Coordenador: Gilberto Bruschi
Em 07.07.2017 foi publicada a Lei 13.463, que estabelece a possibilidade de cancelamento de precatórios e RPV – Requisições de Pequeno Valor federais.
A norma em tela traz algumas importantes inovações que devem ser analisadas com cuidado.
Em primeiro lugar destaque-se que a referida lei só se aplica a precatórios e RPV’s federais, sem aplicação a precatórios e obrigações de pequeno valor de Estados, Distritos Federais e Municípios.
A norma estabelece que a gestão dos recursos destinados aos pagamentos decorrentes de precatórios e RPV’s federais será realizada pelo Poder Judiciário, mas a operacionalização da gestão dos recursos ficará a cabo de instituições financeiras integrantes da administração pública federal (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal), que serão contratadas mediante dispensa de licitação (art. 1º).
O art. 1º, p. único, dispõe que os valores correspondentes à remuneração das disponibilidades dos recursos depositados, descontada a remuneração legal devida ao beneficiário do precatório ou da RPV, constituirão receita e deverão ser recolhidos em favor do Poder Judiciário, o qual poderá destinar até 10% (dez por cento) do total para o pagamento de perícias realizadas em ação popular.
O art. 2º da Lei 13.463/17 prevê sua regra mais importante e polemica. Dispõe que ficam cancelados os precatórios e as RPV federais já expedidos e cujos valores não tenham sido levantados pelo credor e estejam depositados há mais de dois anos em instituição financeira oficial.
O referido cancelamento será operacionalizado mensalmente pela instituição financeira oficial depositária, mediante a transferência dos valores depositados para o Tesouro Nacional (art. 2º, § 1º). O cancelamento será comunicado ao Presidente do Tribunal respectivo (art. 2º, § 3º), que comunicará o fato ao juízo da execução e, este, por sua vez, notificará o credor (art. 2º, § 4º).
Dispõe o art. 3º da Lei 13.463/17 que o precatório ou a RPV cancelados poderão ser expedidos novamente, a requerimento do credor, mantida inclusive a ordem cronológica do requisitório anterior e a remuneração correspondente a todo o período.
A comentada Lei entrou em vigor na data de sua publicação, isto é, em 07.07.2017 (art. 5º).
Vários apontamentos devem ser feitos ao novo diploma legal.
Em primeiro lugar, vislumbra-se a necessidade de regulamentação de certos aspectos da Lei 13.463/17, a qual deve vir por obra do CNJ – Conselho Nacional de Justiça ou pelo CJF – Conselho da Justiça Federal.
Quanto ao mérito e constitucionalidade da mesma, algumas preocupações surgem de plano.
Cremos que a própria possibilidade de cancelamento de um precatório ou RPV, pelo simples fato de não ter sido levantado no prazo de 2 anos é inconstitucional.
O art. 100 da Constituição Federal estabelece uma forma específica de pagamento das dívidas da Fazenda Pública. E disciplina, dessa forma, que o pagamento não se dará de imediato, mas através dos procedimentos de precatório e RPV. A despeito de inúmeras críticas que são tecidas quanto a isso, nada se pode falar, pois há expressa previsão normativa.
Mas o artigo 100, da Constituição Federal, não prevê em nenhum momento que os precatórios ou requisitórios possam ser cancelados, ainda mais pelo motivo fútil do simples decurso de tempo.
Os precatórios e mesmo os requisitórios constituem, por si mesmos, violação à dignidade da pessoa humana, pois configura atraso no acesso aos direitos discutidos judicialmente. Permitir-se, além disso, o cancelamento por mero decurso de tempo extrapola os termos do art. 100 do Texto Magno.
Em relação ao art. 3º, que dispõe que o precatório ou RPV cancelados poderão ser expedidos novamente, mantida inclusive a ordem cronológica anterior, questiona-se se ocorrerá, conforme o caso, pagamento imediato ou breve, ou se o novo RPV ou precatório deverá seguir toda a tramitação necessária e exigida pelo art. 100 da Constituição.
Um hipótese muito frequente em que os precatórios ou requisitórios poderão ser cancelados reside nas ações previdenciárias, onde os segurados são muitas vezes idosos, e chegam a falecer antes de verem seus direitos fundamentais assegurados.
Aqui, verifica-se clara incompatibilidade da Lei 13.463/17, que extrapola o artigo 100 da Constituição Federal, vez que impõe um ônus desproporcional e irrazoável àqueles que já passaram pela via crúcis da expedição dos precatórios e requisitórios.
Quanto à discussão de legalidade, verifica-se que a possibilidade dos precatórios e RPV’s voltarem ao Tesouro Nacional, sem que sejam destinados aos sucessores/herdeiros do beneficiário também geram inconsistência com todas as normas relativas ao Direito das Sucessões.
No que concerne à remuneração correspondente a todo o período, destacamos a necessidade de perfeita observância da Súmula Vinculante 17, que estabelece a forma de incidência dos juros e correção monetária nos precatórios e RPV’s, dotada do seguinte teor:
“Durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos.”
O autoritarismo e desrespeito ao Estado de Direito pode ocorrer também pela perspectiva processual. A lei aqui comentada nos impõe importantes reflexões e atuação firme em defesa da Constituição.
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