Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto
Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.
Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
O art. 76, caput, do CPP, trata das causas de conexão. A rigor, a conexão não é um critério definidor da competência, mas sim um critério modificador da competência. O objetivo do legislador é agrupar dois ou mais crimes ou agrupar duas ou mais pessoas que supostamente praticaram o crime, a fim de que sejam julgados em conjunto.
Existem dois benefícios evidentes quando se julgam em conjunto dois ou mais crimes ou quando se julgam em conjunto duas ou mais pessoas que supostamente praticaram o crime: é facilitada a produção probatória e é evitada a prolação de decisões contraditórias.
Para chegar-se a tal conclusão basta imaginar um crime praticado por dez pessoas e o oferecimento de uma denúncia em face cada uma das dez pessoas. Se isso ocorresse, existiriam dez processos, as provas orais teriam que ser produzidas por dez vezes e seriam proferidas dez sentenças, aumentando-se enormemente o trabalho processual e o risco de existirem decisões contraditórias.
Portanto, na nossa ótica, embora seja possível vislumbrar a existência de problemas quando um só juízo passa a ter uma super competência em razão das normas de conexão, o instituto em si é útil e, uma vez bem aplicado, constitui um importante mecanismo capaz de facilitar a prestação jurisdicional, sobretudo nos casos de processos volumosos, com grande número de acusados ou crimes.
O art. 76, I, do CPP, prevê três hipóteses de conexão: (i) quando as infrações são praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, (ii) quando as infrações são praticadas por várias pessoas em concurso, embora diversos o tempo e o lugar e (iii) quando as infrações são praticadas por várias pessoas, umas contra as outras.
No primeiro caso, é possível exemplificar com a conhecida situação de saque de mercadorias. Imagine-se que um caminhão com carga de cervejas tombe e espalhe toda a sua carga na rua. Diante disso, várias pessoas aproximam-se a passam a furtar as cervejas espalhadas. Não se exige qualquer vinculação entre as pessoas, não se exige que elas tenham combinado pegar as cervejas, não se exige sequer que as pessoas se conheçam. Cada pessoa praticará o seu crime de furto. Se vinte pessoas furtaram as cervejas, seria necessário oferecer vinte denúncias, seria necessário produzir as provas orais por vinte vezes e seria necessário proferir vinte sentenças. Contudo, como os vinte furtos foram praticados, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, bastará o oferecimento de uma única denúncia em face das vinte pessoas, já que a norma de conexão propicia um só processo e um só julgamento.
No segundo caso, é possível exemplificar lembrando a forma com a qual atuam algumas facções criminosas relacionadas ao tráfico de drogas, distribuindo os traficantes em diversos locais na cidade. Há inequívoco concurso de pessoas, embora elas atuem em diversos tempo e lugar. Se não fosse a regra de conexão, seria necessário oferecer várias denúncias, produzir as provas orais várias vezes e sentenciar várias vezes, o que é evitado quando todos os integrantes da facção criminosa são denunciados no mesmo processo.
No terceiro caso, é possível exemplificar lembrando as brigas de torcidas organizadas ocorridas nos estádios de futebol. Se integrantes de determinada torcida organizada brigam com integrantes de outra torcida organizada, há o crime de lesão corporal recíproca praticado por dezenas ou centenas de pessoas. Se não houvesse a regra de conexão, seriam necessárias várias denúncias, várias produções probatórias e várias sentenças, o que é evitado quando todos os envolvidos constam na mesma denúncia.
O art. 76, II, do CPP, prevê quatro hipóteses de conexão: (i) quando alguma infração é praticada para facilitar a prática de outra infração, (ii) quando alguma infração é praticada para ocultar a prática de outra infração, (iii) quando alguma infração é praticada para conseguir a impunidade de outra infração e (iv) quando alguma infração é praticada para conseguir a vantagem com relação a outra infração.
No primeiro caso, é possível exemplificar com a situação em que alguém, para estuprar a vítima, priva a liberdade de outra pessoa que supostamente pode pedir ajuda em favor da vítima. Então, se o agente priva a liberdade da empregada, prendendo-a no banheiro, para facilitar o estupro de sua patroa, ocorrem, na verdade, dois crimes. O crime de cárcere privado foi praticado para facilitar o crime de estupro, devendo ambos os crimes constar na mesma denúncia, por força da norma de conexão.
No segundo caso, é possível exemplificar com a situação em que alguém, após furtar determinado estabelecimento comercial, incendeia o local para ocultar a subtração. O crime de incêndio foi praticado para ocultar o crime de furto, devendo ambos constar na mesma denúncia, por força da norma de conexão.
No terceiro caso, é possível exemplificar com a situação em que alguém pratica um crime de homicídio e, percebendo que foi observado por uma testemunha e buscando torna impune o primeiro crime, igualmente mata a testemunha. O segundo crime de homicídio foi praticado para tornar impune o primeiro crime de homicídio, devendo ambos os crimes constar na mesma denúncia, por força da norma de conexão.
No quarto caso, é possível exemplificar com a situação em que duas pessoas roubam um banco, mas, depois, se desentendem quanto à divisão do dinheiro roubado. Diante disso, um roubador mata o outro roubador para ficar com todo o dinheiro roubado. O crime de homicídio foi praticado para que o agente consiga a vantagem decorrente do crime de roubo, devendo ambos constar na mesma denúncia, por força da regra de conexão.
Por fim, o art. 76, III, do CPP, trata da conexão probatória, a qual deve ter lugar quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova da outra infração.
Nesse caso, é possível exemplificar com a situação em que alguém é acusado pela prática do crime de receptação de um carro, enquanto outra pessoa é acusada pela prática do crime de roubo do mesmo carro. É importante que ambos constem na mesma denúncia, sobretudo para facilitar a produção probatória, evitando-se, ainda, a prolação de decisões contraditórias.
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