Casamento não é assunto estatal – Por Léo Rosa de Andrade e Rideko Suzuki

20/06/2015

Liberté! O grito mais lindo da História, bradado na Revolução Francesa e dirigido contra os abusos do poder real, estabeleceu a esfera privada da vida dos indivíduos. Os ideários liberais então declarados revoaram pelos tempos e garantiram direitos fundamentais aos humanos somente pela condição de humanos serem.

Na classificação doutrinária, esses são os que se denominaram direitos de primeira geração. Seu objetivo era fincar a pilastra-mestre da liberdade do cidadão, garantindo que o Estado se mantivesse afastado de algumas questões concernentes à vida particular da pessoa, como a intimidade, a ideologia, a crença etc.

Nessa seara cabe analisar as interferências exercidas pelo Estado no âmbito do Direito de Família, já que sob a luz dos direitos constitucionais e da evolução dos modelos de formação familiar, as ingerências se mostram excessivas. Seja: o Estado constrange desnecessariamente formas relacionais afetivas que a Sociedade erige.

A Constituição Cidadã trouxe insculpido em seu bojo o direito à liberdade. E liberdade, mesmo na concepção tradicional de que é limitada nas bordas dos direitos alheios, garante que as pessoas tenham um campo em que possam transitar livremente, satisfazendo desejos, vivendo paixões, praticando atos que dão sentido à vida.

Dentro de um âmbito demarcadamente íntimo, as pessoas encontram amores, constroem laços e, tomadas por afeto, decidem formar famílias. E o fazem das mais variadas formas, nelas sendo, enquanto durem, felizes. Contudo, em desarrazoada atitude, o Estado insiste em definir como, com quem e com quantos se pode casar.

Ora, “o casamento reúne duas funções: uma contratual, com consequências jurídicas, fiscais e previdenciárias, e outra de reconhecimento social, com implicações para o status dos envolvidos. Esse duplo papel é um fóssil institucional, legado de uma época em que as pessoas pediam ao Estado licença para manter relações sexuais e procriar.

Com o avanço das liberdades individuais e dos direitos civis a partir do século 18, isso se tornou irrelevante. Para o Estado, só faz sentido regular as relações jurídicas decorrentes das uniões. Os demais aspectos independem do beneplácito oficial” (Privatizar o casamento, FSP, 02maio15, editado).

Quer dizer, o Estado deveria manter-se afastado desses assuntos, pois interfere desnecessariamente na liberdade íntima do cidadão. Mesmo com o esgotamento da herança patriarcal e do controle religioso sobre a união de corpos, ainda impõem-se modos de convivência que vigoram em estado de caducidade.

Resta que além de ferir a dimensão mais particular de uma pessoa, que é sua vida afetiva, a interferência estatal também afronta o direito à igualdade, tendo em vista que a parcela da Sociedade que adere ao modelo tradicional de família goza de efeitos do casamento dos quais a outra parcela fica excluída.

O Estado, ainda reagindo às construções familiares que a Sociedade inventa para cultivar seus afetos, usa como critério para conceder a tutela do casamento requisitos que já não fazem sentido na época presente, como a formação de homem e mulher, a monogamia, a intenção de perenidade etc.

É tão patente que isto já não faz sentido, que o número de dissoluções e decorrentes recomposições familiares só vem fazendo crescer (Número de divórcios no Brasil é o maior desde 1984, diz IBGE- http://goo.gl/QlDLy), ao tempo mesmo em que se busca na Justiça o reconhecimento de diversas outras formas de se viver em comum.

Definitivamente, não é o modelo que mantém uma família. Em tempos de solturas sociais, os afetos são o principal ingrediente a unir pessoas ao seu gosto mais íntimo, permitindo que se persiga, alcance, goze e desfaça um casamento feliz. E, como o Direito não regula sentimento, felicidade não cabe em conformidades legais.


 

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