Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto
Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.
Art. 65. Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
Art. 66. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.
O art. 65, caput, do CPP, trata das matérias definidas no processo criminal que não são passíveis de serem rediscutidas no juízo cível. Por mais uma vez, constata-se a preocupação do legislador no sentido de evitar conclusões contraditórias decorrentes dos exames feitos no juízo criminal e no juízo cível.
Convém destacar que o legislador se refere às causas de exclusão da ilicitude previstas no art. 23, I, II e III, do Código Penal, quais sejam, (i) estado de necessidade, (ii) legítima defesa, (iii) estrito cumprimento do dever legal e (iv) exercício regular do direito. Nesses casos, ainda que se reconheça que o réu praticou uma conduta típica, a falta de ilicitude imporá a sua absolvição.
Na verdade, nem toda absolvição inviabiliza o ajuizamento da ação de natureza cível buscando a indenização, mas é preciso levar em conta o fato de não ser possível discutir as circunstâncias fáticas no juízo cível quando o juízo criminal concluiu pela existência de alguma causa de exclusão da ilicitude. Em outras palavras, se o juiz criminal absolveu o réu em razão da presença de alguma causa de exclusão da ilicitude, o ofendido poderá ajuizar o processo cível buscando indenização, mas, para ver a sua pretensão acolhida, deverá fundamentar o seu direito de ser indenizado mesmo diante do fato de o réu ter agido amparado por alguma causa de exclusão da ilicitude. Com isso, evita-se que, diante de um só fato, o juiz criminal reconheça a presença de alguma causa de exclusão da ilicitude e o juízo cível não a reconheça.
O art. 66, caput, do CPP, registra a possibilidade de o ofendido ajuizar um processo cível com pedido indenizatório, mesmo diante da absolvição do réu no processo criminal. Isso é importante porque o art. 386 do CPP apresenta sete fundamentos para a absolvição do réu, quais sejam, (i) estar provada a inexistência do fato, (ii) não haver prova da existência do fato, (iii) não constituir o fato infração penal, (iv) estar provado que o réu não concorreu para a infração penal, (v) não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal. (vi) existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena ou mesmo se houver fundada suspeita sobre sua existência e (vii) não existir prova suficiente para a condenação.
A redação do mencionado artigo apenas impede a ação de natureza cível quando, na sentença criminal, for categoricamente reconhecida a inexistência material do fato, ou seja, quando a absolvição for baseada no art. 386, I, do CPP. Ocorre que o art. 66, caput, do CPP, foi elaborado na época da redação original do art. 386 do CPP, ou seja, antes da mudança promovida pela Lei 11690/08. Após o advento dessa lei, o art. 386, IV, do CPP, também passou a prever como fundamento da absolvição o caso em que estiver provado que o réu não concorreu para a infração penal. No nosso entendimento, o art. 386, I e IV, do CPP, preveem absolvições com pesos equivalentes – estar provada a inexistência do fato e estar provado que o réu não concorreu para a infração –, de modo que em ambas as situações deve incidir a norma do art. 66, caput, do CPP, vedando-se o ingresso no juízo cível. Isso porque seria absurdo se o juiz criminal concluísse que o fato inexistiu ou concluísse que o réu não participou do fato e, ainda assim, o juiz cível concluísse em sentido contrário para condenar o réu ao pagamento de verba indenizatória.
Imagem Ilustrativa do Post: Thomas Quine // Foto de: Lady justice // Sem alterações
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