A prestação de saúde aos brasileiros poderá ser fortemente abalada se for aprovada a Proposta de Emenda Constitucional – PEC 241/2016 que permitirá o congelamento dos gastos mínimos em saúde nos próximos 20 (vinte) anos.
Tal proposta, de duvidosa constitucionalidade, é somada a várias outras políticas empreendidas sob o argumento da necessidade de ajustar as contas públicas. E tudo é realizado como se a saúde estivesse no mesmo patamar de importância de outras despesas governamentais menos relevantes (publicidade, fundo partidário, renúncias fiscais, entre outras).
Este tema e inúmeras outras questões que envolvem o direito à saúde foram objeto de intenso debate entre os 500 participantes do 4º Congresso Brasileiro Médico e Jurídico realizado na cidade de Vitória/ES entre os dias 24 a 26 de agosto de 2016.
Neste evento foi produzido o seguinte documento que materializa propostas para a concretização do direito à saúde:
Carta de VITÓRIA
Nós, participantes do 4º Congresso Brasileiro Médico e Jurídico, reunidos em Vitória/ES entre 24 e 26 de agosto de 2016, aprovamos a seguinte carta com o propósito de auxiliar na construção de um sistema de saúde justo e adequado, nos seguintes termos:
- Financiamento.
O dever de gasto mínimo em ações e serviços públicos de saúde (ASPS) previsto no artigo 198 da Constituição não é apenas uma equação matemática que vincula porcentual da receita a um determinado conjunto aleatório de despesas. Há conteúdo e finalidades substantivas a serem cumpridos por meio do dever de aplicação mínima de recursos em saúde, dentro de um arranjo federativo que prima pela redução das disparidades regionais e pelo rateio equilibrado das responsabilidades e receitas entre os entes.
No nosso ordenamento, a primária fonte do que deveria ser o conteúdo material do piso em ações e serviços públicos de saúde (quiçá “mínimo existencial”) reside na pactuação das obrigações e responsabilidades de cada ente da federação no SUS por meio das Comissões Intergestores Tripartite e Bipartite, posteriormente aprovada pelos conselhos de saúde, ao que se somam os planos nacional, estaduais e municipais de saúde.
Diante de tal compreensão sistêmica, cabe lembrar que as receitas vinculadas à seguridade social e o piso de gasto em saúde é instrumento de proteção orçamentário-financeira de direito que não pode ser minorado ou negado sob o pálio da Constituição de 1988.
- Políticas públicas de saúde.
É premente a melhoria das políticas públicas de saúde, com a qualificação da gestão e da qualidade dos serviços prestados, em todos os níveis e esferas.
Em que pese a natural limitação de recursos, cabe ao Estado conferir melhor tratamento à população, principalmente aos mais necessitados, a fim de reduzir as angústias decorrentes dos problemas de saúde.
A integralidade, a universalidade e os demais princípios que orientam o núcleo essencial do direito fundamental à saúde exigem maior respeito por parte do Estado, sob pena de tornar letra morta os direitos e as garantias asseguradas no texto da Constituição, sendo indispensável que as políticas de saúde já previstas no Sistema Único sejam efetiva, adequada e tempestivamente prestadas pelo Estado brasileiro.
- CONITEC.
A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – Conitec desempenha papel de extrema importância para a melhoria da saúde brasileira, devendo-se respeitar suas deliberações nas instâncias administrativa e judicial. As análises para incorporação de novas tecnologias exigem estrutura adequada e independência funcional, a fim de bem desempenhar sua função com celeridade e imparcialidade quanto aos estudos de novas tecnologias em saúde, constituição ou alteração de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas - PCDT.
- Medicina Baseada em Evidências - MBE.
A Medicina Baseada em Evidências – MBE é um poderoso instrumento para qualificar o sistema de saúde no Brasil. Fomenta a ideia de prestígio às tecnologias em saúde que apresentem comprovação científica da sua eficácia, segurança, eficiência e custo-efetividade.
A MBE deve ser adotada com maior ênfase pelos atores do sistema de saúde, bem como pelos atores do sistema de Justiça, na qualificação da judicialização da saúde.
- Tecnologias.
União, Estados, Distrito Federal e Municípios devem ampliar o uso da Tecnologia da Informação – TI para facilitar, agilizar, fiscalizar e aperfeiçoar as atividades no sistema de saúde, permitindo maior celeridade e eficiência na prestação dos serviços.
- Federalismo na saúde.
Cabe ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo Federal maior atuação na concretização do federalismo na saúde. É indispensável o fomento a redes de atuação que permitam o diálogo imediato e a troca de informações e de experiências entre os órgãos federais, estaduais, distrital e municipais de saúde pública. O isolacionismo no SUS causa enorme prejuízo à população. A formação de Consórcios Estaduais ou Regionais é iniciativa que deve ser amparada, divulgada e implementada pelo Poder Executivo, como ferramenta de gestão, de economia, de transparência e de eficiência na aquisição de medicamentos.
Igualmente, é indispensável conferir-se maior agilidade aos processos administrativos de ressarcimento entre os entes públicos, principalmente em decorrência das condenações na judicialização da saúde, sob pena de agravar ainda mais a dificuldade orçamentária dos Municípios e dos Estados.
- Judicialização da saúde.
O acesso à Justiça é cláusula pétrea, cabendo ao Judiciário o controle equilibrado e sem excessos da atuação dos entes públicos e das operadoras de planos de saúde. Deve-se fomentar, assim: (a) a racionalização da judicialização da saúde; (b) a adoção dos meios alternativos de resolução de litígios, como a mediação e a conciliação; (c) a atuação cooperativa dos atores e das instituições do sistema de Justiça e do sistema de Saúde.
- ANVISA.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária é autarquia que merece mais atenção do Poder Executivo a fim de permitir maior agilidade nas suas atividades, seja com a ampliação da sua estrutura física e de pessoal, seja com a agilização da atividade de controle sanitário de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária.
- Parcerias.
Com o reconhecimento da constitucionalidade das parcerias no setor de saúde pelo STF (ADI 1923 e RE 581.488), cumpre ao Poder Público e às entidades parceiras incorporar a seus instrumentos de ajuste, em especial o contrato de gestão e a concessão administrativa, mecanismos de controle e transparência que permitam à população o acompanhamento dos resultados obtidos, bem como a comparação entre os diversos provedores.
Nesse sentido, somam-se às recomendações acima expressas:
- O repensar da Judicialização da Saúde envolve a valorização das instâncias de incorporação de tecnologia, como CONITEC; Núcleos de Apoio Técnicos dos Tribunais, Medicina Baseada em Evidências, protocolos clínicos e os meios não judiciais de solução de conflitos;
- O direito à saúde é marcado por vocação expansiva, a denotar tanto a constante renovação de seu sentido, quanto à necessidade constante de refletir (e estabelecer) seus limites;
- Mecanismos de otimização de dispensação de medicamentos, inclusive os adquiridos em demandas judiciais, tais como o fracionamento de medicamentos (com a utilização de embalagens menores, com quantidades mais adequadas às necessidades) e a permissão de utilização de excesso de medicamentos para outros pacientes (aproveitando-se o medicamento obtido para um paciente em quantidade além de que necessita em favor de outro), visando reduzir o desperdício.
- A discussão sobre o acesso à saúde não pode ser limitada à redução de custos, mas também ao próprio arranjo federativo, ao respeito do piso constitucional em todos os níveis e ao processo de elaboração e execução das leis orçamentárias.
- As listas de preços máximos de medicamentos estão a exigir revisão, dada a existência de discrepância elevada de valores entre aqueles praticados pelo mercado e os valores listados.
- Reconhecer a necessidade de criação de lista de preços máximos de OPME, mediante a aprovação do Projeto de Lei nº 17/2015, do Senado Federal, de regulação deste mercado.
Tais medidas são indispensáveis para a concretização do direito fundamental à saúde, da democracia e da universalidade do SUS.
A Carta de Vitória merece destaque e ampla divulgação, pois se trata de importante instrumento criado para disseminar a ideia da importância da ampliação das políticas públicas de saúde no Brasil.
Imagem Ilustrativa do Post: Saúde // Foto de: Adreson Vita Sá // Sem alterações
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