Comentários ao recente Plano Diretor de Niterói (RJ)[1]

25/02/2019

Coluna Empório Descolonial / Coordenador Márcio Soares Berclaz

Em 29/11/2018 a Câmara Municipal de Niterói (RJ) votou seu novo Plano Diretor Municipal Participativo, que tem como objetivo definir o planejamento urbanístico, pelos próximos 10 anos, do município que há pouco tempo foi considerado como o do quarto metro quadrado mais caro do Brasil[2].

A necessidade de aprovação de um novo Plano Diretor para a “cidade-sorriso” se mostrava urgente, pois o então vigente era de 1992 e foi revisado apenas em 2004. O Plano Diretor tramitou por 2 anos na Câmara de Niterói com a realização de 12 audiências públicas e alguns adiamentos até a ocorrência da votação.

O cronograma apresentado inicialmente pela Câmara previa a realização de apenas 3 audiências públicas na Casa. Foi a pressão de setores da sociedade civil e parlamentares comprometidos com a garantia de um processo participativo que determinou a mudança de 3 para 12 audiências, sendo 11 regionais.

A sessão de votação definitiva começou no dia 28/11/2018 e se estendeu pela madrugada. Fato emblemático que reflete as características de um processo legislativo tumultuado e deficitário do ponto de vista do princípio constitucional das funções sociais da cidade (art. 182, caput, CF) e dos ditames do Estatuto da Cidade quanto à gestão democrática das cidades e de uma efetiva participação popular (art. 2, II, da Lei n. 10.257/2001).

Merece atenção, ainda, o fato de um Projeto de Lei cujo objetivo primordial é orientar a política urbana da cidade ter ido ao plenário sem tramitação prévia e consequente parecer da Comissão de Habitação da Câmara de Vereadores.

Durante a votação, o Plenário permaneceu cheio, com a presença de representantes da sociedade civil, como o Movimento Lagoa Para Sempre, que defendem a preservação ambiental da beira da Lagoa de Itaipu contra o avanço do capital imobiliário, integrantes do Fórum de Luta por Moradia de Niterói, além de pesquisadores como os do Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos – NEPHU, da Universidade Federal Fluminense (UFF).

O novo Plano Diretor foi aprovado por 15 votos a 3, com 392 emendas apresentadas e 178 aprovadas.

Entre as emendas de maior destaque, a Emenda nº 368 previa a proteção integral do entorno da Lagoa de Itaipu e foi rejeitada, com o voto de minerva do Presidente da Câmara, Paulo Bagueira (Partido Solidariedade). Com a rejeição, foi incluída a Emenda nº 392, que limitou a proteção do entorno da Lagoa de Itaipu à criação de um Parque municipal. Esse parque, entretanto, não inclui uma área de mais de 270 mil m2 da Lagoa, sendo permitidas construções nesse espaço para expansão do capital imobiliário. Essa emenda, especificamente, causou uma grande mobilização na votação, principalmente por parte dos representantes do Movimento Lagoa Para Sempre, que se mostraram revoltados com sua aprovação, vez que, apesar das promessas de proteção da Lagoa pela Comissão de Meio Ambiente e Urbanismo da Câmara, isso não foi observado no resultado votação.

Outras pautas importantes dos movimentos de luta por moradia de Niterói foram frustradas. Segundo Regina Bienenstein, coordenadora do NEPHU-UFF e militante na luta por moradia popular em Niterói há mais de 30 anos, áreas significativas, marcadas pela presença de moradias populares, deixaram de ser demarcadas como ZEIS (Zonas de Especial Interesse Social), com destaque para a Ocupação Mama África, assim como outros prédios públicos vazios que não cumprem sua função social. De acordo com Bienenstein, a votação foi uma verdadeira vergonha, resultando no que, nas suas palavras, será a “construção da cidade boa para os negócios e para quem pode pagar!”.

Após a votação, o prefeito Rodrigo Neves[3] (PDT) - que veio a ser preso preventivamente em dezembro de 2018 - comemorou o resultado, destacando que o novo Plano Diretor se mostrava necessário para Niterói, e que o novo documento traz um importante viés de proteção ambiental. Entretanto, parlamentares da oposição destacaram exatamente o contrário, considerando o resultado do processo um sinal da falta de abertura para a participação efetiva da população no planejamento da cidade, e uma demonstração de comprometimento desta gestão com interesses específicos. Pontos cruciais no debate do Plano como a preservação da margem da Lagoa de Itaipu e do topo do Morro do Gragoatá tiveram resultados que contrariaram as expectativas e demandas colocadas por movimentos sociais, e setores da Universidade, e atenderam à necessidade de reserva de terras para o mercado imobiliário.

A participação popular no processo ocorreu ativamente através dos movimentos sociais de luta por moradia e preservação do meio ambiente urbano, com a participação em audiências públicas e discussões sobre a votação do Plano Diretor, como nas reuniões do Fórum de Luta pela Moradia de Niterói, que ocorrem na sede do NEPHU-UFF. Entretanto, no espaço institucional os movimentos populares foram alijados, tendo o processo legislativo ocorrido de forma confusa, desrespeitosa e antidemocrática,  contrariamente aos interesses populares defendidos pelos movimentos durante o processo legislativo de votação do Plano Diretor.   

A partir da análise do cenário da votação do Plano Diretor, um processo legislativo pouco transparente e participativo, e relacionando-o com o contexto político, social e econômico atual de Niterói, a expectativa para os próximos anos é a do desenvolvimento de políticas urbanísticas que continuem a priorizar os interesses do mercado imobiliário em detrimento das necessidades da população niteroiense, que ainda carece de uma adequada política habitacional.

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Notas e Referências

[1] O presente texto é fruto de atividades de pesquisa e extensão universitária, realizadas pelas autoras e pelo autor no âmbito do Projeto "Assessoria jurídica a movimentos sociais para a efetivação do direito à cidade e do direito à moradia", vinculado à Pró-reitoria da Extensão da Universidade Federal Fluminense (PROEX-UFF).

[2] Cf. https://oglobo.globo.com/rio/bairros/quarto-metro-quadrado-mais-caro-do-pais-niteroi-registra-alta-nos-precos-de-imoveis-no-ultimo-ano-13133633

[3] https://oglobo.globo.com/rio/bairros/plano-diretor-de-niteroi-aprovado-na-camara-municipal-23273015

 

Imagem Ilustrativa do Post: architecture 2 // Foto de: Dennis Hill // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/fontplaydotcom/503736220

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