Na Coluna Empório do Direito temos enfrentado com muita frequência temas desafiantes, muitas vezes com regulação ineficiente e desagregadora. Em artigo publicado em 31/08/2017 comentamos sobre os cuidados que o empresário deverá ter com os atos constitutivos para que obtenha o retorno desejável do seu negócio.
Além disso, em inúmeras outras oportunidades tratamos dos contratos interempresariais com foco no princípio da autonomia privada, como é o caso dos contratos em shopping centes (artigo publicado nesta coluna em 14/09/2017), os contratos de locação built to suit (artigo publicado em 21/12/2017) e os contratos de colaboração empresarial (artigo publicado em 01/02/2018), entre outros.
O tema em voga é igualmente intrigante ao nascer do mercado e para o mercado, onde a regulação, na medida em que avança, deverá prestigiar a autonomia privada, pois uma intromissão desmedida do Estado neste tipo de relação entre particulares poderá afetar o segmento e desmotivar o investimento, em prejuízo do desenvolvimento do País.
De acordo com o Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil[1], em estudo apresentado no mês de outubro de 2017, as projeções de crescimento do setor para o ano de 2018 e 2019 são positivas. Para 2018, o estudo indicou um aumento na taxa de ocupação de 2,8%, isto é, um acréscimo de 1,2% quando comparado com o ano de 2017. Já o preço da diária média terá um crescimento de 7,2%, saindo de um patamar negativo de (-) 4,2%, em 2017, para 3,0%, em 2018.
Na esteira dos ótimos indicadores apresentados no FOHB, surge como alternativa para investidores os CONDOHOTEIS, cuja análise da arquitetura jurídica e da regulamentação pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM) é o principal objeto do presente texto.
Basicamente, o projeto de um CONDOHOTEL une 4 (quatro) personagens distintos, sendo que cada um deles desempenha um papel específico na origem e no decorrer do funcionamento do empreendimento. O primeiro sujeito é o incorporador, que fica responsável por buscar na região em que há um potencial hoteleiro o imóvel no qual será construído o hotel. É ele, também, que construirá e venderá as unidades autônomas.
Aliás, como este tipo de negócio envolve a alienação de unidades autônomas, torna-se obrigatória a observância das regras previstas na Lei n.º 4.591/64, especialmente no que tange ao prévio arquivamento do memorial de incorporação imobiliária junto ao respectivo registro de imóveis. Destaque-se que o desrespeito a esta regra consubstancia-se, em tese, numa “contravenção relativa à economia popular”, nos termos do art. 62, inciso I, do aludido diploma legal.
Importa destacar que, ao registrar o memorial de incorporação, será facultado ao incorporador constituir o patrimônio de afetação (Art. 31-A da Lei 4.591/64), de modo que permitirá a ele beneficiar-se do Regime Especial de Tributação (RTE)[2] .
Um segundo personagem é o adquirente. Seu papel reside praticamente em pagar o preço pela aquisição de uma unidade imobiliária autônoma – o quarto/apartamento do hotel – e destiná-la para a atividade hoteleira que será desenvolvida. Perceba: trata-se de uma aquisição com cláusula de destinação exclusiva. Nesta perspectiva, um cuidado que deverá tomar o incorporador é de fazer constar no compromisso de compra e venda a expressa obrigação de o adquirente destinar a sua unidade exclusivamente ao hotel, devendo prever, para o caso de desrespeito do compromisso, não apenas uma penalidade pecuniária suficientemente apta para desestimular o inadimplemento, mas, igualmente, carregar a previsão de rescisão contratual em decorrência da quebra do objetivo principal do negócio.
E qual é o benefício do adquirente ao destinar sua unidade para o hotel? Seu benefício decorre da participação nos lucros da atividade hoteleira, portanto, com vantagens tributárias em decorrência dessa atividade e da forma de divisão da receita. Para que a engrenagem funcione adequadamente, deve-se constituir uma sociedade em conta de participação (SCP) com a operadora do hotel, terceira personagem, que possui o direito de uso da marca, geralmente, de uma bandeira internacional, quarta personagem. Trabalhamos com essa hipótese, sem desprezar outras estruturas jurídicas possíveis de idealizar, ressalvando-se a necessidade de pautar os custos de transação e os riscos decorrentes de cada escolha.
Destaque-se que a operadora figurará como sócia ostensiva da SCP. Portanto é ela que estará à frente da atividade hoteleira. Em vista disto, é essencial que todas as relações com terceiros, tais como: empregados, fornecedores e hóspedes sejam firmadas em nome da sócia ostensiva, sob pena de ser desconsiderada a estruturação societária da SCP e tributar-se a remuneração dos sócios, inclusive imposto de renda.
Além disso, deve-se ter o cuidado de que as apurações de lucros sejam efetivas, mediante demonstrações financeiras que contabilizem as receitas e despesas do empreendimento hoteleiro. Caso contrário, também poderá ocorrer a tributação da remuneração dos sócios, uma vez que esta não é considerada lucro.
Outro aspecto que ganha relevo é o fato de que as vendas de unidades se dão por meio de oferta pública e participação coletiva de um negócio, com futuro aferimento de resultados, lucro ou prejuízo. Diante disto, a Comissão de Valores Mobiliários, autarquia responsável por regular o mercado de investimento em ativos mobiliários no Brasil, entendeu que a relação jurídica estabelecida para formação de um CONDOHOTEL tratar-se-ia de um contrato de investimento coletivo (CIC). Assim, com base no art. 2º, inciso IX e no art. 19, ambos da Lei n.º 6.385/1976, bem como na Instrução CVM n.º 400, em 2013, a CVM apontou que passaria a registrar e a regular o mercado de CONDOHOTÉIS[3].
Tal fato gerou uma série de incertezas no mercado, em especial no que tange à própria competência da CVM para atuar em negócios cuja base é imobiliária e, ainda, se seriam aplicadas as rigorosas exigências para, por exemplo, abertura de capital. Porém, no ano de 2015, a CVM publicou a Deliberação n.º 734/2015[4], que veio, ao menos em tese, acalmar o ramo hoteleiro. Isso porque, com a nova regulamentação, os CONDOHOTÉIS, embora sujeitos a uma prévia análise por parte da CVM acerca dos requisitos elencados nos itens III e IV da aludida deliberação, teriam ficado dispensados de cumprir as rigorosas regras vinculadas ao mercado financeiro[5].
Dentre as principais regras trazidas pela Deliberação n.º 734/2015[6] pode-se citar a necessidade de o empreendedor apresentar um prospecto resumido do empreendimento e um estudo de viabilidade econômica. Porém, a regra que gerou, e ainda gera, maior polêmica é a que prevê um investimento mínimo por partes dos adquirentes. Veja-se:
DELIBERAÇÃO CVM Nº 734, DE 17 DE MARÇO DE 2015.
III – podem ser objeto das dispensas relacionadas no inciso II acima as ofertas de CIC envolvendo esforços de venda de: a) unidades imobiliárias autônomas destinadas exclusivamente a investidores que possuam ao menos R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) de patrimônio ou invistam ao menos R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) na oferta; b) partes ideais de condomínios gerais destinadas exclusivamente a investidores qualificados conforme definição dada pela CVM e, ainda, que possuam ao menos R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) de patrimônio ou invistam ao menos R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) na oferta.
Obviamente que, ao restringir possíveis adquirentes a investidores que possuam um patrimônio mínimo de R$ 1.000.000,00 ou que invistam pelo menos R$ 300.000,00, a CVM limita de forma substancial o universo de possíveis negócios no formato CONDOHOTEL, tornando, muitas vezes, inviável o empreendimento.
Entretanto, em regiões onde seja identificado um potencial econômico para suprir o requisito de patrimônio ou investimento mínimo exigido pela CVM, desde que observada a devida arquitetura legal, conforme acima apresentado, entende-se que os CONDOHOTÉIS são – sob a ótica estritamente jurídica e não de mercado – bastante seguros como uma forma de diversificação de investimentos.
Espera-se, por fim, a correta compreensão deste tipo de negócio para que haja adequação do tratamento, não apenas legal, mas jurisdicional, cabendo aos juízes e árbitros dar uma interpretação adequada e eficiente à respectiva estrutura jurídica complexa, preocupando-se com as consequências do conteúdo decisório, diante da repercussão, não apenas para os 4 (quatro) sujeitos da relação contratual, mas para o mercado.
NOTAS
[1] http://fohb.com.br/
[2] Após o famoso caso da falência da Encol, a qual prejudicou inúmeros consumidores em todo o país, sentiu-se a necessidade de estimular a afetação do patrimônio – que nada mais é do que a separação do patrimônio do incorporador com relação ao do empreendimento imobiliário –, criando-se, para tanto, um benefício fiscal denominado RET. Nesta opção, a alíquota máxima de tributação sobre a receita decorrente da venda das unidades será de 4% (1,71% – COFINS + 0,37% – PIS/PASEP + 1,26% – IRPJ + 0,66% – CSLL).
[3] http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2013/20131212-1.html
[4] http://www.cvm.gov.br/legislacao/deliberacoes/deli0700/deli734.html
[5] II – delegar à Superintendência de Registro de Valores Mobiliários a competência para dispensar, observadas as condições previstas nesta Deliberação, os seguintes requisitos estabelecidos nas normas que regulamentam as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários:
- a) registro de oferta pública de distribuição de valores mobiliários de que trata o art. 19 da Lei nº 6.385, de 1976;
- b) registro de emissor de valores mobiliários de que trata o art. 21 da Lei nº 6.385, de 1976;
- c) contratação de instituição intermediária integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários, nos termos do art. 2º, § 3º, inciso III da Lei nº 6.385, de 1976, e art. 3º, § 2º da Instrução CVM nº 400, de 2003; e
- d) cumprimento dos prazos de duração da oferta estabelecidos nos art. 17 e 18 da Instrução CVM nº 400, de 2003;
[6] Em 2016, a redação da Deliberação n.º 734/2015 foi alterada pela Deliberação n.º 752/2016.
Imagem Ilustrativa do Post: Hotel // Foto de: André Lins // Sem alterações
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