Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto
Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.
Art. 25. A representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia.
Art. 26. A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciária ou policial.
Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.
O art. 25, caput, do CPP, trata retratação da representação. Desde logo, é preciso lembrar que a representação é a manifestação da vítima no sentido de ver oferecida a denúncia. Isso significa que, em se tratando de crime que enseja ação penal de iniciativa pública incondicionada, o Ministério Público tem preservada a sua independência funcional para o exame da presença da justa causa, mas só poderá oferecer a denúncia em juízo se a vítima sinalizar neste sentido.
O dispositivo em análise é claro ao permitir a retratação da representação até o momento do oferecimento da denúncia, o qual ocorre quando a mesma é recebida em cartório, pouco importando se o juiz a examina no mesmo momento ou nos dias subsequentes. Isso significa que, a rigor, não produz efeito jurídico a retratação da representação nos dias que decorrem desde o oferecimento da denúncia até o recebimento da denúncia.
Embora o legislador tenha se referido expressamente à retratação da representação da vítima, entendemos que o mesmo raciocínio deve ser adotado no caso de ação penal de iniciativa pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça. Portanto, a analogia autoriza que o Ministro da Justiça apresente a sua retratação à requisição até o momento em que o Ministério Público oferece a denúncia em juízo. Sendo equivalentes as situações relativas à representação da vítima e à requisição do Ministro da Justiça, nada justifica que ambas mereçam tratamentos distintos.
Essa é a regra a ser adotada no processo penal brasileiro. Mas há uma exceção expressa no art. 79, caput, da Lei 9099/95. Isso porque, especificamente no sistema dos Juizados Especiais Criminais, é possível a aplicação de medidas despenalizadoras – a composição dos danos civis e a transação penal –, sendo certo que a vítima tem a oportunidade de apresentar a sua retratação da representação mesmo após o oferecimento da denúncia, na própria audiência de instrução e julgamento. Todavia, é importante lembrar que a Lei 9099/95 permite a retratação da representação da vítima após o oferecimento da denúncia, desde que seja antes do recebimento da denúncia. Uma vez recebida a denúncia, não há amparo legal para a aceitação da retratação da representação da vítima.
De seu lado, o art. 26, caput, do CPP, apenas tem importância histórica. Veja-se que, à época da elaboração da lei processual, especificamente nos casos de contravenções penais, a ação penal podia ser exercida pelo juiz ou pelo delegado de polícia. Todavia, diante do sistema acusatório previsto na Constituição Federal, mostram-se absurdas tais situações. É que o art. 129, I, da Constituição Federal, expressamente, definiu como função institucional do Ministério Público, de forma privativa, o exercício da ação penal. Em verdade, se a ideia é separar as funções de julgar, de acusar e de defender para garantir um julgamento imparcial, não faz qualquer sentido permitir a deflagração do processo criminal por qualquer órgão estranho ao Ministério Público, ressalvadas as hipóteses excepcionais em que a própria lei confere legitimidade ativa à própria vítima. Asim, o art. 26, caput, do CPP, não foi recepcionado pelo texto constitucional, conforme afirmado há muito pela doutrina de forma uníssona[1].
O art. 27, caput, do CPP, aproxima a população em geral do Ministério Público, na medida em que as pessoas podem procurar diretamente o Parquet para fornecer os elementos constitutivos da justa causa e, assim, viabilizar o exercício da ação penal.
Sabe-se que, na prática, nem sempre isso é possível. É que o Ministério Público não possui a estrutura necessária para absorver todas as demandas que lhe são dirigidas, dando sequência diretamente aos atos investigatórios, razão pela qual é comum as informações serem encaminhadas à sede policial para, então, instaurado o inquérito policial, a investigação ser efetivada.
Em outras palavras, qualquer pessoa pode diretamente procurar o Ministério Público, ao invés de ir à delegacia de polícia. Se as informações fornecidas constituírem justa causa, nada impede o Ministério Público de oferecer a denúncia diretamente ao juízo, dispensando a instauração do inquérito policial. Não custa lembrar que uma das características do inquérito policial é justamente a dispensabilidade[2]. Por outro lado, se as informações fornecidas ao Ministério Público não constituírem justa causa, mas se for possível vislumbrar o êxito de eventual aprofundamento das investigações, o próprio Parquet pode requisitar a instauração do inquérito policial. Noutra perspectiva, se as informações fornecidas não constituírem justa causa e sequer for possível vislumbrar a utilidade de eventual investigação, o próprio Ministério Público pode providenciar o arquivamento das informações que lhe chegaram, diante de sua inutilidade, evitando que o inquérito policial seja instaurado desnecessariamente.
É claro que as pessoas só podem provocar a iniciativa do Ministério Público nos casos de crimes que ensejam ação penal de iniciativa pública incondicionada, cabendo ao Parquet instaurar o procedimento investigatório no próprio âmbito institucional. Se os crimes forem de ação penal pública condicionada à representação da vítima ou à requisição do Ministro da Justiça, tal procedimento só pode ser instaurado com a concordância da vítima ou do Ministro da Justiça, valendo a inteligência do art. 5º, § 4º, do CPP. Se os crimes forem de ação penal de iniciativa privada, a investigação apenas pode ser deflagrada na sede policial, após o requerimento da vítima, conforme o art. 5º, § 5º, do CPP, já que o Ministério Público apenas atuará, após o recebimento da queixa-crime em juízo, na qualidade de fiscal da lei, não lhe conferindo o ordenamento jurídico legitimidade ativa para deflagrar o processo criminal.
Por fim, é importante ressaltar que a pessoa que se dirige diretamente ao Ministério Público deve fornecer informações sobre o fato e a autoria, indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção. Isso significa que o interessado já deve apresentar ao Parquet as informações com base nas quais, em tese, é possível o oferecimento da denúncia. Caso contrário, sendo apresentadas informações precárias, até por conta de sua falta de estrutura investigatória, nada restará ao Ministério Público além de encaminhar as mencionadas informações à sede policial. O legislador pretendeu encurtar o caminho quando o inquérito policial verdadeiramente se mostra dispensável, uma vez presente a justa causa. Mas, se não houver informações mínimas, é preciso seguir o caminho ordinário, com a instauração do inquérito policial, a fim de que a investigação seja efetivada.
Notas e Referências
[1] JESUS, Damásio E. Código de Processo Penal anotado. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 26.
[2] NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 81.
Imagem Ilustrativa do Post: Martelo da Justiça e Algemas // Foto de: Fotografia cnj // Sem alterações
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