Se algo restou de laico do trâmite do processo, foi o fato de o Estado, via Supremo Tribunal Federal, em votação discutida e com resultado espremido, ter sido a entidade decisória, e não uma igreja qualquer.
Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal decidiu ontem que os professores de escolas públicas podem pregar suas crenças religiosas na sala de aula. A ação foi proposta pela Procuradoria Geral da República.
Crentes discursando divinizações para crianças é um atentado à civilização ocidental. Retrocedemos a um tempo histórico anterior ao Iluminismo, o maior enfrentamento à mentalidade religiosa de todos os tempos.
Hélio Schwartsman (FSP, 30set17, editado) resume a questão: “O Supremo Tribunal Federal cometeu um pequeno crime contra a garotada ao autorizar o ensino religioso de caráter confessional nas escolas públicas brasileiras.
A substituição do ensino confessional por uma abordagem histórico-antropológica permitiria uma interpretação mais harmônica do art. 210 combinado com o art. 19 da Constituição, que estabelece o princípio do Estado laico.
O que estava em jogo nunca foi a liberdade de expressão do professor, irredutível, mas sim o currículo oficial e a forma de recrutamento dos mestres, de modo a evitar o loteamento da disciplina entre igrejas mais atuantes.
Na publicidade de suas doutrinas, as religiões desenvolveram uma complexa rede de captura de fiéis que inclui pregadores individuais, propaganda boca a boca, canais de rádio e TV, cursos de catecismo, escolas dominicais etc.
Não há necessidade de dar às igrejas um púlpito nas escolas públicas. Nesse contexto, ao permitir que igrejas se apropriem de vagas de professor e de horas de aula, o STF perpetrou um delito de lesa-pedagogia.
O imbróglio é uma herança petista (governo Lula, 2010), de uma esquerda alicerçada em compromissos com os fundamentos ideológicos da direita, incluindo alinhamento internacional contratado com uma multinacional da fé.
Um decreto promulgou acordo entre o Brasil e o Vaticano, o qual prevê que o “ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas” constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
Eis a nossa (des)razão: um sincretismo de visões de mundo incidindo sobre crianças condenadas a conciliar divagações sobre criacionismo com aulas de ciências que discorrerão, se não censuradas, sobre evolução.
Esse caldo de concepções talvez nos desavisem, mas: “Os cortes orçamentários em Ciência e Tecnologia ‘comprometem seriamente o futuro do Brasil’ e precisam ser revistos ‘antes que seja tarde demais”.
Este é o triste diagnóstico de “um grupo de 23 ganhadores do Prêmio Nobel, que enviou uma carta ao presidente Michel Temer, recomendando mudanças na postura do governo com relação ao setor.”
E arrematam: “‘Isso danificará o Brasil por muitos anos, com o desmantelamento de grupos de pesquisa e uma fuga de cérebros que afetará os melhores jovens cientistas’ do País” (Herton Escobar, Estadão\Exame, 30set17).
Somam-se outras notícias que parecem dissociadas da mentalidade religiosa, mas são de fundo comum: o orçamento para Ciência e Tecnologia é o menor de todos os tempos, e os recursos estão contingenciados.
Decisões sobre verbas: não será difícil compreender sobre a urgência de alocar recursos para aulas de religião. Em época eleitoral, o agrado aos deuses é meio de atração ao povo tão preocupado com o saber da Nação.
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