COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ARTIGO 13-A

26/06/2020

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto 

Ouça aqui a leitura do artigo!

Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.

Art. 13-A.  Nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no § 3º do art. 158 e no art. 159 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e no art. 239 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos.

Parágrafo único. A requisição, que será atendida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, conterá:           

I - o nome da autoridade requisitante;            

II - o número do inquérito policial; e            

III - a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação.           

O art. 13-A foi inserido no CPP pela Lei 13344/16, a qual entrou em vigor no dia 21 de novembro de 2016, dispondo sobre a prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas. A referida lei também trouxe outras mudanças importantes no Código Penal, alterando o art. 83, V, que trata do livramento condicional, inserindo o art. 149-A, que trata do crime de tráfico de pessoas, revogando o art. 231, que tratava do tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual, e revogando o art. 231-A do CP, que trata do tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual. 

Desde logo, é importante registrar que o art. 13-A do CPP estabelece uma regra a ser aplicada com relação a determinados crimes específicos, quais sejam, aqueles previstos nos artigos 148, 149, 149-A, 158, § 3º, e 159 do Código Penal, e aquele previsto no art. 239 da Lei 8069/90. Portanto, é conveniente lembrar o que preveem tais dispositivos. O art. 148 do CP trata do crime de sequestro ou cárcere privado, prevendo a conduta de privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado, sendo certo que os seus §§ 1º e 2º preveem qualificadoras às quais se aplica o dispositivo processual em destaque. O art. 149 do CP trata do crime de redução à condição análoga à de escravo, prevendo a conduta de reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, impondo-se a aplicação da lei processual também aos seus §§ 1º e 2º. O art. 149-A do CP trata do crime de tráfico de pessoas, prevendo a conduta de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo, submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo, submetê-la a qualquer tipo de servidão, adoção ilegal ou exploração sexual, aplicando-se o dispositivo processual também aos seus §§ 2º e 3º. O art. 158, § 3º, do CP, trata do crime de extorsão qualificada, prevendo a conduta de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa, sendo o crime cometido mediante a restrição da liberdade da vítima e sendo essa condição necessária para a obtenção da vantagem econômico. Repare-se que apenas a extorsão qualificada se submete à disciplina da norma processual em destaque, a qual não se aplica à extorsão simples, ainda que incida a causa de aumento de pena prevista no referido dispositivo. O art. 159 do CP trata do crime de extorsão mediante sequestro, prevendo a conduta de sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate, aplicando-se a lei processual também aos seus §§ 1º a 4º. Por fim, o art. 239, da Lei 8069/90, prevê a conduta de promover ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de criança ou adolescente para o exterior com inobservância das formalidades legais ou com o fito de obter lucro, aplicando-se a norma processual em destaque também ao seu parágrafo único.

Somente nesses casos o art. 13-A do CPP autoriza o Ministério Público e o delegado de polícia a requisitar dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos. Para tanto, as requisições podem ser dirigidas a qualquer órgão público ou empresa de iniciativa privada.

A doutrina define órgão público como os centros de competência instituídos para o desempenho de funções estatais, através de seus agentes, cuja atuação é imputada à pessoa jurídica a que pertence[1], não havendo maior complexidade neste ponto.

Por outro lado, é conveniente lembrar que a doutrina define a empresa como sendo a unidade econômica de produção ou a atividade econômica unitariamente estruturada para a produção ou circulação de bens ou serviços[2]. Além disso, o art. 966, caput, do Código Civil, dispõe que se considera empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, sendo certo que o parágrafo único do mencionado dispositivo exclui do conceito de empresário aquele que exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Não obstante a restrição que a doutrina e a própria lei fazem ao conceito de empresário, na nossa ótica, a expressão empresa da iniciativa privada utilizada pelo art. 13-A, caput, do CPP, deve ser interpretada da forma mais abrangente possível, não se restringindo às limitações próprias do Direito Empresarial. Portanto, ainda que a pessoa jurídica de direito privado não cumpra os requisitos legais para a caracterização de uma empresa propriamente dita, a norma processual em destaque deve abarcá-la. Em outras palavras, a pessoa jurídica de direito privado que não se caracterize propriamente como empresa também está obrigada a atender as requisições do Ministério Público e do delegado de polícia. É oportuno registrar que o art. 44 do Código Civil elenca como pessoas jurídicas de direito privado as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada, sendo certo que todas elas devem ser abarcadas pelo comando do art. 13-A, caput, do CPP.

Também é importante salientar que a requisição do Ministério Público ou do delegado de polícia deve se limitar a dados e informações cadastrais da vítima ou de suspeitos, os quais abrangem, por exemplo, o nome, a nacionalidade, a naturalidade, a data de nascimento, o estado civil, a profissão, a identidade, o CPF, a filiação e o endereço.

Veja-se que há outros dispositivos no ordenamento jurídico que contém a mesma autorização. O art. 17-B, caput, da Lei 9613/98, que trata dos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, dispõe que a autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito. O art. 15, caput, da Lei 12850/13, que trata das organizações criminosas, dispõe que o delegado de polícia e o Ministério Público terão acesso, independentemente de autorização judicial, apenas aos dados cadastrais do investigado que informem exclusivamente a qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito.

Convém salientar que o art. 13-A, parágrafo único, do CPP, prevê os requisitos que devem constar na requisição a ser feita pelo Ministério Público ou pela autoridade policial, quais sejam, o nome da autoridade requisitante, o número do inquérito policial e a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação, não sendo necessária qualquer outra informação alusiva à investigação. Aliás, recomenda-se que a requisição se limite ao preenchimento de tais requisitos, seja para preservar intimidade da pessoa com relação à qual os dados são requisitados, a qual pode ter indevidamente a sua vida exposta, seja para preservar a própria investigação, a qual pode ser prejudicada com a divulgação indevida de informações.

É importante lembrar que a requisição tem o sentido de determinação, não se tratando de um mero pedido ou de uma mera solicitação. Isso significa que o Ministério Público e a autoridade policial, uma vez amparados pela legislação em vigor, determinam ao destinatário da requisição a prestação dos dados e informações da vítima ou de suspeitos, o que deve ser feito no prazo de 24 horas, conforme expressamente dispõe o art. 13-A, parágrafo único, do CPP. Considerando que não há um tipo penal específico para o caso de atraso ou mesmo para o caso de negativa por parte do destinatário da requisição, tais situações caracterizam o crime de desobediência, previsto no art. 330, caput, do CP, na medida em que tal dispositivo legal prevê a conduta de desobedecer a ordem legal de funcionário público.

Por fim, é preciso registrar que, na nossa ótica, a requisição de tais dados, feita diretamente pelo Ministério Público ou pela autoridade policial, não contraria qualquer norma constitucional. Neste ponto, cabe registrar a distinção que a doutrina[3] faz entre os chamados dados sensíveis e distantes. Os dados sensíveis dizem respeito mais de perto com os aspectos da vida íntima, como, por exemplo, a orientação sexual, a religião, a opção política e a vida familiar, De outro lado, os dados distantes não abordam a vida íntima propriamente dita, referindo-se às informações básicas, como, por exemplo, o nome, a filiação, a identidade e o endereço. Vale consignar, por mais uma vez, que a requisição tratada neste dispositivo se refere especificamente aos mencionados dados distantes, nada impedindo que sejam buscadas diretamente pelo Ministério Público e pela autoridade policial, dispensando-se a prévia autorização judicial.

 

Notas e Referências

[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 63.

[2] FREITAS, Aelton. Novo código civil brasileiro. Brasília: Gráfica do Senado, 2005, p. 46.

[3] SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 421.

 

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