Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto
Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.
Art. 47. Se o Ministério Público julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos complementares ou novos elementos de convicção, deverá requisitá-los, diretamente, de quaisquer autoridades ou funcionários que devam ou possam fornecê-los.
Art. 48. A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade.
O art. 47, caput, do CPP, trata do poder requisitório dos membros do Ministério Público. Convém lembrar que a palavra requisição é empregada pelo legislador no sentido de ordem, e não no sentido de um mero pedido. Portanto, julgando necessários esclarecimentos, documentos ou quaisquer outros elementos de convicção, o Parquet pode determinar o seu fornecimento a quaisquer autoridades ou funcionários.
O art. 129, VIII, da Constituição Federal, destaca, dentre as funções institucionais do Ministério Público, o poder de expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva. Tal dispositivo é ratificado pelo art. 26, I, c, da Lei 8625/93, o qual dispõe que o Ministério Público poderá requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Além disso, o art. 26, II, do mesmo diploma legal, dispõe que o Ministério Público poderá requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie.
Cabe salientar que, por motivo óbvio, tal requisição deve se relacionar à atividade funcional dos órgãos do Ministério Público, descabendo a requisição para fim estranho à atribuição do órgão ministerial requisitante ou mesmo para fim particular. Por exemplo, o documento a ser requisitado deve ser enviado especificamente ao membro do Ministério Público com atribuição para utilizá-lo, não podendo um promotor de justiça requisitar um documento cuja utilização seja estranha à sua atuação funcional.
O não atendimento à requisição ministerial configura a prática do crime de prevaricação, previsto no art. 319, caput, do CPP, o qual prevê a conduta de retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, caso o recalcitrante seja funcionário público com relação ao qual não haja a previsão de algum tipo penal especial, ou configura a prática do crime de desobediência, previsto no art. 330, caput, do CP, o qual prevê a conduta de desobedecer a ordem legal de funcionário público, caso o recalcitrante seja particular.
O art. 48, caput, do CPP, prevê o princípio da indivisibilidade da ação penal de iniciativa privada. Tal dispositivo é importante porque, em certa medida, impede o exercício do direito de ação movido exclusivamente pelo sentimento de vingança. Isso porque, havendo dois ou mais indiciados, a vítima tem apenas duas opções, podendo oferecer a queixa-crime em face de todos os envolvidos ou simplesmente deixando de exercer o seu direito de ação. O que não pode ocorrer, havendo dois ou mais indiciados, é a vítima escolher quem deseja processar e quem deseja aliviar. Em outras palavras, se, por exemplo, houver dois indiciados, a vítima não pode oferecer a queixa-crime apenas em face de um deles e ficar inerte com relação ao outro.
Não custa ressaltar que, ao contrário da ação penal de iniciativa pública que é regida pelo princípio da obrigatoriedade, a ação penal de iniciativa privada é regida pelo princípio da oportunidade, de modo que cabe à vítima optar pelo exercício do direito de ação ou não. Portanto, a vítima pode simplesmente não desejar oferecer a queixa-crime em juízo. Mas, havendo mais de uma pessoa envolvida na prática criminosa, a vítima não pode oferecer a queixa-crime em face de uma das pessoas envolvidas e ficar inerte com relação à outra pessoa envolvida.
O próprio dispositivo ressalta a importância da atuação do Ministério Público como fiscal do princípio da indivisibilidade. Havendo duas pessoas envolvidas na prática criminosa e tendo sido a queixa-crime oferecida apenas em face de uma pessoa, é possível sustentar que cabe ao Ministério Público aditar a acusação para incluir a outra pessoa envolvida. Na nossa ótica, tal entendimento não deve ser adotado porque a ação penal de iniciativa privada é regida pelo princípio da oportunidade, não podendo a vítima ser obrigada a processar quem quer que seja, o que acabaria ocorrendo diante do aditamento do Parquet.
Na nossa opinião, a postura da vítima que oferece a queixa-crime apenas em face de um dos envolvidos representa renúncia tácita com relação ao envolvido que não constou na queixa-crime, já que a vítima praticou ato incompatível com a vontade de processá-lo, tanto que não o incluiu na queixa-crime. Sendo a renúncia indivisível, por força do art. 49, caput, do CPP, a conduta da vítima atingirá ambos os envolvidos, ou seja, aquele que constou na queixa-crime e também aquele que não constou na queixa-crime. Portanto, ambos deverão ser beneficiados com a extinção da punibilidade prevista no art. 107, V, do Código Penal.
Nessa medida, exercendo a sua função de fiscal do princípio da indivisibilidade da ação penal de iniciativa privada, uma vez que perceba que a vítima escolheu o envolvido em face de quem exerceu o seu direito de ação e permaneceu inerte com relação ao outro envolvido, cabe ao Ministério Público requerer ao juiz a declaração de extinção da punibilidade com relação a ambos os envolvidos.
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