Filosofa o Coringa, (filme campeão de bilheteria, direção Todd Phillps, 2019), um vingador dos humilhados sociais: “É muito difícil ser feliz o tempo todo. Ainda que a comédia seja subjetiva, o mundo aí fora não está fácil. Algumas pessoas se divertem pisando no sonho das outras”.
“Quando você quer alguma coisa, todo o universo conspira para que você realize o seu desejo”, ensina Paulo Coelho do alto dos seus 300 milhões de livros vendidos. Essa cifra comercial confirma que os dizeres desse autor são, por menos, levados em consideração.
No meio dessas leituras da vida, “Colher o Dia” (tradução literal de Carpe Diem, o dizer de Horacio Flaco, poeta e filósofo latino, que aniversariará 21 séculos) é bom conselho. Para melhor compreendê-la, situo a expressão no corpo da sentença: Carpe diem, quam minimum credula postero.
O “colher” das Odes de Horácio chegou-nos popularizado como “aproveitar”. O provérbio, então, assentou-se como “Aproveite o dia de hoje e confie o mínimo possível no amanhã”. Daí, reduziu-se a Carpe Diem, ou a Aproveite o Dia, com as sequelas que toda redução de pensamento traz consigo.
O pensamento do Coringa está conforme a época corrente: a felicidade é fugaz; os sentimentos emergem da subjetividade; o mundo é uma guerra por ocupação de posições; somos produção de poder; o individualismo e o arrivismo predominam, preenchendo a ética da vida cotidiana.
Eis o mundo que decorreu da Modernidade (considero que sua consolidação se dá com a Revolução Francesa, 1789): o advento do indivíduo e a produção da individualidade. Não somos mais vontade divina (crença do Medievo); somos dono do nosso destino (apanágio do Moderno).
A concepção de Paulo Coelho é uma corruptela do pensamento Estoico. Essa Escola acreditava que o mundo era Cosmos. Zeus, o deus máximo grego, teria posto ordem no Caos, organizando o mundo. A própria ordem do Universo, então, causaria o lugar e a condição de cada um de nós.
A frase famosa “Conhece-te a ti mesmo”, inscrita no portal de Delfos (e não dita por Sócrates, como propagado) não é uma sugestão de prospecção psicanalítica, mas uma orientação de conformidade às coisas como ela são: descobre o teu lugar, conforma-te e faz o melhor que podes.
E o Carpem Diem? Horácio sabia muita coisa; era um erudito. Mas sua matriz de pensamento era o Hedonismo, escola de Epicuro. Para esse filósofo, a única coisa que interessava na vida era o prazer. O resto não valia nada. Mas Epicuro não falava do prazer barato.
No período helenístico, tempo de Alexandre, o Grande, pululavam escolas em Atenas: a de Platão se nomeava Academia; a dos estoicos, Pórtico, a de Aristóteles, Liceu; a de Epicuro, Jardim. Os alunos praticamente viviam nas escolas. O Jardim vivia em festa.
Epicuro foi uma espécie de hippie (vida contracultural). Valorizava o prazer, mas sua ideia de prazer se fundava na sensatez. Passar-se no desfrute da vida acabaria em desgosto. Epicuro ficou mal falado porque os cristãos o difamaram por séculos, dado que era ateu.
Horácio, sendo hedonista, também foi desabonado pela tradição católica. O “resumo” da sua doutrina, o Carpe Diem, só se popularizou com Sociedade dos Poetas Mortos (filme dirigido por Peter Weir, 1989). Carpem Diem, desde então, vulgarizou-se em tatuagens e como gozo da vida.
Gozo produtivo, contudo, não esbórnia. “Extrair a essência da vida” (John Keating, o professor do filme). Epicuristas defendiam a moderação. Pregavam que os excessos traziam desprazer. O gozo inconsequente do imediato é temerário. Não eram, pois, imprevidentes sem amanhã.
A vida é mediata: em parte decorre da nossa vontade, mas noutra parte é incidida pelas contingências da existência. Prepondera a imprevisibilidade. Então, Carpe Diem, volta-te menos ao amanhã, mas só haverá bom amanhã se amanhã houver condições de curtir o dia.
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