Muitos pensadores do Brasil avaliam que não nos bussolamos por ideologias políticas. Nossas relações de poder seriam desvinculadas de ideias e de ideais, nossas organizações partidárias desprezariam doutrinas.
Se consideramos as grandes matrizes que se espraiaram como muita doutrina e pouca prática pelo Ocidente no século passado, é de se concordar. Nem o liberalismo nem o socialismo nos informaram a realidade política.
Jamais fomos liberais como o foram os revolucionários do Iluminismo. Nunca pensamos, fora do mundo universitário e no seio de alguns sindicatos, como socialistas, muito menos como comunistas.
Nós tivemos inspiração e relações concretas de poder baseadas em outras ideologias, talvez não consideradas como tal porque não são academicamente assim referidas: somos católicos, mandonistas, insolidaristas.
O catolicismo é a matriz ibérica, logo portuguesa, então brasileira. A ideologia católica lê e explica o mundo como um lugar de subserviência à divindade. Seja, a vontade não é do sujeito, mas do seu senhor divino.
Isso nos constituiu como pedintes e esperançosos. Nós nos alheamos da História como acontecimento sob responsabilidade humana. O “seja o que deus quiser” expulsa o “vamos à luta”, ou o “tem que botar a mão na massa”.
Nosso catolicismo colonial era associado e emprestava legitimidade a um sistema de poder que foi, primeiro, monárquico (ou imperial) centralizado; depois, dividido com o mandonismo latifundiário de nossos rincões.
Saímos do poder imperial para o poder dos coronéis. Mesmo o nosso formato de república inspirado no positivismo que os militares adotavam como conceito e orientação à prática sucumbiu à estrutura coronelista de poder.
O dístico ordem e progresso nunca fez sentido geral. A ordem nos caiu como rígida hierarquia social (“sabes com quem estás falando”?). O progresso nós alcançamos, mas ele é por demais peculiar, ou, melhor, particular.
Somos a 9a maior economia do mundo (a corrupção lulopetista nos fez perder três posições). Ao mesmo tempo, somos a 14a pior distribuição de renda entre todos os países. Quer dizer, somos ricos, porém somos injustos.
Talvez do tanto de rigor nas nossas históricas distinções sociais e dessa tradição tão desonesta no compartilhamento dos ganhos do País tenhamos sobrado com a acentuada insolidariedade em que vivemos. Somos “cada um na sua”.
Não somos solidários. Somos marcantemente individualistas. Não percebemos que nossas dificuldades próprias decorrem em bom tanto dos problemas gerais. Não temos tradição (e talvez nenhuma vontade) de articulação comunitária.
Praticamos confiança de compadrio (cordialidade, jeitinhos pessoais), fazemos vida social e política de afetos (Sergio Buarque de Holanda), pensamos em acertos particulares (do que, em muito, decorre nossa corrupção).
O custo dos nossos desábitos de cooperação é alto: não formamos sinergia. A falta de espírito público nos faz desinteressados da vida política. Não nos preocupam os partidos, que são, afinal, agremiações coletivas.
Sem relações interpessoais, sem coletividade, a ideia de nação é mera abstração. Sem nação articulada, o Estado converte-se, como o é no Brasil, em uma burocracia recolhida a si mesma, despegada da vontade geral.
Carentes da vontade geral enunciada politicamente, somos esperançados de um salvador. O salvacionismo personalista, demagogo e populista de quando em vez nos visita, repete-se e se vai. Estamos em transição de um caso.
Freud nos perguntaria: “Qual a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa?”. Bem, a civilização do Brasil (incluídos seus sintomas) é, ou deveria ser, encargo dos brasileiros. Brasileiros, no plural.
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