Coluna Isso Posto / Coordenador Ana Paula Couto e Marco Couto
Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
O art. 41, caput, do CPP, constitui um dos mais importantes dispositivos do nosso ordenamento jurídico. Isso porque se relaciona diretamente aos princípios da ampla defesa e do contraditório que estão previstos no art. 5º, LV, da Constituição Federal, o qual dispõe que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Não é sem motivo que o legislador exige que a denúncia ou a queixa-crime deva constar a exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias. Desde logo, convém observar que a denúncia e a queixa devem ter os mesmos requisitos, não fazendo a lei qualquer distinção neste sentido. Veja-se que a diferença básica se estabelece em nível de legitimidade ativa, cabendo ao Ministério Público oferecer a denúncia em juízo e cabendo a vítima oferecer a queixa-crime em juízo. Mas a petição propriamente dita – a denúncia ou a queixa-crime – deve conter os mesmos requisitos.
Portanto, cabe ao promotor de justiça, na qualidade de representante do Ministério Público, ou cabe à vítima, na qualidade de querelante, expor em detalhes a acusação que é dirigida ao réu ou ao querelado, respectivamente. A necessidade do detalhamento da acusação é óbvia: quanto mais genérica for a acusação, mais difícil é o exercício da ampla defesa e do contraditório. Narrativas vagas, sem identificar em detalhes a dinâmica dos fatos, podem, inclusive, inviabilizar completamente a observância dos princípios constitucionais referidos.
Se o réu é simplesmente acusado de ter praticado o crime de roubo, ele terá dificuldade para defender-se sem saber o dia, o local, a vítima e as circunstâncias alegadas pelo promotor de justiça. De outro lado, se constam na acusação tais informações, a defesa pode alegar, por exemplo, que o réu não estava no local dos fatos no momento em que o crime supostamente ocorreu.
Além disso, ainda que a presença do réu na cena do crime seja inquestionável, quanto mais detalhada for a acusação, a defesa melhor poderá ser exercida, seja para comprovar que os fatos não ocorreram conforme a narrativa constante na denúncia, seja para atenuar a resposta penal a ser imposta ao réu.
É importante observar que se forem imputados ao réu duas ou mais condutas, cada uma delas deve ser especificada. Da mesma maneira, se a acusação for dirigida em face de duas ou mais pessoas, a conduta de cada uma das pessoas deve ser especificada. Não pode a acusação simplesmente fazer um pacote acusatório, uma vez que cada conduta e cada réu devem ser tratados em detalhes.
Cabe enfatizar que a narrativa circunstanciada do fato criminoso tem natureza de requisito principal ou essencial, de modo que o seu desrespeito gera a inépcia da denúncia ou da queixa-crime, a qual, por esse motivo, deve ser rejeitada. Tratando-se de rejeição com base na inépcia da acusação, nada impede o novo exercício do direito de ação, com o oferecimento da denúncia ou da queixa-crime devidamente elaborada.
O art. 41, caput, do CPP, também menciona a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo. Isso é fundamental para que se possa identificar a pessoa em face de quem a denúncia ou a queixa-crime está sendo oferecida. O ideal é que conste o maior número de dados qualificativos, tais como nome, nacionalidade, profissão, estado civil, identidade, CPF, endereço etc. Mas a falta de dados não impede a acusação, desde que seja possível identificar o réu, a fim de que o mesmo possa ser citado para apresentar a sua defesa. O caso concreto é que evidenciará a suficiência dos dados apresentados. Se, por exemplo, for oferecida uma denúncia em face de “Zico, o maior ídolo da história do Flamengo”, será possível identificar o réu, cujo nome completo pode ser obtido com grande facilidade. É claro que esperamos que isso nunca ocorra e só utilizamos o nome do grande ídolo acima para sermos didáticos. Mas, de outro lado, se, por exemplo, for oferecida uma denúncia em face de “Zico, morador do Complexo do Alemão”, não se pode aceitar a denúncia diante da evidente dificuldade de identificação do acusado, já que a referida localidade é composta por quinze comunidades e possui mais de cem mil moradores.
A qualificação do réu também constitui requisito principal ou essencial, cujo desrespeito gera a inépcia da denúncia ou da queixa-crime, a qual, por isso, deve ser rejeitada, sem prejuízo do novo exercício do direito de ação através do oferecimento de nova denúncia ou de nova queixa-crime corretamente elaborada.
O art. 41, caput, do CPP, também se refere à classificação do crime. É claro que tal requisito também se aplica quando a acusação se refere à prática de alguma contravenção penal, devendo ser aplicada a analogia neste ponto. A classificação nada mais é do que a tipificação da conduta imputada ao réu. O ideal é que conste a referência ao artigo e à respectiva lei que preveem a conduta praticada pelo réu, não sendo suficiente o nomen juris do crime. Se for caso de concurso de crimes, cabe à acusação mencionar o dispositivo relacionado ao concurso, seja material (art. 69 do CP), seja formal (art. 70 do CP). Da mesma forma, no caso de continuidade delitiva, deve ser mencionado o respectivo dispositivo (art. 71 do CP)
Todavia, é fundamental perceber que eventual equívoco quanto à classificação do crime não inviabiliza a acusação. É que a classificação do crime tem natureza de requisito secundário ou acidental, de modo que o seu desrespeito ou mesmo a sua omissão não torna inepta a denúncia ou a queixa-crime. Cabe registrar que a defesa deve ser dirigida à conduta imputada ao réu, e não à sua classificação constante na denúncia ou na queixa-crime, cabendo ao juiz, no momento da sentença, adequar a conduta comprovadamente praticada pelo réu aos dispositivos legais em vigor, a fim de ser possível a correta fixação da resposta penal.
Por fim, o art. 41, caput, do CPP, refere-se ao rol de testemunhas. O próprio dispositivo deixa claro que a indicação de testemunhas não é obrigatória, já que a acusação pode pretender comprovar a prática delitiva através de outras provas, como a interceptação telefônica, por exemplo. Todavia, no dia a dia forense, a maioria esmagadora das denúncias e das queixas-crimes contem a indicação das testemunhas que a acusação pretende ouvir em juízo. Trata-se de momento preclusivo, ou seja, a indicação de testemunhas em outro momento não obriga o juiz a proceder às suas oitivas, embora isso seja possível excepcionalmente. Cabe à acusação qualificar as suas testemunhas para que seja possível a sua intimação para depor em juízo. Embora a lei processual se refira às testemunhas, cabe à acusação neste momento indicar quaisquer pessoas que pretenda ouvir em juízo, ainda que não tenham status de testemunhas, tais como as vítimas e os informantes.
Há uma limitação quantitativa para a produção da prova testemunhal que pode variar de acordo com o procedimento a ser aplicado e com o próprio teor da acusação. Por exemplo, o art. 401, caput, do CPP, quando se refere ao procedimento comum ordinário, afirma que na instrução poderão ser inquiridas até 8 (oito) testemunhas arroladas pela acusação e 8 (oito) pela defesa. Portanto, no procedimento comum ordinário, aplicável quando o crime imputado ao réu tem pena máxima cominada igual ou superior a quatro anos de prisão, conforme o art. 394, § 1º, I, do CPP, a acusação pode indicar até oito testemunhas, considerando cada crime narrado na denúncia e considerando cada réu. Em outras palavras, se for imputada ao réu a prática de três crimes de roubo, a acusação pode indicar até vinte e quatro testemunhas. Se dois réus foram acusados pela prática de um crime de roubo, a acusação pode indicar até dezesseis testemunhas.
O rol de testemunhas tem status de requisito secundário ou acidental, de modo que a sua omissão não torna inepta a denúncia, até porque o próprio legislador registra que as testemunhas deverão ser indicadas, quando necessário. Caso o promotor de justiça ou o querelante indique um número excessivo de testemunhas, cabe o juiz provocá-lo para adequar a quantidade de testemunhas, sob pena de o próprio magistrado escolher aleatoriamente as testemunhas a serem ouvidas, observando o seu número máximo.
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