Condições para o exercício do direito de ação

14/09/2015

Por Thiago Minagé - 14/09/2015

Pergunta que gera tamanha complexidade para resposta é: Qual a natureza jurídica do processo?

Existem então duas classificações que tomam relevo no contexto atual.

O processo como Relação Jurídica: Obra de BÜLOW[1] – tendo como principal característica a separação definitiva entre o direito material e processual e consolidou a posição do réu como titular de direitos no processo. Dessa forma, para Bülow, o processo é uma relação jurídica, de natureza pública, que se estabelece entre as partes (acusação, defesa e juiz, dando origem a uma reciprocidade de direitos e obrigações processuais.

Reafirma-se que para o processo, representou enorme avanço, eis que rompe com a noção de que o acusado é mero objeto. O réu, portanto, é parte integrante do processo, em igualdade de armas com a acusação e, com tal, possuidor de direitos subjetivos oponíveis a todos os sujeitos processuais. Ocorre que, essa igualdade, acaba por ser expressa apenas formalmente, tendo em vista que, na prática, ao estabelecer obrigações entre os envolvidos no processo, torna possível estabelecer obrigações ao acusado, tais como, ônus da prova, que afronta nitidamente o princípio da presunção de inocência.

O processo como situação jurídica: Para o autor GOLDSCHMIDT[2] – O processo é visto como um conjunto de situações processuais pelas quais as partes caminham até uma sentença definitiva. Entende que os pressupostos processuais de BÜLOW são, na verdade, pressupostos para uma sentença de fundo. - Critica firmemente o viés da inércia e da falsa segurança ínsita a idéia de processo como relação jurídica.  Para esta parte da doutrina o motivo ensejador da discordância ganha relevo também, quando o caráter dinâmico do processo é constatado, ao transformar a certeza própria do direito material (penal) na incerteza da atividade processual (processo penal).

O processo então se apresenta como uma complexa situação jurídica – em movimento -, onde a sucessão de atos vai criando nova situação jurídica, das quais aparecem chances/oportunidades que, se bem aproveitada, permite que a parte se liberte de cargas (probatórias) e caminhe em direção favorável. Mas observem: Não há obrigações, mas cargas processuais, entendidas como a realização de atos para evitar uma sentença desfavorável.

No processo, não é correto falar em vínculos de exigibilidade entre as partes, mas tão somente de cargas processuais, possibilidade, liberação de cargas e chances donde pode resultar posições de vantagens ou desvantagens. O prof. Aury lembra que, no processo penal, carga mesmo só há para a acusação, para a Defesa há assunção de riscos (pela perda da chance probatória).

Necessário entender que, o processo não é aquela certeza de segurança típica da relação jurídica, mas uma nuvem de incerteza, de instabilidade. A expectativa de uma sentença favorável, ou não, está pendente do aproveitamento de chances e liberação de cargas. Assim, constrói-se a visão do processo como guerra/jogo, no sentido de que aquele que lutar/jogar melhor, aproveitando para liberar-se de cargas e diminuir riscos vence. Mas em nenhum caso não há como prever com segurança a decisão do juiz.

Para os adeptos da Teoria da Relação Jurídica, algumas questões, entendidas como desnecessárias no processo penal, principalmente por serem tratadas em âmbito processual civil, devem ser trabalhados para compreensão da Natureza da relação. Os chamados Pressupostos Processuais que ainda classificam-se em pressupostos processuais de existência e ou de validade.

- Pressupostos processuais de existência:

a) Partes: b) Órgão Jurisdicional: c) Demanda:

- Pressupostos processuais de validade:

Positivos:

  • Competência:
  • Capacidade Processual:
  • Capacidade Postulatória:

Negativos:

  • Suspeição ou Impedimento;
  • Litispendência;
  • Coisa Julgada;

Ação Penal – Um direito a ser exercido inerente ao estado, de processar o suporto autor de um fato típico, desde que, este fato, não seja evidentemente lícito ou que o indivíduo a ser processado seja objetivamente punível.

O exame do mérito requer a análise da prova ou da veracidade do que se narra na inicial, gerando um julgamento de mérito, de procedência ou improcedência do pedido. A análise das condições da ação, refere-se a um mero juízo de admissibilidade. Entretanto, inevitável análise do mérito, mesmo que de forma superficial, eis que, inexiste a possibilidade de uma processo ser iniciado, por exemplo, por um fato atípico.

Algumas teorias disputaram a aceitação processual para, então, estabelecerem o que são as denominadas CONDIÇÕES para o exercício do direito de ação.

Condições para o exercício do direito de ação

Antes de precisar o conteúdo de cada condição da ação, segundo as peculiaridades do processo penal, necessária uma abordagem sobre como o tema é tratado pela doutrina.

Neste contexto, para Ada Pellegrini Grinover[3] são condições da ação:

- Possibilidade Jurídica (sentido negativo)[4]:

- Interesse de agir[5]:

- Legitimidade das partes (ativa e passiva)

- Condições de Procedibilidade:

- Representação do Ofendido.

- Requisição do Ministro de Justiça.

- Lançamento tributário em procedimento administrativo.

- Entrada do agente em território nacional.

Para Afrânio da Silva Jardim[6], as condições da ação se agrupam da seguinte forma:

- Legitimidade (ativa e passiva).

- Interesse de agir[7]:

-Pedido Juridicamente Possível:

- Justa Causa:

- Originalidade:

Aqui, insere-se a inexistência de litispendência e coisa julgada. Para a doutrina tradicional, importa em pressuposto processual negativo de validade.

Aury Lopes Jr.[8], por sua vez, fala em:

- Prática de fato aparentemente criminoso (fumus comicci delicti)

- Punibilidade Concreta (não tenha ocorrido causa extintiva da punibilidade)

- Legitimidade das Partes;

- Justa Causa.

Algumas considerações que entendo pertinentes, de forma crítica, claro:

Da possibilidade jurídica do pedido – Essa condição para o exercício do direito de ação, demostra-se completamente inútil. Basicamente, no processo penal, a possibilidade jurídica do pedido é definida em termos positivos, isto é, o pedido será juridicamente possível sempre que, em tese, a conduta imputada ao acusado seja típica. Nesse sentido, identificando a possibilidade jurídica do pedido, com a imputação de uma conduta definida como crime, ou seja, o pedido sempre será a pena prevista para o tipo penal imputado. Assim, questiono: qual pedido por ser formulado, senão a condenação com base na pena prevista no tipo penal?

Interesse de agir: No interesse de agir pode ser traduzido, conforme demonstra Afrânio Silva Jardim em necessidade/utilidade e adequação.

- Necessidade: A satisfação do direito só pode ocorrer com a intervenção do Estado. Será que existe outra forma? Lógico que não! Logo, outra inutilidade.

- Adequação: Relação entre a situação do autor e o provimento jurisdicional pretendido. Óbvio que o processo apresenta como único meio pelo qual uma pena pode ser imposta. Novamente, inutilidade.

- Utilidade: No âmbito do processo penal, desloca-se para o interesse de agir a preocupação com a efetividade do processo, de forma que a jurisdição deve apresentar um juízo prévio, um mínimo de viabilidade de satisfação futura da pretensão que informa o seu conteúdo. Sinceramente: algum processo deve ser iniciado ou conduzido quando seu resultado for ineficaz a título condenatório?

Legitimadade das partes : Premissa básica do Processo Penal onde o direito de punir é do Estado, não com a prática de um crime e sim com o alcance de uma sentença peal condenatória transitada em julgado. Assim, a legitimidade ativa no processo penal pertence ao Ministério Público que exerce pretensão acusatória e não punitiva e, portanto, é atividade privativa do Estado. Qual a necessidade de discussão quanto a este ponto? É parte legitima o MP e ponto!

Justa causa: Registro nesse momento que essa poderia ser a única e necessária condição para o exercício do direito de ação.

Além das conhecidas condições da ação, Afrânio Silva Jardim enumera outra, autônoma, qual seja a justa causa. Tal posicionamento, hoje majoritário e uníssono.  A justa causa passa a constituir a exigência de um suporte probatório mínimo da autoria e materialidade do delito. Isso não significa que o grau probatório que se exige para os dois elementos seja o mesmo.

Nesse sentido, quanto à autoria delitiva não se exige a certeza para a caracterização da justa causa, bastando que os elementos de informação colhidos na fase de investigação preliminar permitam um juízo de probabilidade de que o acusado seja o autor do delito.


Notas e Referências:

[1] BÜLOW, Oskar von. La teoría de las excepciones procesales y los presupuestos procesales. Trad. Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: EJEA, 1964.

[2] GOLDSCHMIDT, James. Derecho procesal civil. Trad. Leonardo Prieto Castro. Buenos Aires: Labor, 1936.

[3] _____. As condições da ação penal, São Paulo: Bushatsky, 1977.

[4] Aqui, a autora inclui a falta de tipicidade e a ausência de justa causa (plausibilidade da acusação – materialidade/autoria).

[5] Inclui-se o: interesse necessidade/adequação/utilidade

[6] JARDIM, Afrânio Silva. Ação penal pública: princípio da obrigatoriedade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

[7] Neste ponto, não descreve com minuciosamente a questão da necessidade/utilidade/adequação.

[8] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.


Sem título-15

Thiago M. Minagé é Doutorando e Mestre em Direito. Professor de Penal da UFRJ/FND. Professor de Processo Penal da EMERJ. Professor de Penal e Processo Penal nos cursos de Pós Graduação da Faculdade Baiana de Direito e ABDConst-Rio. Professor de Penal e Processo Penal na Graduação e Pós Graduação da UNESA. Advogado Criminalista. E-mail: thiagominage@hotmail.com

 

.

 


Imagem Ilustrativa do Post: Forum Romanum // Foto de: senscience // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/senscience/3810614543

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura