Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto
Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.
Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.
§1º A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente.
§2º No relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas.
§3º Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz.
O art. 10, caput, do CPP, prevê os prazos a serem observados para o término do inquérito policial. Se o indiciado estiver preso, a investigação deve acabar em 10 dias. Se o indiciado estiver solto, a investigação deve acabar em 30 dias.
A redação do mencionado dispositivo pode levar o intérprete a erro. É que a distribuição das vírgulas feita pelo legislador pode provocar a conclusão no sentido de que a contagem do prazo no caso de prisão em flagrante é diferente da contagem do prazo no caso de prisão preventiva. Quando a lei processual afirma contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, é possível concluir que a hipótese referida apenas se refere ao preso preventivamente. Mas isso é um engano. Veja-se que em ambas as hipóteses, seja de prisão em flagrante, seja de prisão preventiva, o caso é de prazo penal porque se relaciona à prisão cautelar do indiciado. Logo, a contagem do prazo deve ser feita com base no art. 10, caput, do CP, segundo o qual o dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. É importante lembrar, por outro lado, que o prazo processual, que não se refere à prisão cautelar, deve ser contado conforme o art. 798, § 1º, do CPP, segundo o qual não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento.
Há, portanto, uma diferença significativa na contagem do prazo penal e do prazo processual. Por exemplo, se o indiciado for preso às 22h do dia 01/05, tendo sido a sua prisão temporária decretada por 5 dias, a contagem do prazo vai incluir o dia 01/05, ainda que o indiciado tenha ficado preso por apenas 2h nesse dia. Em se tratando de prazo penal, a contagem deve observar o art. 10, caput, do CP. Logo, o prazo encerrará às 24h do dia 05/05. Por exemplo, se a defesa for intimada às 17h do dia 01/05, para interpor o recurso de apelação, no prazo de 5 dias, esse dia não será computado. Em se tratando de prazo processual, a contagem deve observar o art. 798, § 1º, do CPP. Logo, o prazo encerrará às 24h do dia 06/05.
Além disso, é importante lembrar que o art. 3º-B, VIII, do CPP, trouxe uma novidade à lei processual, permitindo que o prazo de duração do inquérito policial seja prorrogado, de forma excepcional, por outros quinze dias. Isso significa que, no cômputo total, o prazo poderá ser estendido para vinte e cinco dias.
A consequência da extrapolação do prazo para o encerramento do inquérito policial no caso de indiciado preso é a caracterização da ilegalidade da prisão. Portanto, a prisão que era legal durante o prazo previsto pelo legislador se transforma em prisão ilegal, razão pela qual a mesma deve ser relaxada, por força do art. 5º, LXV, da Constituição Federal, segundo o qual a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária. Mas o relaxamento da prisão por conta do excesso de prazo na prisão cautelar não vicia as provas colhidas durante a investigação. Em outras palavras, a prisão deve ser relaxada e o indiciado deve ser solto, mas o Ministério Público pode utilizar as informações colhidas no inquérito policial para o oferecimento da denúncia, assim como a vítima, se for o caso, pode utilizar as informações colhidas no inquérito policial para o oferecimento da queixa-crime.
Convém registrar também que, no caso de indiciado solto, caso a investigação seja encerrada após 30 dias, haverá mera irregularidade, a qual, evidentemente, não impedirá que as informações colhidas no inquérito policial sejam utilizadas para o oferecimento da denúncia ou da queixa-crime.
O art. 10, § 1º, do CPP, determina que a autoridade policial faça um relatório ao final da investigação e encaminhe os autos ao juiz competente. O mencionado relatório deve consistir na indicação das diligências realizadas durante a investigação e das informações obtidas pela autoridade policial. Trata-se do momento adequado para o indiciamento do investigado, uma vez que a autoridade policial poderá registrar a sua conclusão no sentido da existência de justa causa em desfavor do investigado. É claro que o indiciamento não é obrigatório porque é possível que a autoridade policial conclua pela inexistência da justa causa e, por consequência, se manifeste pelo arquivamento dos autos. De outro lado, mesmo que haja indiciamento do investigado, a conclusão da autoridade policial não vincula o entendimento do Ministério Público. Isso significa que a autoridade policial pode indiciar o investigado e, de seu lado, o Ministério Público pode concluir pela inexistência de justa, ordenando o arquivamento dos autos. Da mesma forma, é possível que a autoridade policial se manifeste pelo arquivamento e, de seu lado, o Ministério Público entenda que existe justa causa e ofereça a denúncia. O mesmo raciocínio vale para o caso de ação penal de iniciativa privada, já que a vítima não fica vinculada pelo entendimento da autoridade policial, podendo oferecer a queixa-crime quando entender presente a justa causa, o que, evidentemente, será analisado pelo juiz no momento do juízo de admissibilidade da acusação.
Outro ponto relevante refere-se ao fato de o art. 10, § 1º, do CPP, determinar que a autoridade policial envie os autos ao juiz competente. Embora não haja propriamente uma inconstitucionalidade no dispositivo, há um equívoco logístico no mesmo. Isso porque o envio dos autos ao juiz competente apenas terá utilidade para o fim cartorário, ficando o envio registrado. Todavia, o juiz competente necessariamente enviará os autos ao Ministério Público, no caso de ação penal de iniciativa pública, ou aguardará a manifestação da vítima, no caso de ação penal de iniciativa privada. Nada mais fará o juiz. É por isso que se estabeleceu em alguns Estados, inclusive no Rio de Janeiro, outra dinâmica, segundo a qual a autoridade policial envia os autos do inquérito policial ao Ministério Público, mais especificamente às chamadas Centrais de Inquéritos. Assim sendo, os autos apenas chegam ao juiz após a manifestação do Ministério Público, seja com o oferecimento da denúncia, seja com algum requerimento que dependa de exame judicial.
O art. 10, § 2º, do CPP, dispõe que o relatório da autoridade policial pode sugerir oitivas de testemunhas. O referido dispositivo também autoriza que a autoridade policial se manifeste pela realização de quaisquer outras diligências, não se limitando a oitivas de testemunhas. Considerando os Estados que possuem as Centrais de Inquéritos, tal manifestação é dirigida ao Ministério Público, ao qual caberá a devolução dos autos à sede policial para prosseguimento das investigações, se for o caso.
O art. 10, § 3º, do CPP, reforça a possibilidade de continuidade da investigação. Embora o legislador processual apenas se refira ao fato de difícil elucidação, outros fatores de ordem prática também permitem essa dinâmica. Veja-se que é comum a autoridade policial não conseguir esgotar a investigação por diversos fatores, tais como o número excessivo de investigações ou a deficiente estrutura administrativa policial. É importante registrar que, nos Estados que possuem as Centrais de Inquéritos, o contato deve ser direto entre a autoridade policial e o Ministério Público, o qual deve indicar o prazo a ser observado para a realização das ulteriores diligências. Consigne-se, por mais uma vez, que não cabe ao juiz, em regra, intervir na fase investigatória, devendo a sua atuação ser restritiva àquelas matérias que impõem a sua análise e a sua decisão.
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