, estabelecendo uma presunção de veracidade não prevista em lei”[2], ou seja, para conseguir reverter algo dito pelas autoridades policiais, algo muito relevante deve ser apresentado ao magistrado.

Apesar do art. 155 do Código de Processo Penal[3] afirmar que uma sentença não pode se basear exclusivamente nas provas obtidas em investigação preliminar há uma contaminação do julgador com as palavras proferidas pelas autoridades policiais, quais possuem fé-pública, e entram em confronto com as palavras de um cidadão qualquer que acaba de cometer um ato ilícito.

Acredita-se que todos devem cumprir os papéis a que foram destinados, a autoridade policial resguardando a credibilidade social associada ao seu cargo e ao magistrado a crença em uma “justiça” livre de vícios, podendo acreditar cegamente em seus atos, assim como a dama da justiça[4].

3. DA PUNIÇÃO PELO DIREITO PENAL DO AUTOR

O parágrafo em análise dita que o magistrado deverá ter a conclusão deste “algoritmo” com a somatória da natureza e quantidade de drogas encontradas com o agente ativo, o local e circunstância em que a ação foi praticada e às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

Percebe-se que contrariando as garantias trazidas pelo Princípio da Culpabilidade, como a responsabilidade individual, pessoal e subjetiva, não pune-se o agente somente pelo fato ilícito que ele produziu há pouco, mas sim como uma culpabilidade pelo modo de vida[5].

É inadmissível em um Estado de Direito que punições ocorram por um Direito Penal do autor onde o caráter, conduta ou o passado do cidadão é analisado como meio de prova.

Não pode-se aceitar uma punibilidade por “delito da acumulação”[6], onde por pequenos “escapes” o infrator será condicionado a responder por algo muito maior. Tal punibilidade é justificada perante o risco da ausência de repressão, mas percebe-se que o atual sistema de repressão não tem suas qualidades ressaltadas diante de seus defeitos, assim como poucas de suas finalidades são atingidas.

Não iremos tratar das soluções que podem ser trazidas para sociedade melhorar a convivência com as substâncias entorpecentes, mas não é plausível que alguém seja punido por não ter instrução escolar, endereço fixo, falta de emprego, enfim, características que separam um sujeito a ser considerado usuário de drogas ou traficante de drogas.

Conclui-se que tal dispositivo legal (§2º, do art. 28, da Lei 11.343/06) deve ser utilizado com extrema responsabilidade pela autoridade policial, qual possui o primeiro contato com a lei e com sua transposição, pelo Ministério Público, para que corrija sua aplicação sempre que necessário, e pelo magistrado, para que aplique a disposição penal de maneira coerente, de acordo com os preceitos constitucionais e morais encontrados em nosso sistema penal.


Notas e Referências:

[1] A competência do art. 28 é do Juizado Especial Criminal, possuindo todos os benefícios da Lei 9.099/95 e tendo início com um Termo Circunstanciado, diferentemente do art. 33, qual é de Competência da Justiça Comum, possuindo um tratamento mais severo e iniciando com um Inquérito Policial.

[2] LOPES JUNIOR, Aury. DIREITO PROCESSUAL PENAL. 12ed. São Paulo: Saraiva – p. 154.

[3] O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

[4] Deusa grega Têmis, qual normalmente é retratada com os olhos vendados.

[5] ZUGALDÍA ESPINAR, José Miguel.

[6] BUSATO, Paulo César. DIREITO PENAL: PARTE GERAL. São Paulo : Atlas, 2013.


Wanessa Assunção Ramos. . Wanessa Assunção Ramos é acadêmica de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e estagiária do Ministério Público do Estado do Paraná - "Casa da Mulher Brasileira".. .


Imagem Ilustrativa do Post: Kip Soep // Foto de: Drug // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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