Coluna ISSO POSTO / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto
Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.
Art. 49. A renúncia ao exercício do direito de queixa, em relação a um dos autores do crime, a todos se estenderá.
Art. 50. A renúncia expressa constará de declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais.
Parágrafo único. A renúncia do representante legal do menor que houver completado 18 (dezoito) anos não privará este do direito de queixa, nem a renúncia do último excluirá o direito do primeiro.
O art. 49, caput, do CPP, trata da indivisibilidade da renúncia ao exercício do direito de queixa-crime. A renúncia é a manifestação da vítima no sentido de que não exercerá o direito de processar a pessoa que praticou o crime de ação penal de iniciativa privada. O legislador, em certas hipóteses, desloca a legitimidade ativa do Ministério Público para a vítima, mas não a obriga a processar quem quer que seja. Assim como aplica-se o princípio da obrigatoriedade às ações penais de iniciativa pública, é aplicado o princípio da oportunidade às ações penais de iniciativa privada.
Em outras palavras, se houver justa causa na hipótese de ação penal de iniciativa pública, em regra, o Ministério Público é obrigado a oferecer a denúncia em juízo. Mas, de outro lado, se houver justa causa na hipótese de ação penal de iniciativa privada, a vítima tem o direito de oferecer a queixa-crime em juízo, mas não é obrigada a oferecê-la.
Caso opte pelo não exercício do direito de ação penal, a vítima tem dois caminhos, quais sejam, ela pode deixar fluir o prazo decadencial e provocar a extinção da punibilidade, com base no art. 107, IV, segunda parte, do CP, ou ela pode renunciar ao direito de queixa-crime e provocar a extinção da punibilidade, com base no art. 107, V, primeira parte, do CP.
A renúncia pode ser expressa ou tácita. Na renúncia expressa, a vítima renuncia ao exercício do direito de queixa-crime de forma clara, através de declarações prestadas em sede policial, assinando um termo no qual conste a renúncia, através de qualquer documento idôneo etc. Na renúncia tácita, a vítima adota uma conduta incompatível com a vontade de processar o autor do crime, o que impõe a análise das circunstâncias de forma cuidadosa para evitar que a vítima seja mal interpretada. Nesse sentido, o art. 104, parágrafo único, do Código Penal, dispõe que importa renúncia tácita ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercê-lo; não a implica, todavia, o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime.
Se, por exemplo, houver duas pessoas envolvidas na prática do crime e a vítima apenas oferecer a queixa-crime em face de uma das duas pessoas, é evidente a renúncia tácita com relação a outra pessoa que não constou na queixa-crime. Isso porque, caso desejasse, a vítima poderia oferecer a queixa-crime em face das duas pessoas, não escolhendo apenas uma delas para processar. Nesse caso, na nossa ótica, a renúncia tácita com relação à pessoa que não foi processada, por força do art. 49, caput, do CPP, deve ser estendida em favor da pessoa que consta na queixa-crime, devendo ser declarada extinta a punibilidade com relação a ambas as pessoas, com base no art. 107, V, primeira parte, do CP.
Isso porque o exercício do direito de queixa-crime não pode constituir propriamente uma vingança privada a ser dirigida contra quem a vítima escolhe. O legislador deixa claro que a vítima tem duas opções, quais sejam, ela pode processar todos os envolvidos na prática criminosa ou ela pode optar por não processar ninguém. Havendo mais de um envolvido na prática criminosa, a vítima só não pode escolher um dos envolvidos para processar e aliviar o outro envolvido.
O art. 50, caput, do CPP, indica que a renúncia expressa deve constar em declaração assinada pela própria vítima, por seu representante legal ou por procurador com poderes especiais. Tal declaração pode constar no contexto de todo o termo de depoimento da vítima ou pode constar em documento especificamente elaborado com o propósito de registrar a renúncia da vítima. Caberá ao representante legal da vítima manifestar a renúncia nos casos de incapacidade civil absoluta ou relativa, conforme os artigos 3º e 4º do Código Civil. Caso a vítima constitua procurador para manifestar a renúncia, é fundamental que no instrumento de mandato, ou seja, na procuração, conste expressa menção ao poder de renunciar ao exercício do direito de queixa-crime, não bastando a concessão de poderes genéricos.
O art. 50, parágrafo único, do CPP, foi revogado tacitamente pelo atual Código Civil. Isso porque, atualmente, inexiste qualquer justificativa para que seja dado um tratamento diferenciado quando a vítima tem de 18 a 21 anos. É certo que, à época da elaboração do nosso Código de Processo Penal, o legislador entendeu que essa faixa etária recomendava uma maior cautela no trato do indiciado.
Quando o Código de Processo Penal foi criado, estava em vigor o Código Civil de 1916, cujo art. 9º, caput, dispunha que aos 21 (vinte e um) anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil. Portanto, havia uma situação jurídica diferenciada para as pessoas que tinham de 18 a 21 anos, na medida em que eram maiores, sob o ponto de vista penal, mas eram menores, sob o ponto de vista civil.
Todavia, o atual Código Civil, no seu art. 5º, caput, passou a dispor que a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Diante da redução da maioridade civil, de 21 para 18 anos, perdeu qualquer justificativa o tratamento diferenciado até então previsto para a referida faixa etária, razão pela qual, ao menos no nosso entendimento, houve a revogação tácita do art. 50, parágrafo único, do CPP. Em outras palavras, se a vítima tem 18 anos ou mais, cabe-lhe exclusivamente decidir pelo exercício da ação penal ou pela renúncia ao direito de queixa-crime, não se podendo falar em representante legal nesse caso.
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