Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto
Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.
Art. 77. A competência será determinada pela continência quando:
I - duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;
II - no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51, § 1º, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal.
O art. 77, caput, do CPP, trata das situações que caracterizam a continência e que, por isso, geram a junção de fatos criminosos ou de pessoas acusadas em um só processo. Assim como ocorre nos casos de conexão, as situações que caracterizam a continência viabilizam a instauração de um só processo e ensejam a prolação de uma só sentença. As duas consequências benéficas óbvias são a economia processual, já que as provas orais são produzidas por uma só vez, e a eliminação do risco da prolação de decisões conflitantes, já que uma só sentença é proferida.
O art. 77, I, do CPP, trata do concurso de agentes, que ocorre quando duas ou mais pessoas são acusadas pela prática da mesma infração. Trata-se de hipótese de continência tão comum que, em muitas oportunidades, sequer somos levados a refletir quanto ao fato de todos os envolvidos na prática criminosa estarem envolvidos no mesmo processo por força da continência. Vale o exemplo. Se dez pessoas praticarem o crime de roubo em um estabelecimento bancário, a rigor, seria possível oferecer dez denúncias, uma com relação a cada um dos envolvidos, ensejando a instauração de dez processos criminais. Todavia, é muito melhor para todos o oferecimento de uma só denúncia incluindo os dez roubadores, o que apenas é feito por força da continência, evitando-se a produção repetida das provas orais e a prolação de dez sentenças, com o evidente risco de algumas delas serem contraditórias entre si.
O art. 77, II, primeira parte, do CPP, faz referência à redação original do art. 51, § 1º, do CP, a qual dispunha o seguinte: Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, a que se cominam penas privativas de liberdade, impõe-se-lhe a mais grave ou, se idênticas, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos. Portanto, a referida norma diz respeito ao concurso formal de crimes, o qual, após a reforma da parte geral do CP, promovida pela Lei 7209/84, passou a ser tratado no art. 70, caput, do CP, com a seguinte redação: Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.
Assim, com redação praticamente idêntica, o novo dispositivo prevê o concurso formal de crimes, o qual impõe a aplicação da regra de continência. Vale o exemplo. Se o réu pratica o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor atingindo e matando dez pessoas que se encontram em um ponto de ônibus, a rigor, seria possível o oferecimento de uma denúncia com relação a cada um dos dez crimes, o que ensejaria a instauração de dez processos criminais. Todavia, por força da continência, será oferecida uma única denúncia em face do réu, sendo-lhe imputada a prática de dez crimes de homicídio culposo na direção de veículo automotor em concurso formal.
O art. 77, II, segunda parte, do CPP, faz referência à redação original do art. 53, segunda parte, do CP, o qual dispunha o seguinte: Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no art. 17, § 3º, 2ª parte. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do § 1º do art. 51. Após a Lei 7209/84, o tema passou a ser tratado no art. 73, caput, do CP, com a seguinte redação: Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.
Com redação quase idêntica, o mencionado dispositivo trata do erro na execução. Mas o que interessa para o fim do estudo da continência é o caso em que ocorre erro na execução, mas são atingidas as duas vítimas, aquela pretendida pelo agente e aquela atingida em razão do erro na execução. Nesse caso, impõe a aplicação na norma que trata do concurso formal de crimes. Ocorrem dois crimes que devem ser levados à mesma denúncia, ensejando um só processo e uma só sentença.
O art. 77, II, terceira parte, do CPP, faz menção à redação original do art. 54, caput, do CP, o qual dispunha o seguinte: Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do § 1º do art. 51. Após a Lei 7209/84, o tema passou a ser tratado no art. 74, caput, do CP, com a seguinte redação: Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.
Adotando redação praticamente idêntica, o referido dispositivo trata do resultado diverso do pretendido. Para o estudo da continência, interessa o caso em que ocorrem dois resultados como decorrência da conduta do agente, quais sejam, o resultado efetivamente pretendido e o resultado diverso do pretendido. Nesse caso, ocorrem dois crimes, os quais devem ensejar uma só denúncia, levando-se à instauração de um só processo e à prolação de uma só sentença.
Dessa forma, é importante assinalar que, embora o art. 77, II, do CPP, mencione o art. 51, § 1º, do CP, o art. 53, caput, segunda parte, do CP, e o art. 54, caput, do CP, as matérias neles tratadas – concurso formal de crimes, erro na execução e resultado diverso do pretendido – atualmente são previstas no art. 70, caput, do CP, no art. 73, caput, segunda parte, do CP, e no art. 74, caput, segunda parte, do CP.
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