Coluna Isso Posto / Coordenador Ana Paula Couto e Marco Couto
Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.
Art. 39. O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial.
§1º A representação feita oralmente ou por escrito, sem assinatura devidamente autenticada do ofendido, de seu representante legal ou procurador, será reduzida a termo, perante o juiz ou autoridade policial, presente o órgão do Ministério Público, quando a este houver sido dirigida.
§2º A representação conterá todas as informações que possam servir à apuração do fato e da autoria.
§3º Oferecida ou reduzida a termo a representação, a autoridade policial procederá a inquérito, ou, não sendo competente, remetê-lo-á à autoridade que o for.
§4º A representação, quando feita ao juiz ou perante este reduzida a termo, será remetida à autoridade policial para que esta proceda a inquérito.
§5º O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias.
O art. 39, caput, do CPP, trata da representação da vítima, a qual tem natureza de condição de procedibilidade, uma vez que é indispensável ao exercício do direito de ação por parte do Ministério Público, no caso de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação da vítima. Em outras palavras, nos casos em que o legislador estabelece a necessidade da representação da vítima, o Ministério Público apenas pode oferecer a denúncia em juízo se a vítima se manifestar nesse sentido. Ainda que exista justa causa, o Parquet apenas poderá oferecer a denúncia se houver representação da vítima.
Entendemos que qualquer manifestação inequívoca da vítima no sentido de ver deflagrado o processo criminal constitui representação, não sendo necessário que tal manifestação possua qualquer formalismo especial. O fato de a vítima comparecer à delegacia de polícia, prestar o seu depoimento e afirmar que deseja que o responsável pelo crime seja responsabilizado, por exemplo, é suficiente para viabilizar o oferecimento da denúncia em juízo. Não é necessário que a vítima assine algum termo de representação propriamente dito.
De toda forma, o art. 39, caput, do CPP, trata da representação exercida através de uma declaração da vítima, a qual pode ser feita pessoalmente pela vítima ou através de um procurador regularmente constituído através de procuração com poderes especiais para tanto. Em ambos os casos, a representação pode ser feita por escrito ou oralmente. É evidente que a oralidade só pode ocorrer em um primeiro momento, já que a declaração prestada deve ser reduzida a escrito para que não se perca no tempo.
O único reparo a ser feito no dispositivo em exame refere-se à possibilidade de a representação ser apresentada ao juiz, o que se mostra incompatível com o sistema acusatório previsto na Constituição Federal. É que não cabe ao juiz receber uma manifestação da vítima que, a rigor, não lhe tem qualquer serventia, já que caberá ao promotor de justiça, se for o caso, utilizá-la para embasar o exercício do direito de ação. Convém lembrar que, a rigor, o juiz competente apenas deve ser provocado se surgir alguma questão a ser decidida na fase de investigação ou pelo próprio oferecimento da denúncia. Portanto, cabe à vítima, pessoalmente ou através de procurador, por escrito ou oralmente, apresentar a sua representação à autoridade policial ou ao promotor de justiça.
Isso é importante porque a representação apresentada no local impróprio (perante o juiz, por exemplo) não obsta a fluência do prazo decadencial previsto no art. 38, caput, do CPP. De outro lado, convém assinalar que, na nossa ótica, o referido prazo decadencial é obstado quando a representação é apresentada ao delegado de polícia ou ao promotor de justiça, ainda que porventura não se trate da autoridade policial com atribuição para investigar ou não se trate do órgão ministerial com atribuição para oferecer a denúncia. É que não se pode exigir que a vítima tenha conhecimento das normas de organização policial ou das normas que definem as atribuições dos órgãos ministeriais. Todavia, a apresentação da representação em juízo não obsta o prazo decadencial porque se trata de local absolutamente impróprio.
O art. 39, § 1º, do CPP, impõe um formalismo que não se justifica. Isso porque, podendo ser informal a representação, não faz qualquer sentido se exigir a autenticação da assinatura da vítima, do seu representante legal ou do seu procurador. Por isso, entendemos que a representação escrita dispensa esse formalismo, sendo certo que apenas deve ser reduzida a escrito a representação oral para que não se perca no tempo. Nesse caso, é dispensável a presença do juiz porque, conforme já ressaltamos, o sistema acusatório previsto na Constituição Federal não recepcionou este ponto do dispositivo. Além disso, também por força da natureza informal da representação, a redução a escrito da representação oral não precisa ser feita na presença do delegado de polícia ou do promotor de justiça.
O art. 39, § 2º, do CPP, contém advertência importante. É que, realmente, a vítima deverá ter a cautela de apresentar, no momento da representação, o maior número possível de informações a respeito da dinâmica dos fatos. Nada impede que a representação, por si só, constitua a justa causa, viabilizando o exercício do direito de ação, dispensando o promotor de justiça o aprofundamento das investigações. Basta imaginar o caso em que a vítima procure o promotor de justiça, esclareça em detalhes os fatos ocorridos e apresente um vídeo que contem a filmagem do exato momento em que o crime ocorreu. Tais informações podem ser suficientes para embasar o oferecimento da denúncia, sendo certo que nada impede que o promotor de justiça, mesmo diante de tais informações, busque aprofundar as investigações.
O art. 39, § 3º, do CPP, determina que a autoridade policial deve instaurar o inquérito policial, caso tenha atribuição para tanto. Há um claro equívoco do legislador ao se referir à competência da autoridade policial. É que a competência, sendo uma fração do poder jurisdicional do Estado de dirimir os conflitos de interesses, se relaciona à atividade do juiz, e não à atividade da autoridade policial. Portanto, onde se lê competência, a rigor, deve ser lido atribuição da autoridade policial. Cabe registrar, novamente, que, na nossa ótica, a representação oferecida perante a autoridade policial sem atribuição para investigar os fatos é apta a obstar o prazo decadencial previsto no art. 38, caput, do CPP, porque não se pode esperar que a vítima tenha conhecimento das normas de organização policial. Por motivo óbvio, a autoridade policial que receber a representação que lhe foi dirigida indevidamente deve encaminhá-la para a autoridade policial com atribuição para a instauração do inquérito policial.
O art. 38, § 4º, do CPP, pelos motivos já expostos, não foi recepcionado pelo sistema acusatório consagrado na Constituição Federal, já que não cabe ao juiz se intrometer na fase investigatória, de modo que a representação não lhe deve ser dirigida.
O art. 38, § 5º, do CPP, contém norma que evidencia uma das principais características do inquérito policial, qual seja, a dispensabilidade. Não se pode duvidar da importância da atividade policial na fase investigativa. Qualquer pesquisa que se faça nas varas criminais revela que a maioria esmagadora dos processos criminais é deflagrada com base nas informações obtidas pela autoridade policial e, depois, encaminhadas ao promotor de justiça. Uma investigação bem feita é fundamental para o esclarecimento dos fatos, para o exercício do direito de ação e para o julgamento justo do caso. Mas é preciso compreender que, de forma excepcional, o Ministério Público pode obter as informações necessárias à deflagração do processo criminal através de outras vias, dispensando, por consequência, a instauração do inquérito policial. Basta imaginar o caso de um servidor público responder a um processo disciplinar que revele a prática de algum crime e cuja cópia seja enviada diretamente ao Ministério Público. Diante das informações que lhe foram direcionadas, havendo justa causa para embasar o oferecimento da denúncia, não faz qualquer sentido o promotor de justiça determinar a instauração do inquérito policial, sendo possível que a denúncia seja oferecida diretamente com base nas peças que foram enviadas ao Ministério Público.
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