Por Mayra Matuck – 02/02/2017
“Dinheiro é tempo de vida transformado em moeda”
Millôr Fernandes
Conceito de título de crédito
Título de crédito é um documento formal, com força executiva, representativo de dívida líquida e certa, com circulação desvinculada do negócio que originou. São títulos de crédito a letra de câmbio, a nota promissória, as duplicatas e o cheque.
Origem e apresentação do Cheque
Conforme ensina o professor Pedro Henrique Benatto, “Cheque é uma ordem de pagamento à vista, emitida contra um banco, considerando a provisão de fundos suficientes”.
Origens do cheque
A origem do cheque coincide com a história da letra de câmbio. Ambos possuem raízes em outros documentos representativos de ordens de pagamento que circularam na Idade-Média. Discorrendo a respeito do cheque, Frederico da Costa Carvalho Neto, conta que “há controvérsia com relação a sua origem, à medida que alguns documentos exerceram a mesma função do cheque, uma ordem de pagamento a terceiro. Consenso existe com relação a semelhança de ordens de pagamento que na segunda metade da Idade-Média circulavam e vinculavam aqueles que nela intervinham. Esses documentos foram denominados na Itália de ‘polizze notata fede’ e na Inglaterra de ‘bills of saccario’. Foi na Inglaterra que o cheque ganhou suas características atuais tendo sido incorporado nos Estados Unidos e em outros países. (Nulidade da Nota Promissória Dada em Garantia nos Contratos Bancários. São Paulo, Juarez de Oliveira, 2003, p. 63-64). No mesmo sentido, Rubens Requião sustenta que a Inglaterra é o berço do cheque e sua origem se deu como uma variante da letra de câmbio. Com a criação do Banco da Inglaterra em 1694, abriu-se uma nova era aos negócios jurídicos bancários. A Lei de 1742 deu ao Banco da Inglaterra o monopólio dos bilhetes pagáveis à vista ao portador. Surgiu o cheque, mediante expediente que fugisse à lei monopolizante: em vez de emitirem bilhetes pagáveis à vista ou ao portador, os banqueiros de Londres inscreviam o crédito dos clientes e entregavam caderninhos contendo fórmulas aos clientes.
“A diferenciação entre o título cambiário e o cheque foi solução técnica portuguesa em 1833”
p. 121, do livro: Manual de Direito Comercial & de Empresa
O Plano Real e a circulação do cheque
O art. 69 da Lei 9.069/95 dispôs sobre o Plano Real. A partir de 1º de julho de 1994, tornou-se obrigatória a identificação do beneficiário do cheque com valor superior a R$ 100,00. Assim, a maioria dos cheques colocados em circulação fica obrigatoriamente na modalidade nominativa. Por sua vez, o cheque nominativo admite o endosso, que deve ser lançado na forma pura e simples, caso contrário, poderá ser considerado como cessão de crédito. Abaixo são colocadas as diferenças entre endosso e cessão de crédito:
Pressupostos de emissão do chequeVela frisar, que nos dias atuais a transferência on-line e o cheque-viagem cumprem superiormente tais funções acima colocadas, tornando rara a emissão de mais de um exemplar de cheque para uma única declaração cambiária.
a. O saque contra o banco;
b. Provisão de fundos.
Figuras do cheque
O ato da emissão do cheque engloba três figuras: o sacador (que mantém contrato de conta corrente em Instituição Financeira), o sacado, que é sempre uma Instituição Financeira e o beneficiário, que é a pessoa indicada nominalmente no cheque para receber quantia. Este beneficiário poderá ou não transmitir o crédito a terceiro.
Aval
Considera-se aval qualquer assinatura no anverso do cheque, além da do emitente. A omissão do avalizado faz presumir que o cheque foi dado a favor do emitente.
Identidade do Cheque com a Letra de Câmbio
O cheque possui características semelhantes à Letra de Câmbio. Ambos são ordens de pagamento e podem ser emitidos ao portador internacionalmente. Mas divergem nos quesitos: o cheque é sempre emitido à vista, pois é prestação em dinheiro, o sacado pode ser somente a Instituição Financeira. Já a letra de câmbio pode ser emitida a prazo, é ordem de pagamento e pode ser emitida contra pessoa não integrante do sistema financeiro, empresária ou pessoa física.
Conceito e natureza jurídica
Cheque é ordem de pagamento à vista, emitida por pessoa física ou jurídica, em favor próprio ou de terceiro, contra instituição financeira, com a qual o emitente mantém contrato que a autoriza dispor de fundos existentes em conta corrente. É um título que possui liquidez, certeza e exigibilidade. Caracteriza-se por ser um título:
a) Título Executivo:o possuidor pode promover ação de execução visando receber a prestação contra o emitente e seu avalista, os endossantes e seus avalistas. A recusa pode ser comprovada por protesto ou declaração do sacado, escrita e datada sobre o cheque, com indicação do dia de apresentação, por declaração escrita e datada por câmara de compensação. Fundamento: art. 47 da Lei 7. 357/85 (Lei Uniforme Relativa ao Cheque – LC).
Conforme dispõe os arts. 1º e 2º da Lei 7.357/85, são pressupostos formais do cheque:
I- a denominação “cheque” inscrita no contexto do título expressa na língua em que este é redigido;
II- a ordem incondicional de pagar quantia determinada;
III- o nome da Instituição Financeira que deve pagar (sacado);
IV- a indicação do lugar de pagamento;
V- a indicação da data e do lugar da emissão;
VI- a assinatura do emitente (sacador) ou de seu mandatário com poderes especiais;
Par. único: a assinatura do emitente ou de seu mandatário com poderes especiais pode ser constituída, na forma da legislação específica, por chancela mecânica ou processo equivalente.
A exigibilidade do cheque implica considerar se o título encontra-se presentemente sujeito a condição ou a termo, se o exercício do direito de execução encontra-se no aguardo da ocorrência de evento futuro e incerto (condição do art. 121, CC) ou a limite temporal estabelecido no próprio título (termo 131, CC).
b) Título Formal:sua emissão se dá em modelo padrão, em papel fornecido pela sacada, em concordância com as fixadas pelo Banco Central do Brasil.
c) Título Autônomo:o possuidor atual do cheque goza de direito próprio, não vinculado a relação jurídica que lhe deu origem, não se corrompe ou nulifica com as causas anteriores que envolveram as relações jurídicas entre os possuidores precedentes. Ex: Ana adquire produtos em supermercado e paga sua compra com cheque no valor de R$ 600,00. O gerente do supermercado transmite o cheque, por endosso, ao fornecedor de seus produtos. O fornecedor, por sua vez, paga seu produtor-agrícola. Colocado em cobrança, o cheque volta sem fundos para Ana, em ação de execução promovida pelo produtor agrícola, invoca a existência de compensação, decorrente de crédito que possui no supermercado. Nesse exemplo hipotético verifica-se: (i) a primeira obrigação decorre de relação jurídica entre a consumidora Ana e o supermercado; (ii) a segunda relação jurídica decorre entre o supermercado e seu fornecedor; (iii) a terceira relação jurídica decorre entre o fornecedor do supermercado e seu produtor agrícola.
e d) de prestação em dinheiro: o cheque traz prestação em dinheiro por quantia certa, não se contrata com coisa infungível.
Legislação
São diplomas legais a respeito do cheque:
Além desses acima mencionados, o Banco Central do Brasil, possui uma lista de resoluções, portarias, instruções normativas e circulares:Conflito de normas a respeito do cheque
A Lei Brasileira n 7.357/85 e a Lei Uniforme (Decreto 57.595/66) divergem quanto ao prazo para a apresentação do cheque: o art. 29 da Lei Uniforme indica os prazos de 8,20 e 70 dias conforme local de pagamento. Já na Lei Brasileira, o art. 33 estabelece o prazo de 30 ou 60 dias levando em conta somente a identidade ou divergência entre o local de pagamento e a emissão do cheque.
Cheque sem indicação de lugar de pagamento
Pela LUC, havendo total omissão, o cheque é pagável no lugar em que o sacado tem o seu estabelecimento principal. Pela LC, impõe o pagamento no lugar de sua emissão.
Cheque cruzado
O cheque cruzado engloba duas linhas paralelas no anverso com o intuito de restringir a circulação, pois os traços indicam que o pagamento somente poderá ser a um banco, conforme artigos 44 e 45 da Lei do Cheque. A LUC admite cheques cruzados (art. 37), cruzamento geral e especial (art. 38) e para levar em conta (art. 39). A LC trata de todas essas modalidades em seus artigos 44 e 45.
Exigência de protesto ou declaração equivalente
A matéria é regulada pelo art. 47 da Lei Brasileira que estabelece a suficiência para a execução da declaração do sacado, escrita e datada sobre o cheque, com indicação do dia da apresentação ou por declaração escrita e datada por câmara de compensação. Essas declarações dispensam o protesto. A execução independe do protesto e da declaração do sacado ou da câmara de compensação se a apresentação ou pagamento do cheque são obstados pelo fato de o sacado ter sido submetido a intervenção, liquidação extrajudicial ou falência.
Ação de enriquecimento sem causa
A LC adotou a prescrição em dois anos contados do dia em que se consumou a prescrição do cheque (art. 61).
Qualidade de banqueiro
A definição de Instituição Financeira encontra-se no art. 17 da Lei 4.595/64, conforme redação abaixo reproduzida:
Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Parágrafo único: Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual.
Requisitos do cheque conforme a Lei 7.357/85 (Lei do Cheque):
a. Um documento que contenha todos os demais elementos do cheque, mas não contenha a palavra “cheque”, não pode ser admitido como tal, não se submetendo ao regime jurídico desse título.
b. A quantia do valor deve ser preenchida por algarismos e de modo por extenso. No entanto, caso haja divergência entre elas, considera-se a que representar menor quantia.
c. Na ausência de lugar designado, presume-se o pagamento no lugar da emissão. A lei autoriza que o pagamento se dê tanto em domicílio de terceiro como no do sacado (Instituição Financeira).
Revogação e oposição
Os motivos que justificam a revogação são vários, tais como: a perda do talonário, furto ou roubo de que o correntista tenha sido vítima, a impossibilidade de conhecer o destino do talão, ente outros. Desta forma, o correntista deve indicar a motivação no momento em que pede a revogação do cheque, ficando sujeito à responsabilidade por danos civis e criminais decorrentes da manifestação. Vale lembrar que o Brasil optou por admitir a revogação do cheque antes de expirado o prazo de apresentação, denominado de “sustação”.
Apresentação de cheque pré-datado fora do prazo
A apresentação de cheque pré-datado antes do prazo estipulado gera o dever de indenizar, presente no caso, a devolução do título por ausência de provisão de fundos. “A devolução de cheque pré-datado por insuficiência de fundos apresentado antes da data ajustada entre as partes constitui fato capaz de gerar prejuízo à ordem moral”. (REsp n 213.940/RJ, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, j. Em 29-6-2000, DJ, 21-8-2000, p. 124). A execução só é possível desde que o cheque tenha sido apresentado dentro do prazo de prescrição e comprovada a recusa de pagamento.
Notas e Referências:
FERNANDES, Millôr. A bíblia do caos. Porto Alegre, L&PM, 2014. p. 140.
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial & de Empresa: títulos de crédito e contratos empresariais. 5 Edição. Editora Saraiva. 2015. p. 115 – 150.
FUHRER, Cláudio Américo Maximilianus; FUHRER, Roberto Ernesto Maximiliano. Resumo de Direito Comercial (Empresarial). 45º Edição. Malheiros Editores. 2016. p. 77 e p. 83.
. . Mayra Matuck Sarak é estudante do 8º semestre do curso de Direito da FMU. . . .
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