COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ARTIGOS 63 E 64

05/02/2021

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.

Art. 63.  Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Parágrafo único.  Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso iv do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.              

Art. 64.  Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil.                

Parágrafo único.  Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela.

O art. 63, caput, do CPP, trata da chamada actio civilis ex delicto, ou seja, da ação de natureza cível que pode ser ajuizada como decorrência do fato criminoso. Convém esclarecer, desde já, que existem fatos que geram apenas responsabilidade penal ou civil, mas também existem fatos que geram, ao mesmo, responsabilidade penal e civil. Portanto, é razoável que as duas responsabilidades se comuniquem como forma de facilitar a prestação jurisdicional e como forma de evitar julgamentos contraditórios.

Nessa medida, é fundamental lembrar que o art. 515, VI, do Código de Processo Civil, dispõe que são títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título, dentre outros, a sentença penal condenatória transitada em julgado. Portanto, não se pode falar em título executivo judicial antes da condenação se tornar irrecorrível. Se, por exemplo, o réu foi condenado nas primeira e segunda instâncias e também no Superior Tribunal de Justiça, mas ainda existe qualquer julgamento pendente no Supremo Tribunal Federal, ainda que se trate de embargos de declaração interpostos contra o acórdão condenatório, não tem aplicação o art. 63, caput, do CPP. Apenas o trânsito em julgado da condenação viabiliza o uso do mencionado dispositivo.

Uma vez formado o título executivo judicial consistente na sentença penal condenatória transitada em julgado, cabe ao ofendido, seu representante legal ou herdeiro buscar a sua execução no juízo cível competente. É importante ressaltar que não se discutirá no juízo cível se houve ou não a prática da conduta que ensejou a condenação criminal. Ao contrário, parte-se da certeza de que tal conduta foi praticada, uma vez que o juízo criminal assim entendeu de forma irrecorrível. Entendimento diverso poderia ensejar conclusões contraditórias, com o juízo criminal afirmando a ocorrência da conduta e o juízo cível negando a ocorrência da conduta. Não custa lembrar que o Estado é o responsável pela prestação jurisdicional e que as normas definidoras da competência apenas servem para otimizar a prestação jurisdicional, nada justificando que o mesmo Estado apresente duas conclusões distintas sobre o mesmo fato.

Convém salientar que o art. 515, § 1º, do CPC, dispõe que, no caso de sentença penal condenatória irrecorrível, o devedor será citado no juízo cível para o cumprimento da sentença ou para a liquidação no prazo de 15 (quinze) dias. Além disso, o art. 516, III, do CPC, dispõe que o cumprimento da sentença deve ser realizado perante o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral, de sentença estrangeira ou de acórdão proferido pelo Tribunal Marítimo, sendo certo que o parágrafo único do referido dispositivo esclarece que o exequente poderá optar pelo juízo do atual domicílio do executado, pelo juízo do local onde se encontrem os bens sujeitos à execução ou pelo juízo do local onde deva ser executada a obrigação de fazer ou de não fazer, casos em que a remessa dos autos do processo será solicitada ao juízo de origem.

Em outras palavras, observadas as normas definidoras da competência previstas na lei processual civil, optando o ofendido, seu representante legal ou seu herdeiro pelo juízo do domicílio do réu ou pelo juízo do local onde se encontram os bens sujeitos à execução, com base na sentença penal condenatória irrecorrível, vão surgir três alternativas: (i) havendo a sentença penal definido integralmente o valor indenizatório, será necessária a execução propriamente dita, (ii) não havendo a sentença penal definido qualquer valor indenizatório, será necessária a liquidação integral da sentença e (iii) havendo a sentença penal definido, em parte, o valor indenizatório, será necessária a execução propriamente dita do valor definido pela sentença penal e também será necessária a liquidação parcial da sentença.

Essas alternativas decorrem do art. 63, caput e parágrafo único, do CPP, sendo certo que o mencionado parágrafo foi incluído na lei processual penal por força da Lei 11719/08. Nesse sentido, o art. 63, parágrafo único, do CPP, dispõe que a execução pode ser deflagrada com base no valor fixado na sentença, a teor do art. 387, IV, do CPP, sem prejuízo da liquidação do valor subsistente que não foi abarcado pela sentença penal condenatória.

Veja-se que o art. 387, IV, do CPP, também incluído na lei processual penal pela Lei 11719/08, dispõe que o juiz, ao proferir a sentença condenatória, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Portanto, o juiz pode na sentença penal fixar determinado valor indenizatório, sendo certo que o ofendido, se não ficar satisfeito com o valor fixado, pode executá-lo e, ao mesmo tempo, pode liquidar a diferença que entenda subsistente no juízo cível.

Vale exemplificar. O réu furta o veículo da vítima. O juiz criminal, ao condenar o réu pela prática do crime de furto, também fixa o valor indenizatório mínimo considerando a documentação trazida aos autos que se refere ao valor do veículo à época da sua aquisição. É possível que o ofendido entenda que o seu veículo vale mais do que a quantia fixada pelo juiz criminal, já que o reformou depois da sua aquisição e nele inseriu diversos equipamentos, como rodas novas, bancos novos e valioso sistema de mídia, o que não foi considerado pelo juiz criminal. O ofendido pode executar o valor fixado pelo juiz criminal no juízo cível e, ao mesmo tempo, pode liquidar a diferença que entenda justa no juízo cível para, depois, executá-la.

O art. 64, caput, do CPP, trata de situação diversa porque autoriza o ajuizamento da ação cível de conhecimento mesmo que o réu não tenha sido condenado de forma irrecorrível no juízo criminal.

Portanto, são duas situações absolutamente diversas. O art. 63 do CPP é aplicado quando o réu é condenado de forma irrecorrível no juízo criminal. Nesse caso, não se ajuíza a ação cível de conhecimento porque o fato já está esclarecido, bastando o ajuizamento da execução ou da liquidação. O art. 64 do CPP é aplicado antes de o réu ser condenado de forma irrecorrível no juízo criminal. Nesse caso, é ajuizada a ação cível de conhecimento justamente para que se defina se o fato ocorreu e, sendo caso, para que se possa futuramente proceder à execução do juízo cível.

No caso do art. 64, caput, do CPP, a ação cível de conhecimento pode ser ajuizada em face do autor do fato ou em face do responsável civil. Se, por exemplo, o réu é motorista de ônibus e atropela o ofendido, causando-lhe danos, é possível que, mesmo antes da condenação do réu no juízo criminal, o ofendido ajuíze a ação cível de conhecimento em face do réu ou mesmo em face da empresa de ônibus. O ajuizamento da ação cível de conhecimento é tão independente da responsabilidade criminal que é possível que ocorra antes mesmo do oferecimento de qualquer denúncia perante o juízo criminal.

O art. 64, parágrafo único, do CPP, autoriza que o juiz cível suspenda o processo cível até o julgamento definitivo do processo criminal, ou seja, até o trânsito em julgado da sentença criminal. O art. 315, caput, do Código de Processo Civil, também trata da questão dispondo o seguinte: se o conhecimento do mérito depender de verificação da existência de fato delituoso, o juiz pode determinar a suspensão do processo até que se pronuncie a justiça criminal. De seu lado, o art. 315, § 1º, do CPC, autoriza a suspensão do processo civil mesmo antes do oferecimento da denúncia, afirmando o seguinte: se a ação penal não for proposta no prazo de 3 (três) meses, contado da intimação do ato de suspensão, cessará o efeito desse, incumbindo ao juiz cível examinar incidentemente a questão prévia. Por fim, o art. 315, § 2º, do CPC, dispõe que, proposta a ação penal, o processo ficará suspenso pelo prazo máximo de 1 (um) ano, ao final do qual aplicar-se-á o disposto na parte final do § 1º.

Considerada a realidade brasileira, convém destacar que o prazo de um ano é pequeno para a solução definitiva do processo criminal. De toda forma, embora o ideal seja evitar conclusões contraditórias advindas do juízo criminal e do juízo cível, não se pode suspender o processo cível indefinidamente, razão pela qual o legislador estipulou o prazo de um ano para tanto. Entendemos, portanto, que o art. 64, parágrafo único, do CPP, deve ser interpretado à luz do art. 315 do CPC. Isso significa que o juiz cível não pode suspender indefinidamente o processo cível, devendo ser respeitado o limite de ano previsto na lei processual civil.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Statue of Justice - The Old Bailey // Foto de: Ronnie Macdonald // Sem alterações

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