Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.
Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.
§1º Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação.
§2º O prazo para o aditamento da queixa será de 3 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos, e, se este não se pronunciar dentro do tríduo, entender-se-á que não tem o que aditar, prosseguindo-se nos demais termos do processo.
O art. 46, caput, do CPP, trata dos prazos para o oferecimento da denúncia, fixando o prazo de cinco dias, quando o indiciado está preso, e fixando o prazo de 10 dias, quando o indiciado está solto.
O primeiro ponto a ser destacado é a falta de técnica do legislador. Isso porque o dispositivo se refere ao réu preso ou solto quando, na verdade, não tendo ocorrido o oferecimento da denúncia, não se pode falar na figura do réu, sendo certo que o correto seria o legislador mencionar o indiciado ou o investigado.
A natureza do prazo para o oferecimento da denúncia merece especial atenção. É que, estando o indiciado preso, o prazo deve ser considerado híbrido, já que se trata de um prazo prisional e, ao mesmo tempo, um prazo para o oferecimento da denúncia. Portanto, o prazo tem natureza penal e processual, devendo prevalecer o enfoque que favoreça ao indiciado. Em outras palavras, a contagem do prazo híbrido deve ser feita como se tratasse de prazo penal propriamente dito, levando-se em conta o art. 10, caput, do Código Penal, segundo o qual o dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. De outro lado, estando o indiciado solto, inexiste dúvida quanto ao fato de se tratar de prazo processual, aplicando o art. 798, § 1º, do Código de Processo Penal, segundo o qual não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento.
Essa distinção tem relevância prática. Isso porque o legislador determinou que o prazo deve ser contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial. Portanto, se o Parquet receber os autos no dia 1º de março de 2020 e se o indiciado estiver preso, será considerando o referido dia 1º na contagem do prazo de 5 dias, pouco importando o horário em que os autos chegaram ao Ministério Público. Logo, o prazo expirará no dia 5 de março de 2020. De outro lado, se o Parquet receber os autos no dia 1º de março de 2020 e se o indiciado estiver solto, não será considerado o referido dia 1º na contagem do prazo de 15 dias. Logo, o prazo expirará no dia 16 de março de 2020.
Embora o art. 46, caput, do CPP, refira-se ao inquérito policial, é claro que a mesma contagem deve ser aplicada quando a denúncia é oferecida com base em outros procedimentos, já que a existência do inquérito policial não é imprescindível para o oferecimento da denúncia.
Outro ponto de maior importância decorre do desrespeito aos prazos fixados pelo legislador. É que, estando o indiciado preso e não tendo sido oferecida a denúncia no prazo de 5 dias, a prisão se torna ilegal e deve ser relaxada, com base no art. 5º, LXV, da Constituição Federal, segundo o qual a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária. De outro lado, estando o indiciado solto, o desrespeito ao prazo de 15 dias não acarreta prejuízo de ordem processual, ou seja, nada impede que o Ministério Público ofereça a denúncia após o decurso do mencionado prazo, muito embora passe a fluir o prazo previsto para o oferecimento da queixa-crime subsidiária, conforme o art. 29, caput, do CPP, uma vez caracterizada a inércia ministerial.
Cabe também registrar que, havendo diligências imprescindíveis a serem realizadas para viabilizar o oferecimento da denúncia, o Ministério Público pode devolver os autos à autoridade policial, conforme o art. 16, caput, do CPP. Se o indiciado estiver preso, a sua prisão deve ser relaxada tão logo expirado o prazo de 5 dias, o que não impede o posterior oferecimento da denúncia em face do indiciado que foi colocado em liberdade. Se o indiciado estiver solto, basta a devolução dos autos à sede policial. De toda forma, o prazo de 15 dias para o oferecimento da denúncia, por motivo óbvio, só começará a ser contado quando a autoridade policial devolver os autos ao Ministério Público.
O art. 46, § 1º, do CPP, apenas reforça o fato de o inquérito policial não ser imprescindível para o oferecimento da denúncia. Ninguém desconhece que a maioria esmagadora das denúncias oferecidas tem como base o inquérito policial. Mas não custa lembrar que a denúncia pode ser oferecida com base em outros procedimentos investigatórios, em peças de informações ou mesmo na representação da vítima, no caso de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação da vítima. Também nesses casos, os prazos – de 5 dias ou de 15 dias, nos casos de indiciados presos ou soltos, respectivamente – devem ser contados da data em que o Ministério Público receber tais informes.
O art. 46, § 2º, do CPP, trata do prazo para a apresentação do aditamento à acusação. São duas as situações. No caso de ação penal de iniciativa exclusivamente privada, o art. 45, caput, do CPP, admite o chamado aditamento impróprio, ou seja, embora o Ministério Público não possa aumentar a acusação privada, é possível que a sua narrativa seja melhorada para viabilizar o exercício da ampla defesa. No caso de ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública, o art. 29, caput, do CPP, admite qualquer aditamento, seja próprio para aumentar a acusação, seja impróprio para melhor a narrativa dos fatos. Em ambos os casos, o art. 46, § 2º, do CPP, prevê o tríduo, ou seja, o prazo de 3 dias para a apresentação do aditamento.
Embora o legislador tenha afirmado que o silêncio ministerial, no referido prazo de 3 dias, deve ser interpretado como o entendimento do Parquet no sentido de que não há nada a ser aditado, entendemos que se trata de prazo impróprio, ou seja, não há preclusão neste caso, de modo que o aditamento pode ser feito a qualquer momento, cabendo ao juiz viabilizar o exercício da ampla defesa também com relação ao aditamento.
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