Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto
Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.
Art. 28-A.........................................................................................................................
§2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:
I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;
II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;
III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e
IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.
§3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.
O art. 28-A, § 2º, do CPP, elenca os casos em que é vedado o acordo de não persecução penal. Ao contrário do que ocorre com relação a outros institutos, o legislador não indica as hipóteses de cabimento, mas sim as hipóteses de não cabimento. Veja-se que, nos casos de suspensão condicional da pena e de livramento condicional, por exemplo, o Código Penal indica quando tais benefícios são aplicáveis, conforme os seus artigos 77 e 81. Todavia, no acordo de não persecução penal, o legislador seguiu a linha já adotada, por exemplo, na transação penal, indicando as vedações, conforme o art. 76, § 2º, da Lei 9099/95.
Vejamos, então, quais são as vedações legais ao acordo de não persecução penal.
O art. 28-A, § 2º, I, do CPP, veda o acordo de não persecução penal quando o caso autoriza a transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais. A transação penal é tratada no art. 76 da Lei 9099/95. É importante registrar que tal medida despenalizadora é aplicada em regra nos próprios Juizados Especiais Criminais, mas, de forma excepcional, a mesma pode ser aplicada em outro juízo. Existem duas alternativas para a aplicação da transação penal fora dos Juizados Especiais Criminais. A primeira alternativa existe quando, por força das normas de conexão e continência, a infração de menor potencial ofensivo é arrastada para outro juízo. Nesse sentido, o art. 60, parágrafo único, da Lei 9099/95, dispõe que, na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis. A segunda alternativa ocorre quando o legislador, mesmo reconhecendo que não se trata de infração de menor potencial ofensivo, autoriza a aplicação da transação penal. O art. 291, § 1º, da Lei 9503/97, é um bom exemplo disso, ao dispor que aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Veja-se que o crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, praticado por alguém que não possua permissão para dirigir ou carteira de habilitação, não constitui infração de menor potencial ofensivo porque a pena máxima é de 2 anos e 8 meses de detenção, conforme o art. 303, parágrafo único, da Lei 9503/97, c/c art. 302, parágrafo único, I, da Lei 9503/97. Mas, mesmo não sendo infração de competência dos Juizados Especiais Criminais, cabe a transação penal. Na nossa ótica, considerando que o art. 28-A, § 2º, I, do CPP, fez expressa menção à competência dos Juizados Especiais Criminais e considerando que se trata de uma norma restritiva, o acordo de não persecução penal é admissível quando a transação penal é aplicável fora da competência dos Juizados Especiais Criminais. Nesse caso, abrem-se duas possibilidades ao investigado: ele pode ser beneficiado com a transação penal ou com o acordo de não persecução penal, dependendo das circunstâncias do caso concreto e dependendo do atendimento às demais exigências legais. Para maiores informações sobre a transação penal, sugerimos a leitura de texto que trata especificamente do tema[1].
O art. 28-A, § 2º, II, do CPP, veda o acordo de não persecução penal quando o investigado é reincidente ou quando haja elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas. O legislador não podia ter sido mais vago. Não reconhecemos qualquer inconstitucionalidade no dispositivo, mas entendemos que o mesmo deve ser aplicado com a cautela que se espera na interpretação das normas que vedam a aplicação de qualquer benefício ao investigado. Não há maior problema na parte que se refere à constatação da reincidência. Mas o exame da conduta criminal habitual, reiterada ou profissional impõe cautela do intérprete, apenas sendo possível vedar o acordo de não persecução penal em casos extremos. Além disso, a ressalva feita ao final do dispositivo quanto às infrações penais insignificantes gera problemas. Se o legislador pretendeu referir-se às condutas que autorizam a aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela, o caso é de reconhecer a atipicidade material da conduta e, portanto, sequer fica a caracterizada a prática de alguma infração penal. Assim, se não houve infração penal, não se pode cogitar a aplicação da ressalva aos casos de reincidência. Logo, na nossa ótica, a parte final do dispositivo em exame apenas pode ser aplicada nos casos de conduta criminal habitual, reiterada ou profissional. Portanto, se a conduta criminal não for habitual, reiterada ou profissional, cabe o acordo de não persecução penal. Da mesma forma, se a conduta criminal for habitual, reiterada ou profissional, mas tratar de infração que, em tese, admite a aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela, cabe o acordo de não persecução penal. O referido acordo não será aplicado quando o investigado for reincidente. Além disso, o referido acordo também não será aplicado quando a conduta criminal for habitual, reiterada ou profissional e a infração não admitir, em tese, a aplicação do princípio da insignificância ou da bagatela.
O art. 28-A, § 2º, III, do CPP, veda o acordo de não persecução penal quando o agente tiver sido beneficiado, nos cinco anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo. O legislador foi preciso ao estabelecer como marco para a contagem dos cinco anos a data da prática da infração. Entendemos que, nesse cálculo, deve ser considerada a data em que foi homologado o acordo de não persecução penal anterior, conforme o art. 28-A, § 6º, do CPP, a data em que foi aplicada a transação penal, conforme o art. 76, § 4º, da Lei 9099/95, e data em que foi suspenso o processo, conforme o art. 89, § 1º, da Lei 9099/95. Isso significa que a contagem do prazo de cinco anos não deve levar em conta o término do cumprimento do acordo de não persecução penal anterior, o efetivo cumprimento da transação penal ou o término do período de prova fixada na suspensão condicional do processo.
O art. 28-A, § 2º, IV, do CPP, veda o acordo de não persecução penal nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. Não enxergamos qualquer inconstitucionalidade no dispositivo, mas entendemos que o legislador perdeu a oportunidade de deixar mais uma alternativa para a solução dos conflitos envolvendo violência doméstica. O legislador também restringe a aplicação das medidas previstas na Lei 9099/95 aos casos de violência doméstica e familiar, conforme o art. 41, caput, da Lei 11340/06. Tivemos a oportunidade de escrever texto no qual especificamente criticamos o mencionado dispositivo[2]. Até por uma questão de coerência, também criticamos a vedação ao acordo de não persecução penal porque entendemos que um acordo cuidadoso e bem celebrado, ao invés de representar impunidade, pode ter uma importante função pedagógica no sentido de evitar que o agente se envolva em outra infração penal relacionada à violência doméstica. Isso porque, em muitos casos, a sentença proferida nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar, ainda que condenatória, longe de solucionar a questão de fundo referente à relação existente entre os envolvidos, apenas serve para inflamar ainda mais a mencionada relação.
O art. 28-A, § 3º, do CPP, ressalta que o acordo de não persecução penal deve ser escrito e firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e pelo seu defensor. O dispositivo é de fácil compreensão. Seria inimaginável um acordo verbal de não persecução penal, sem que dele fosse extraído qualquer registro, até porque seria inviável a sua execução. Mas, em tese, nada impediria que o acordo fosse verbal e ficasse registrado através de um sistema audiovisual, ficando uma mídia com o seu teor nos autos. Mas não foi essa a opção do legislador, o que até facilita a sua execução, dispensando maior trabalho do juiz da execução. Em verdade, é mesmo conveniente que se adote a forma escrita no acordo de não persecução penal, tal como deve ser feito no momento da prolação da sentença, para que as partes estejam certas do teor do acordo e para que a sua execução seja facilitada. Por fim, é evidente que devem constar as assinaturas dos envolvidos, quais sejam, o membro do Parquet, o investigado e o seu defensor, seja um advogado por ele constituído ou nomeado pelo juízo, seja um defensor público.
Notas e Referências
[1] COUTO, Ana Paula Branco Machado. A lei 9099/95: a influência norte-americana na transação penal. Rio de Janeiro: Letras e Versos, 2019.
[2] COUTO, Ana Paula; COUTO, Marco. O sursis processual e a Lei Maria da Penha. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-sursis-processual-e-a-lei-maria-da-penha. Acesso em: 30 ago. 2020.
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