Há quem acredite que o que pensa e faz é o padrão de pensar e fazer do mundo. Ao que não se encaixa no seu arquétipo, reage com estranheza ou desdém. São mentalidades primárias, limitadas aos costumes. O padrão nos limita a um cercadinho cheio de podes e não podes, ou de licenças e interditos. O ambiente vário é sempre mais valioso. A variedade cultural oferece opções e convida a experiências.
Atualmente, a maior parte dos cientistas sociais considera politicamente incorreto dizer que uma cultura é superior a outra. Podem-se reconhecer diferenças, não superioridades. Discrepo. Inadequado, é ignorar estágios culturais diversos e crer-se situado no topo do possível. Aliás, diversas culturas recebem ou mesmo buscam saberes novos para acrescentá-los aos seus ou até para substituí-los.
Há muitos modos de se entender uma sociedade. Observam-se costumes, tabus, rituais, comportamentos públicos e privados. O tratamento dispensado a crianças permite leituras, do mesmo modo que o relacionamento com a comida, o uso de adornos corporais ou os hábitos de higiene. Reflitamos sobre nós, sobre um costume generalizado nosso, mas que não me parece tão adequado assim.
Já contamos algumas gerações cultivando o salutar hábito de limpar a bunda após defecar. No início era o mato: ia-se ao mato, acocorava-se, evacuava-se e com mato se limpava. A bananeira foi uma evolução, a folha macia fez sucesso. O milho trouxe o sabugo. Limpar-se com sabugo predominou no tempo das latrinas, as casinhas no fundo do quintal, armadas sobre um buraco na terra, uma fossa.
Nesses cubículos, também ditos privadas, havia um assento de tábuas com um buraco ao centro, uma escavação no solo abaixo, um estoque de sabugos. As pessoas faziam o seu cocô, que se ia amontoando, fermentando e alimentando vermes. As galinhas comiam essa sopa vermicular, as pessoas comiam as galinhas. Domingo era dia de galinha. Ainda há latrinas, galinhas e domingos por aí.
Nos locais de trânsito, como restaurantes e hotéis de beira de estrada, e mesmo em ambientes urbanos, sofisticou-se o uso do sabugo. Amarrado a um barbante, ficava dentro de uma lata d'água. Era usado, sacudido na água e posto de molho para o próximo. Um sabugo de repetição. Porcos comiam o estrume. Após engordados, os porcos tornavam-se refeição. Foi assim até a chegada do papel de embrulho.
Trata-se de um papel pardo, espesso, usado para empacotar mercadorias nas vendas. Papel de embrulho e banheiro dentro de casa são da mesma época. O papel não descia pelo encanamento, então, havia um cesto para recepcioná-lo, onde ficava exposto, selado. Formigas e baratas gostavam disso, passeavam por ali e passeavam por outros lugares: pia, mesa, despensa, cama, toalha, roupa; até maquiagem.
Também teve sua importância, e ainda um pouco se o usa, o papel de jornal, posto à disposição em bares e restaurantes que ficaram no tempo. Mas importa dizer que vencemos o papel higiênico áspero e estamos na época do macio e hidrossolúvel. Contudo, mesmo ambientes sofisticados mantêm um cestinho para o papel. O papel hidrossolúvel, feito para ser jogado no vasoo, para ser levado com a descarga.
Pelos hábitos atuais, as pessoas usam o banheiro e, após aliviarem-se, tomam um pedaço de papel, esfregam o que sobrou para lá e para cá e saem faceiras. A menina vai, faz seu cocô, passa papel, põe a calcinha cravada e vai por aí. Isso esquenta, sua: um caldo de cultura para bactérias, fungos etc. Corrimento. O rapaz, nádegas grudadas, cueca suada; o cocô ali, não lavado, só esfregado. Fedor.
A maioria brasileira está nesse estágio, segura de que faz o mais apurado da civilização. Durante a Copa de Futebol, estrangeiros estranharam o cesto. Já é tempo. Merecemos ser apresentados à ducha higiênica ou ao bidê, baratinhos, nas boas casas do ramo. No futuro, quando a antropologia estudar nossos modos e costumes, dirá que evoluímos do sabugo, chegamos ao papel, mas faltou água e sabão.
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