Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto
Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.
Art. 13-B. Se necessário à prevenção e à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderão requisitar, mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso.
§1º Para os efeitos deste artigo, sinal significa posicionamento da estação de cobertura, setorização e intensidade de radiofrequência.
§2º Na hipótese de que trata o caput, o sinal:
I - não permitirá acesso ao conteúdo da comunicação de qualquer natureza, que dependerá de autorização judicial, conforme disposto em lei;
II - deverá ser fornecido pela prestadora de telefonia móvel celular por período não superior a 30 (trinta) dias, renovável por uma única vez, por igual período;
III - para períodos superiores àquele de que trata o inciso II, será necessária a apresentação de ordem judicial.
§3º Na hipótese prevista neste artigo, o inquérito policial deverá ser instaurado no prazo máximo de 72 (setenta e duas) horas, contado do registro da respectiva ocorrência policial.
§4º Não havendo manifestação judicial no prazo de 12 (doze) horas, a autoridade competente requisitará às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em curso, com imediata comunicação ao juiz.
O art. 13-B foi inserido no CPP pela Lei 13344/16, a qual entrou em vigor no dia 21 de novembro de 2016, dispondo sobre a prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas. As principais mudanças operadas pela mencionada lei já foram destacadas quando comentamos o art. 13-A do CPP.
O art. 13-B do CPP refere-se à prevenção e à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de pessoas. É evidente que a norma processual se relaciona diretamente a alguns crimes, tais como aqueles previstos no art. 149-A do CP e no art. 239 da Lei 8069/90. Não custa lembrar que o art. 149-A do CP prevê a conduta de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo, submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo, submetê-la a qualquer tipo de servidão, adoção ilegal ou exploração sexual, enquanto o art. 239 da Lei 8069/90 prevê a conduta de promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro. Todavia, o art. 13-B, caput, do CPP, não se referiu especificamente a tais crimes, preferindo fazer menção aos crimes relacionados ao tráfico de pessoas, de modo a abranger outros crimes que porventura se relacionem, mesmo que indiretamente, ao mencionado tráfico de pessoas, ou seja, o dispositivo em destaque é mais abrangente do que o art. 13-A do CPP.
É importante lembrar que o legislador afirma que o Ministério Público e o delegado de polícia podem requisitar, mediante autorização judicial, as informações que entendem pertinentes, o que, em certa medida, constitui algo incoerente. Isso porque a requisição tem sentido de determinação, não sendo necessária a intervenção judicial. Se o Ministério Público e o delegado de polícia podem requisitar, não é necessária a análise judicial, podendo a requisição, ou seja, a ordem ser dirigida diretamente ao seu destinatário. Se a manifestação do Ministério Público e do delegado de polícia dependem da autorização judicial, a rigor, a determinação passa a ser do juiz que proferiu a autorização. Portanto, no caso tratado no art. 13-B, caput, do CPP, melhor seria se o legislador tivesse registrado que o Ministério Público e o delegado podem requerer a autorização judicial para a vinda das informações. Aliás, para ficar afinado com a lógica já existente no CPP, melhor ainda seria se o legislador tivesse registrado que o Ministério Público pode apresentar requerimento e o delegado de polícia pode apresentar representação buscando a autorização judicial para tanto, já que os termos requerimento e representação são adotados, por exemplo, no art. 311, caput, do CPP.
O legislador teve certa cautela quando se referiu aos meios técnicos adequados a serem disponibilizados pelas empresas prestadoras de serviços de telecomunicações e/ou telemática. Lembre-se que o art. 60, § 1º, da Lei 9472/97, define a telecomunicação como sendo a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. De seu lado, a palavra telemática decorre da junção dos termos telecomunicação (serviços de telefonia, fibra óptica, satélite, cabo etc) e informática (softwares, computadores, sistemas de redes, periféricos etc), constituindo qualquer sistema que transmite dados pela rede, em formato de texto, imagem ou som.
Nesse contexto, a lei processual indicou a extensão da expressão meios técnicos, referindo-se aos sinais, informações e outros. É claro que a palavra outros deve guardar relação com as palavras sinais e informações, impondo-se a chamada interpretação analógica[1]. Além disso, para que não houvesse equívoco interpretativo, o art. 13-B, § 1º, do CPP, adotando verdadeira interpretação autêntica[2], definiu o termo sinal, esclarecendo que se trata de posicionamento da estação de cobertura, setorização e intensidade de radiofrequência.
O objetivo da obtenção de tais dados é localizar a vítima ou os suspeitos do crime relacionado ao tráfico de pessoas. Mas é importante lembrar que a norma em destaque não se refere à comunicação dos dados propriamente dita, mas sim aos dados em si. Em outras palavras, não se pretende obter o teor das conversas porventura estabelecidas, mas sim os dados que se relacionem às mesmas e que sejam suficientes para identificar a localização dos seus interlocutores.
É por isso que o art. 13-B, § 2º, I, do CPP, de maneira expressa, dispõe que o sinal a ser obtido não permitirá o acesso ao conteúdo da comunicação. Isso porque, para que seja obtido o teor das conversas, deve ser providenciada a autorização judicial específica para tanto, diante do que dispõe o art. 5º, XII, da Constituição Federal, e a Lei 9296/96.
O art. 13-B, § 2º, II e III, do CPP, trata dos períodos de abrangência da medida judicial que busca os dados, adotando uma lógica um tanto quanto confusa. Isso porque se estabelece o período não superior a 30 (trinta) dias, renovável por uma única vez, por igual período e, depois, se afirma que será necessária ordem judicial para que a medida atinja períodos superiores. O dispositivo deve ser interpretado de maneira razoável para que tais dispositivos possam ser compatibilizados. Nesse sentido, a decisão judicial, a princípio, pode fixar o prazo de até 30 dias. Caso seja necessária a sua ampliação, deve o juiz, através de uma segunda decisão, renovar o prazo por até outros 30 dias. Por fim, caso ainda persista a necessidade, o juiz deve prorrogá-lo através de outras decisões cujos prazo igualmente não extrapolem o período de 30 dias.
É possível interpretar o art. 13-B, § 2º, II e III, do CPP, levando em conta o § 4º do mesmo dispositivo, o qual autoriza que o Ministério Público e a autoridade policial dispensem a autorização judicial e atuem diretamente, com o que não concordamos pelos motivos que serão abaixo expostos. De toda maneira, para aqueles que entendem aplicável o art. 13-B, § 4º, do CPP, o período inicial de 30 dias e a sua renovação, previstos no art. 13-B, § 2º, II, do CPP, poderiam ser determinados diretamente pelo Ministério Público e pelo delegado de polícia, apenas exigindo-se a decisão judicial para os períodos subsequentes, já que o art. 13-B, § 2º, III, do CPP, é expresso neste sentido
O art. 13-B, § 3º, do CPP, dispõe que o inquérito policial deve ser instaurado em até 72 horas depois do registro de ocorrência policial que ensejou a busca das informações já referidas. Não há maior problema envolvendo o dispositivo porque é possível que a situação fática exija a adoção de medidas urgentes, não podendo a burocracia que envolve a instauração do inquérito policial dificultar a obtenção dos dados.
O problema maior existe no art. 13-B, § 4º, do CPP, que é inconstitucional na nossa opinião porque claramente viola o princípio da razoabilidade. Convém registrar que a doutrina se divide quanto ao tema, ora reconhecendo a inconstitucionalidade[3] do dispositivo, ora reconhecendo a sua constitucionalidade[4].
O referido dispositivo fixa o prazo de 12 horas para a manifestação judicial. Diante da urgência que possa existir, mostra-se coerente o prazo mencionado, não sendo este o ponto inconstitucional. A questão problemática decorre do fato de o legislador autorizar o Ministério Público e o delegado de polícia a requisitar diretamente as informações perseguidas, caso o juiz não observe o prazo de 12 horas aludido. Isso não faz qualquer sentido porque o art. 13-B, caput, do CPP, reconhece que a matéria deve ser submetida ao exame judicial, naturalmente diante de sua importância. Ocorre que, mesmo diante da reprovável inércia do juiz, a matéria continua a ter a mesma importância que necessitou do exame do Poder Judiciário. O legislador podia ter previsto alguma sanção disciplinar ao juiz desidioso, o qual deixou de examinar o assunto tempestivamente. O legislador podia até mesmo ter previsto a caracterização de algum crime por parte do juiz desidioso. O legislador podia ter determinado a atuação do juiz tabelar no caso de o juiz inicialmente provocado ficar inerte. Mas, verdadeiramente, diante da inércia do juiz competente para o examinar o tema, há mecanismos processuais capazes de provocar as instâncias superiores, não se podendo simplesmente deixar de reconhecer a necessidade da intervenção judicial. O art. 13-B, § 4º, do CPP, compreende uma certa malcriação legislativa. É como se o legislador dissesse o seguinte: eu acho que o tema é tão importante que o juiz deve examinar, mas, se ele demorar, o Ministério Público e o delegado de polícia devem decidir diretamente para que o juiz aprenda a não ser moroso. Por fim, o fato de o Ministério Público e o delegado de polícia, após dispensarem a decisão judicial e decidirem diretamente, terem a obrigação de comunicar imediatamente o ocorrido ao juiz, conforme determina o art. 13-B, § 4º, parte final, do CPP, na nossa opinião, em nada afasta a inconstitucionalidade mencionada.
Notas e Referências
[1] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 168.
[2] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal brasileiro. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 176.
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. São Paulo: Forense, 2017, p. 109.
[4] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 149.
Imagem Ilustrativa do Post: Statue of Justice - The Old Bailey // Foto de: Ronnie Macdonald // Sem alterações
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