Canabidiol e a judicialização da saúde

08/07/2024

A judicialização da saúde envolve vários temas e o grande desafio é estabelecer objetivamente os seus limites e parâmetros.

Para auxiliar a magistratura brasileira na análise e no julgamento dos processos judiciais o Conselho Nacional de Justiça disponibiliza notas e pareceres técnicos científicos produzidos por profissionais de saúde especializados em pesquisa científica (NatJus ou instituições parceiras).

Sobre o canabidiol e seus derivados – tema muito judicializado no Brasil – foram publicados dois pareceres técnicos científicos.

Um parecer analisa os derivados de canabidiol e seus análogos sintéticos para tratamento de epilepsia refratária. O documento foi publicado em maio de 2024 e possui, resumidamente, as seguintes conclusões:

Com base em evidências de certeza muito baixa a moderada, os achados deste PTC mostraram que, quando comparado ao placebo, o cannabidiol (20mg/kg ou 10 mg/kg) provavelmente apresenta maior redução das crises convulsivas em indivíduos com epilepsia refratária. Quanto à segurança, a maioria das doses e formas de esquemas de tratamento analisados parecem aumentar a incidência de eventos adversos graves e de quaisquer eventos adversos. Com relação à qualidade de vida, o cannabidiol (20mg/kg ou 10 mg/kg) pode apresentar pouca ou nenhuma diferença comparada ao placebo. Foram observadas incertezas quanto aos efeitos dos análogos da cannabis e seus derivados sintéticos na gravidade das convulsões, função cognitiva e saúde mental. Os estudos incluídos possuem tamanho amostral pequeno e apresentam limitações metodológicas que podem influenciar os resultados. Desta forma, futuros ECR com amostras mais expressivas e que sejam conduzidos com robustez metodológica podem contribuir para a melhor compreensão da eficácia e segurança dos derivados da cannabis e seus análogos sintéticos como opção terapêutica alternativa para epilepsia refratária.[1]

Os derivados da canabidiol e seus análogos sintéticos para tratamento de Transtorno do Espectro Autista (TEA) também são bastante judicializados. Neste tema, o parecer técnico científico elaborado em dezembro de 2023  apresenta as seguintes conclusões:

Foi identificada evidência de baixa certeza de que o extrato de planta integral de cannabis pode aumentar a proporção de pacientes com melhor escore global de sintomas em 12 semanas quando comparado ao placebo. O efeito do extrato purificado neste mesmo desfecho é incerto. A certeza da evidência foi rebaixada devido problemas metodológicos e baixo tamanho amostral nos estudos incluídos.

O efeito na proporção de pacientes com eventos adversos graves é incerto tanto para o extrato de planta integral quanto para o extrato purificado.

Os desfechos gravidade dos sintomas, quaisquer eventos adversos e comportamento adaptativo não puderam ser avaliados, pois foram relatados pelos estudos incluídos de maneira insuficiente para análise adequada. O desfecho qualidade de vida não foi avaliada em nenhum dos estudos incluídos. Adicionalmente, não foram encontrados estudos que avaliaram os efeitos da cannabis quando comparada a outras tecnologias, como a risperidona, presente no SUS.[2]

Tais documentos são importantes para:

1) auxiliar a Magistratura no julgamento dos processos;

2) permitir que a Advocacia, o Ministério Público e a Defensoria Pública façam consultas prévias sobre os temas;

3) indicar as vantagens terapêuticas;

4) fomentar a pesquisa científica;

5) conferir transparência a análises técnicas;

6) permitir maior segurança jurídica.

Importante mencionar que muitos produtos produzidos a partir do canabidiol não possuem registro na Anvisa e podem ser considerados experimentais. Neste caso, há vedação para sua concessão na via judicial, conforme consta do Tema 500 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal (item 1) e também do artigo 10, inciso I, da Lei 9.656/98.

Portanto, é necessário divulgar os trabalhos técnicos sobre saúde para auxiliar na interpretação e na definição dos direitos da sociedade.

 

Notas e referências:

[1]     Derivados da cannabis e seus análogos sintéticos para o tratamento da epilepsia refratária. São Paulo, 15 de maio de 2024. Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde – Hospital Sírio Libanês (NATS-HSL). Disponível em: https://www.pje.jus.br/e-natjus/arquivo-download.php?hash=4893e59cbbb6e3851cd46728a0cfdf3d1697d8b1. Acesso em: 5 Jul. 2024.

[2]     Derivados da cannabis e seus análogos sintéticos para o tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA). São Paulo, 1º de dezembro de 2023. Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde – Hospital Sírio Libanês (NATS-HSL). Disponível em: https://www.pje.jus.br/e-natjus/arquivo-download.php?hash=787643cd0730e16b154bdace601d29936908eb9c. Acesso em: 5 Jul. 2024.

 

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