Às vezes me pergunto: nós paramos para pensar sobre o que pensamos? Simples assim: por que será que creio nas coisas em que acredito? Como as ideias que estão na minha cabeça entraram e se instalaram em mim? Será que meu intelecto está informado com os avanços do saber do mundo, ou eu permaneço com concepções vulgares que se vêm reproduzindo pelos tempos por mero impulso de hábitos, sem qualquer reflexão percuciente?
A minha subjetividade cognitiva compreende, lê ou interpreta, a seu modo, as coisas que estão no mundo. Já, outra pessoa compreende o mundo de maneira diversa. Donde vem o meu “jeito” de compreender? Donde vem o “jeito” do\a outro\a? Quem tem razão? Isso pode ser pensado de um\a para outro\a indivíduo\a ou em dimensão civilizatória: imagine o certo e o errado na criação do\as filho\as, pense o certo e o errado para cristão\ãs e muçulmano\as.
Entre indivíduo\as há discordâncias, mas dificilmente se mata por opinião. Ainda que meu vizinho\a cuide pessimamente do\as filho\as, não vou matá-lo\a por isso, mesmo que me ocorra fazê-lo. Agora, muçulmano\as e cristão\ãs vêm se matando há séculos apenas por ideias. Os\as muçulmanos\as creem em umas coisas (que eu considero inacreditáveis) e os\as cristãos\ãs creem em outras (para mim, igualmente, não críveis) e não se cansam, em nome de suas “verdades”, de se massacrarem mutualmente.
De um ou de outro credo, os\as sujeitos\as crentes se acertam com o que aprenderam que suas divindades pensam (um imaginário ideológico inculcado) e, contentes com seu deus, consideram irrelevantes as razões da realidade do mundo (a ciência não prevalece). As razões do mundo têm que ser reconhecidas ou construídas (são questionáveis e substituíveis; um mundo de dúvidas); as razões religiosas são verdades dogmáticas (alienam e se reproduzem sem crítica; um mundo de obediência).
Se fizermos as contas, veremos que a maioria de nós vive o cotidiano com um conjunto de verdades prontas, recebidas em pacotinhos desde a infância. Não é costume colocar a nossa inteligência a pensar sobre essas coisas. Creio, mesmo, que, em geral, nem nos damos conta de que há inúmeros pensares por aí, talvez mais bonitos do que o nosso. Mas há. E mesmo dentro de uma determinada tradição civilizacional há abissais diferenças na concepção das coisas, das ciências, da existência, enfim, da vida.
Percebi-me matutando sobre isso ao ouvir um desses “carros de som” que, comuns nas pequenas cidades, circulam com um alto-falante, divulgando eventos, vendendo bugigangas, petiscos e... para minha surpresa, propagando a “santa missa de domingo”. O locutor convidava a aliviar os pecados, louvar ao “senhor” e outras atrações. Pensei: é um anúncio de decadência. Um dia, poderosos, ameaçavam com fogueira os reticentes às orações. Hoje, poder entre poderes, concorrem no mercado: missa em anúncio, para consumo.
Mas, a quem fazem esse apelo? A quem conclamam ao culto? Percebo uma herança que se dissipa. Atualmente, mais gente estuda, então, menos pessoas estão suscetíveis a essas mágicas organizadas denominadas religião. Provavelmente eu não encontraria um professor titulado de Filosofia nos bancos de alguma igreja. Mas, por outro lado, são uma décima parte, neste País, os que alcançaram um curso superior. A formação escolar é pouca, e nossas famílias se incluem nessa pouca formação escolar.
Não é politicamente correto dizer que ignorantes ignoram. Contudo, há unanimidade em torno da deficiência da nossa educação formal (entre a piores do mundo). Não estudamos o suficiente para compreender – não nos foram apresentadas – concepções mais complexas das coisas. Jejunos de livros, acabamos lendo a História, as circunstâncias e a vida de modo simplista. Não é difícil compreender a quem os “carros de som” apelam. Os que se sentem tocados deveriam fazer a genealogia do seu modo de pensar.
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