Como se livrar dos precatórios, nas cobranças contra a administração pública

04/05/2018

Coluna do IASC

Atualmente, e “desde sempre”, em todo o Brasil, milhares de fornecedores da administração pública, em todas as suas esferas, são penalizados pela inadimplência de pagamentos merecidos, pelo simples fato de que não há nenhuma repressão aos respectivos ordenadores de despesas. 

Neste particular, apesar de não se tratar do foco do presente estudo, pertinente ilustrar que a falta de responsabilização dos ordenadores de despesas pode os estimular não só a perpetuar tais condutas, mas inclusive a “alçar voos” para outras condutas criminosas, como a corrupção passiva, podendo solicitar vantagem indevida para realizar atos de sua obrigação, in casu, o pagamento dos empenhos devidos. 

O fato é que tais inadimplementos persistem, mesmo quando há o integral cumprimento das obrigações contratuais pelos fornecedores, após os devidos processos licitatórios e a emissão dos empenhos deles decorrentes, com a consequente liquidação das notas fiscais. 

Porém mais grave do que não haver qualquer repressão aos ordenadores de despesas que não cumprem com suas obrigações contratuais, o pior de tudo é que os únicos penalizados são os fornecedores que cumpriram com suas obrigações e mesmo assim são forçados a buscar seus créditos junto ao Poder Judiciário, sujeitando-se ao malfadado instituto do precatório.

Neste cenário, o que se se busca até o final deste estudo é demonstrar justamente a falta de obrigatoriedade legal de sujeitar ao instituto do precatório, as cobranças dos créditos previamente empenhados e liquidados. 

E para tal, pertinente colacionar o ensinamento acerca do que se trata o empenho, nas letras de José Mauricio Conti, in verbis

“O empenho pode ser definido como o ato jurídico que exterioriza a vontade de realizar a despesa pública por parte da autoridade administrativa competente, mediante a documentação ou REGISTRO DE UMA RESERVA, que recai sobre as dotações constantes das leis orçamentárias em vigor, gerando a obrigação de pagamento para o Estado[1]

No mesmo sentido, confirmando o entendimento de que uma vez emitidas as notas de empenho, não há como se negar qualquer pagamento, bem prescrevem as lições de Silvio Aparecido Crepadi e Guilherme Simões Crepaldi que seguem: 

“O empenho é o instrumento de que se serve à administração pública para controlar a execução do orçamento. É um instrumento de programação de despesas que dá aos gestores o panorama dos compromissos assumidos e das dotações ainda disponíveis. Ele é prévio (precede à realização da despesa) e cria, para o poder público, a obrigação de pagamento. Constitui também uma garantia para os fornecedores de bens e serviços da administração pública[2]

Em termos similares, também são os ensinamentos de Inaldo Araújo e Daniel Arruda, a saber: 

“O empenho é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento, pendente ou não de implemento de condição (art. 58 da Lei nº 4.320/64). É de fundamental importância para a relação contratual entre o setor governamental e seus fornecedores de bens e serviços. Representa a garantia de que existe o crédito necessário para a liquidação de dívida assumida[3]

E como se não bastasse, demonstrando a unanimidade do ensinamento, acrescenta-se também nova lição de José Maurício Conti, agora nos seguintes termos: 

“Desse modo, por meio da Nota de Empenho emitida, é oferecida a correspondente garantia de que haverá a ‘realização de despesa’, em outras palavras, fica assegurado que haverá o pagamento relativo às aquisições de bens ou serviços por parte da Administração Pública, ou mesmo para fazer frente às obrigações por esta assumidas, não importando se a sua origem é legal ou contratual”[4]

Além disso, o orçamento anual deve sofrer bloqueios de dotação a cada empenho realizado, justamente para garantir a quitação dos pagamentos futuros assumidos. Pensar de forma diversa é quebrar a lógica da existência do orçamento público, que objetiva justamente a realização das despesas previstas e o constante ajuste do mesmo, de acordo com os pagamentos e recebimentos mensais pelos Entes Públicos. 

Assim, inclusive ensina a detalhada Doutrina de Silvio Aparecido Crepaldi: 

“A emissão do empenho abate o seu valor da dotação orçamentária total do programa de trabalhos, tornando a quantia empenhada indisponível para nova aplicação. É uma garantia para o fornecedor ou prestador de serviço contratado pela administração pública de que a parcela referente ao seu contrato foi bloqueada para honrar os compromissos assumidos[5]

Todavia, uma “estratégia” muito utilizada, mas notoriamente ilegal, é a falta de bloqueio de dotação orçamentária a cada empenho realizado, a qual acaba permitindo a “multiplicação” da previsão orçamentária inúmeras vezes, ao livre arbítrio do gestor público, ainda que correndo os riscos determinados pela legislação vigente, uma vez que “o ordenador da despesa, ao autorizar o empenho, fica submetido às responsabilidades civil, penal, administrativa e jurídico-contábil deste ato[6]

Dito isto, dando ainda mais condições para exigência de créditos empenhados, a Doutrina já considera inclusive a possibilidade de sequestro de valores empenhados, a exemplo do que já se lastreia tal pretensão nos estudos consolidados do renomado jurista Luiz Rodrigues Wambier, a saber: 

“Dessa forma, por meio de decisão interlocutória, o Juiz concederá a antecipação dos efeitos da tutela condenatória contra a Fazenda Pública, constituindo para a ré, nesse preciso e exato momento, por exemplo, a obrigação de EMPENHAR QUANTIA CERTA PARA DEPÓSITO (o empenho é ato de administração), o que se constitui, a rigor, em obrigação de fazer, capaz de ensejar a incidência do disposto no art. 461 e seus parágrafos. 

Nessa hipótese, haveria como que uma ‘fusão’, em nome da garantia da efetividade da jurisdição, entre o dispositivo no art. 273 e o disposto no art. 461, de forma que a execução da decisão de antecipação de tutela (a que se poderia chamar, mais apropriadamente, de ordem de cumprimento, ao invés de execução) se constituiria numa hipótese de tutela específica (a de empenhar o valor do depósito e efetuá-lo em seguida). Ou, mais resumidamente, a tutela específica, constituída por força da decisão, consistiria em fazer o depósito da quantia determinada pelo Juiz. O descumprimento da ordem liminar ensejaria a aplicação das ilimitadas possibilidades do parágrafo 5º. do art. 461, INCLUSIVE O SEQÜESTRO DE VALORES ENCONTRADOS EM CONTA BANCÁRIA, por exemplo, para a constituição de depósito à disposição do Juízo que, por sua vez, só PODERIA DEFERIR O LEVANTAMENTO, PARCIAL OU TOTAL, EM FAVOR DO AUTOR, mediante caução idônea (aqui, sim, se aplicaria o disposto no inciso II do art. 588)”[7]

Desta forma, entende-se como clara a obrigação dos ordenadores de despesas quitarem os valores que foram previamente empenhados, sem sujeitar os credores ao instituto dos precatórios, dadas as garantias geradas pelo empenho, o bloqueio de dotação orçamentária e a prévia existência de recursos financeiros para tal. 

Aliás, pertinente destacar que a emissão de empenhos depende justamente da prévia disponibilidade financeira e orçamentária, a qual é inclusive acompanhada e atualizada trimestralmente.

Neste particular, vale a ressalva de que o precatório é o instrumento criado para evitar a falta de previsibilidade de pagamento pelos Entes Públicos. Com isso, eventual “nova despesa”, consolidada até primeiro de julho de determinado ano, poderia ser incluída no orçamento do ano subsequente e devidamente quitada até o final daquele exercício.

Mas para tal, não se pode fazer uma leitura simplista do art. 100, CRFB, a seguir transcrito: 

“Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, EM VIRTUDE DE SENTENÇA JUDICIÁRIA, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim”. 

Assim, igualar todos os pagamentos devidos pelos Entes Públicos e sujeitá-los todos aos precatórios, é estimular a má-gestão da coisa pública, que pode passar a agir com desmandos e sem receio de qualquer responsabilização, eis que via de regra as condenações que determinado “administrador” deveria suportar, acaba “transferindo” para os administradores seguintes, dada a demora na tramitação das ações judiciais e emissão dos precatórios. 

Tanto assim o é que, ao término de cada exercício financeiro, sem que ocorra o pagamento da integralidade dos valores empenhados, os respectivos empenhos são transferidos no orçamento do próximo ano para conta “resto a pagar” ou “despesas de exercício anteriores”, persistindo a sua exigibilidade

Neste particular, acrescenta-se a existência de restrição de quando se tratar de último ano de mandato, período em que não podem ser contraídas e autorizadas despesas que não possam ser integralmente cumpridas dentro do mesmo exercício financeiro,  como bem determina o art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal - LC 101/2000, in verbis

“Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito”. 

Além disto, forçar a submissão de créditos empenhados à emissão de precatório seria o mesmo que lançar contabilmente um mesmo débito por duas vezes, já que o futuro precatório também deverá ser posteriormente lançado no orçamento. 

Assim, é imperioso que os pagamentos de valores já previamente empenhados ocorram independente da emissão de qualquer precatório, justamente porque tais pagamentos não se darão “em virtude de sentença judiciária” (art. 100, CRFB), MAS SIM EM RAZÃO DOS PRÓPRIOS EMPENHOS. 

Por apego ao debate, ilustra-se que, diferente seria, se fosse exigido qualquer acréscimo ao valor empenhado, ou se fosse cobrada qualquer despesa não empenhada. Neste caso, por se tratar de despesa não empenhada e sem qualquer previsão orçamentária, aí sim seria indispensável a sujeição da condenação aos trâmites do precatório, ante a falta de previsão orçamentária, de forma a evitar qualquer surpresa ou desequilíbrio nas contas públicas. 

E para corroborar tal entendimento, colaciona-se o ensinamento que segue, da publicação Revista Consultor Jurídico, a saber: 

“O precatório judicial, por sua vez, tal como previsto na Carta Magna, visa a fazer com que o Estado-devedor INCLUA no seu orçamento verba necessária ao pagamento de seus débitos decorrentes de SENTENÇA judiciária (§ 1º, art. 100, CF/88). 

Essa medida, porém, será desnecessária se o valor do débito já está incluído no orçamento, seja a título próprio ou sob a rubrica de "resto a pagar" ou "despesas de exercícios anteriores". 

Por aí se vê, então, que as obrigações assumidas pelo Estado e que já estão locadas no orçamento, desnecessitam de ordem judicial para sua inclusão no mesmo, sob pena de se incidir no bis in idem. É preciso, então, distinguir o que seja obrigação decorrente de sentença judiciária, mas que já esteja empenhada, daquelas obrigações pecuniárias não empenhadas. 

Dentre as primeiras encontramos as obrigações decorrentes de inadimplemento contratual, por exemplo. Já entre as demais obrigações - as que não empenhadas - podemos citar aquelas decorrentes de ato ilícito, cuja obrigação pecuniária é acertada judicialmente. 

Aqui, então, cumpre dar tratamento diversos nas execuções dessas obrigações. 

(...) 

A rigor, neste caso, permissa venia ou de lege ferenda, não caberia sequer a expedição de precatório, haja vista que a quantia respectiva já foi incluída no orçamento que, no entanto, não foi respeitado. É O CASO, ENTÃO, DE SE ORDENAR O SEQÜESTRO DA VERBA RESERVADA NO ORÇAMENTO PARA PAGAMENTO DA OBRIGAÇÃO PREVISTA NA LEI RESPECTIVA, FAZENDO-SE CUMPRIR, DESSE MODO, SUAS DISPOSIÇÕES IMPERATIVAS[8]

Tanto assim o é, que as dívidas já empenhadas, podem ser livremente pagas pelos Entes Públicos de forma voluntária ou até mesmo mediante eventual procedimento administrativo. Assim, se uma dívida pode ser paga de forma administrativa, não há porque se exigir a submissão de tais créditos às agruras do precatório. 

E com a intenção de demonstrar a possibilidade de quitação voluntária da dívida decorrente do inadimplemento de crédito já empenhado, pertinente trazer parte do voto do Eminente Ministro Teori Albino Zavascki, quando da formulação da Súmula 270, STJ, que trata do cabimento de ação monitória contra a fazenda pública, in verbis

“(...) Nessa fase, a atividade jurisdicional não tem propriamente natureza contenciosa, consistindo, na prática, numa espécie de convocação para que o devedor cumpra sua prestação. Nada impede que tal convocação possa ser feita à FAZENDA, QUE, COMO TODOS OS DEMAIS DEVEDORES, TEM O DEVER DE CUMPRIR SUAS OBRIGAÇÕES ESPONTANEAMENTE, NO PRAZO E NA FORMA DEVIDOS, INDEPENDENTEMENTE DE EXECUÇÃO FORÇADA. Não será a eventual intervenção judicial que eliminará, por si só, a faculdade - que, em verdade, e um dever - da Administração de cumprir suas obrigações espontaneamente, independentemente de precatório (embargos de divergência em recurso especial n. 345.752-mg. publicado na rsstj, a. 6, (29): 103-161, maio 2012) 

E no mesmo Norte, também prescreve o julgado que segue: 

“SERVIDOR DO PODER JUDICIÁRIO - CRÉDITO - EM JULGADO – PAGAMENTO ADMINISTRATIVO – POSSIBILIDADE – DISPENSA DE PRECATÓRIO – VINCULAÇÃO A DISPONIBILIDADE FINANCEIRA. Não ofende a regra constitucional o cumprimento de decisão judicial transitada em julgado que reconheceu o direito dos servidores do Poder Judiciário receber administrativamente o crédito referente à URV, independentemente de precatório. A Administração tem prerrogativa, direito e dever de obedecer à disponibilidade financeira para a formalização do pagamento”. “Por maioria de votos, proveram o recurso, nos termos do voto do 3º vogal, Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, vencidos o Relator e o 14º vogal, reviu o voto o Des. Juvenal Pereira da Silva.”. 

E além de tudo isto, acrescenta-se que está pacificado no ordenamento jurídico brasileiro, a obrigatoriedade do contratante governamental respeitar as normas contratuais por ele formalizadas, bem como que constitui um ato ilegal desatender as obrigações assumidas na avença. Neste sentido afirma Celso Antônio Bandeira de Mello[9], a saber: 

“Ao compor-se consensualmente com um particular contratante, a Administração, assim como adquire direitos, também assume obrigações. Estas, portanto, corresponderão a direitos do contratante, que não podem se desconhecidos ou amesquinhados. É de solar evidência que jamais o Poder Público encontraria alguém disposto a contratar se ficasse ao alvedrio do Estado cumprir ou não o que se estipulou no acordo. {...} Não haveria de supor que o Estado ou suas entidades auxiliares, quando se revelem refratários a atender a direito da contraparte, estejam a exercitar alguma prerrogativa própria ou que desfrutem de posição jurídica especial mitigadora da incorreção de suas condutas. Antes, é de esperar que tais sujeitos, mais que quaisquer outros, se revelem expedidos na obediência ao Direito às obrigações que hajam contraído. O desacato a regras jurídicas não será menos injurídico se provier da Administração” (grifo nosso). 

Nestes termos, diante da prévia existência de empenho e liquidação das notas fiscais de fornecimento, que inclusive permitiriam o pagamento voluntário, se está certo de que o Poder Judiciário, em todas as suas instâncias, deveria determinar o imediato pagamento de quantias devidas pelo Entes Públicos, independente da sujeição ao instituto do precatório, com bem autorizam os fundamentos fáticos e jurídicos até aqui expostos.

NOTAS

[1] CONTI, José Mário. Orçamentos públicos: a Lei 4.320/64 comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 209.

[2] CREPALDI, Silvio Aparecido; CREPALDI, Guilherme Simões. Orçamento público: planejamento, elaboração e controle. São Paulo: Saraiva, p. 121-122.

[3] ARAÚJO, Inaldo; ARRUDA, Daniel. Contabilidade pública: da teoria àprática. São Paulo: Saraiva, p. 106.

[4] CONTI, José Mário. Orçamentos públicos: a Lei 4.320/64 comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 214-215.

[5] CREPALDI, Silvio Aparecido; CREPALDI, Guilherme Simões. Orçamento público: planejamento, elaboração e controle. São Paulo: Saraiva, p. 118.

[6] CREPALDI, Silvio Aparecido; CREPALDI, Guilherme Simões. Orçamento público: planejamento, elaboração e controle. São Paulo: Saraiva, p. 118.

[7] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Antecipação de tutela em face da Fazenda Pública. Disponível em: < http://www.uepg.br/rj/a1v1at14.htm. Acesso em: 30 de junho de 2016.

[8] Revista Consultor Jurídico, de 03 de setembro de 1997.

[9] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. Malheiros: São Paulo, 2004, p. 598.

 

 

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