Caminhando pela commonlização do processo civil brasileiro. Pedido de distinção no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pode? (Parte 1) - Por Heloise Siqueira Garcia e Hilariane Teixeira Ghilardi

01/05/2017

Por Heloise Siqueira Garcia e Hilariane Teixeira Ghilardi - 01/05/2017

Leia também a Parte 2 e a Parte 3

Com o Código de Processo Civil de 1973 defasado, havia a necessidade inerente de um novo Código capaz de suprir as atuais necessidades processuais. Assim, a mudança inspira uma quebra de muitos paradigmas para que os juristas sejam capazes de atuar cooperando com a isonomia, celeridade e segurança jurídica.

Anteriormente ao Novo Código de Processo Civil as decisões não eram “vinculadas”, isto é, cada juiz julgaria cada caso de acordo com suas convicções, independentemente de casos passados. É claro, que as decisões poderiam ser revistas em tribunais superiores, no entanto, essa liberdade judicial muitas vezes fez com que casos idênticos dispusessem de posicionamentos destoantes.

Em conjunto a essa problemática, existe também o fato da massificação processual de lides que possuem a mesma base controvertida de direito. Atentos à estas questões, os criadores do novo código entenderam por bem inovar na legislação, criando um novo instituto processual: o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que está se revelando como uma técnica capaz de formar precedente em torno de uma questão repetitiva, através dos Tribunais, apto para julgar casos semelhantes.

A “criação” de tal instrumento processual leva a algumas discussões quanto aos passos que o direito processual brasileiro está dando pela sua commonlização. Nesse viés, diversas discussões acerca da matéria surgem, dentre ela sobre a possibilidade de se aplicar o chamado “Pedido de Distinção” a tal incidente, proposta apresentada por este verbete que, por divisão lógica, será dividido em três partes. Esta primeira que abordará sobre a propedêutica do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas; a segunda que trará algumas pontuações acerca do Pedido de Distinção; e a terceira que abordará o cerne do proposto neste texto, que é analisar teoricamente a possibilidade ou não de aplicação do Pedido de Distinção no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

Com o decorrer do tempo o direito processual civil brasileiro vem passando por modificações e moldando os seus mecanismos para, por exemplo, conferir maior celeridade e segurança jurídica. Essa evolução transparece a preocupação do legislador processual ante ao crescimento exacerbado de litígios defronte a incapacidade da estrutura do judiciário.

O cenário atual se traduz em um abarrotamento processual causado por diversos fatores, incompatibilizando o litígio existente e a eficiência do judiciário para absorver e solucionar as demandas em tempo hábil, dentro de prazos processuais, ferindo assim o direito do cidadão[1], bem como alimentando a problemática existente da morosidade processual. Os resultados suscitam em prejuízos processuais que ofendem os princípios constitucionais.

Pode-se dizer que o Código de Processo Civil de 1973 foi concebido numa época em que se prestigiava o individualismo, não se encaixando mais aos novos direitos decorrentes de mudanças sociais, culturais, acesso informação, bem como a causa de massa em decorrência de direito análogos (SÁ, 2016, p. 940). Isso, porque, regularmente questões idênticas têm-se multiplicado, fazendo com que o Direito seja aplicado de forma diferente aos interessados, indo contra o conceito do princípio da isonomia.

Nesse sentido, tornou-se visível a necessidade da criação de um mecanismo capaz de desenvolver alternativa para a solução de processos idênticos de direito. Assim, o Novo Código de Processo Civil, instituiu o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), com o intuito de garantir a isonomia e efetividade das decisões.

Para tanto, dos princípios que inspiram o IRDR[2], destaca-se a efetividade processual, que não pode ser confundida com eficiência processual. Pois esta constitui o meio apto (técnicas) para a obtenção de um processo eficiente, dinâmico e que produza os melhores resultados com os menores esforços possíveis. Enquanto, aquela, consiste no resultado concreto obtido por meio do processo (SÁ, 2016, p. 74). Ambos importantes para o processo civil, porém com suas distinções.

E também, o princípio da isonomia que deve ser entendida no sentido de que o Estado-juiz (o magistrado, que o representa) deve tratar de forma igualitária os litigantes, dessa maneira, é legítimo que a lei crie mecanismos para igualar a situação, colocando em pé de igualdade ambos os litigantes (BUENO, 2016, p. 51).

Ora, a multiplicação de questões idênticas pode gerar a consequência de que o Direito seja aplicado de forma diferente aos interessados, fazendo com que alguns sujeitos devam comportar-se de certo modo, enquanto outros estarão obrigados à conduta diversa diante da mesma situação. (ARENHART, MARINONI, MITIDIERO, 2015, p. 576)

Nesse direcionamento, o legislador criou o IRDR, que está fundamentado nos artigos 976 a 986 do NCPC, no entanto, salienta-se que o IRDR é espécie do gênero Julgamento de Casos Repetitivos, disposto no art. 928 do NCPC[3].

Para tanto, conceitua-se IRDR:

Trata-se de procedimento que permite aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais avocarem a julgamento de uma determinada tese jurídica para definir sua interpretação com caráter vinculante a todos os órgãos jurisdicionais sujeitos à sua competência territorial a partir do julgamento concreto do recurso ou da causa em que a tese aparece (art. 978, parágrafo único). (BUENO, 2015, p. 35)

Theodoro Júnior, Nunes, Bahia e Pedron (2015, p. 379) mencionam o que segue:

Como o próprio nome informa, trata-se de uma técnica introduzida com a finalidade de auxiliar no dimensionamento da litigiosidade repetitiva mediante uma cisão da cognição por meio do “procedimento-modelo” ou “procedimento-padrão”, ou seja, um incidente no qual são apreciadas somente questões comuns a todos os casos similares, deixando a decisão de cada caso concreto para o juízo do processo originário, que aplicará o padrão decisório em consonância com as peculiaridades fático-probatórias de cada caso.

Cumpre ressaltar, que o IRDR, teve “confessada inspiração no Musterverfahren (procedimento-modelo ou representativo) do direito alemão” (BUENO, 2016, p. 635), assim, o procedimento-modelo será referência para os demais julgamentos. “Nesse caso ocorre uma fragmentação do julgamento em que as questões comuns serão julgadas pelo tribunal sendo que as questões particulares serão afetadas ao juiz natural de cada demanda” (SÁ, 2016, p. 943).

Possui influência também do Group Litigan Order, do sistema inglês, o qual permite que demandas que possuem direitos semelhantes possam tramitar conjuntamente para que haja julgamento harmônico e efetivo.  Nesse sistema, a abrangência é tanto de fato quanto de direito e o órgão responsável pelo julgamento do incidente analisa não só questões comuns como as outras questões peculiares ao caso (SÁ, 2016, p. 943).

Perceber-se-á que o modelo adotado pelo Brasil, mescla ambos os sistemas citados acima no desenrolar da presente pesquisa. Isto porque, “pela própria natureza de incidente, o IRDR se trata de técnica de procedimento-padrão igualmente ao sistema alemão” (THEODORO JÚNIOR, NUNES, BAHIA E PEDRON, 2015, p. 380). E por outro lado, se aproxima do sistema inglês ao estabelecer que não haverá cisão de julgamento (SÁ, 2016, p. 943).[4]

O presente mecanismo no Brasil destarte, “objetiva conferir solução uniforme a causas repetitivas por meio de julgamento de causa(s)-piloto(s) que terá efeito vinculante para todos os casos presentes e futuros sobre a mesma matéria dentro da abrangência territorial daquele tribunal”. (SÁ, 2016, p. 942).

Assim, a natureza jurídica o IRDR, como o próprio nome já diz, é de um incidente processual, não havendo, portanto, uma nova ação, ou seja, julga-se um determinado caso-piloto dentro de um processo já existente. A tese estabelecida servirá para decidir outros processos que se enquadrem na mesma discussão de determinado IRDR, para que possa haver uma solução idêntica para processos idênticos.

Pode-se dizer que o NCPC estabeleceu o IRDR com o intuito de promover um tratamento uniforme, a partir de um caso-piloto, como é chamado pela doutrina, para que se estabeleça um entendimento em um tribunal e essa tese passe a funcionar como um precedente vinculante, fazendo com que a ratio decidendi seja adotada em todas as decisões que versarem acerca do assunto determinado.

O instituto quer viabilizar uma verdadeira concentração de processos que versem sobre uma mesma questão de direito no âmbito dos tribunais e permitir que a decisão a ser proferida nela vincule todos os demais casos que estejam sob a competência territorial do tribunal julgador. (BUENO, 2015, p. 612)

O cabimento do IRDR, de acordo com o art. 976 do NCPC, ocorre com a soma dos dois incisos, isto é, quando houver: efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e, ainda, risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

Então, caberá quando de fato houver múltiplos processos, pois o IRDR não tem caráter preventivo. Da mesma forma, a pretensão poderá ser de direito material ou no tocante ao direito processual.  E conjuntamente com esses requisitos, quando houver risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, gerando a possibilidade de coexistirem decisões conflitantes perante os diferentes juízos (SÁ, 2016, p. 943-944).

O incidente, destarte, é vocacionado a desempenhar, na tutela daqueles princípios, da isonomia e da segurança jurídica, papel próximo (e complementar) ao dos recursos extraordinários e especiais repetitivos (art. 928, III). (BUENO, 2016, p. 637)

“É importante apenas estabelecer um critério de ordem territorial: a multiplicidade de causas, os riscos de ofensa à isonomia e segurança jurídica devem estar circunscritas no âmbito da competência daquele tribunal (regional ou local)” (SÁ, 2016, p. 943-945).

Há um requisito negativo de admissibilidade, no art. 976, § 4o, dispondo que se já houver Recurso Especial sobre um determinado tema, admitido pelo rito dos recursos repetitivos e estiver pendente de julgamento, não será possível interpor o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

Quanto à legitimidade para o pedido de instauração do IRDR, está disposta no art. 977, o qual aponta em seu caput, que deverá ser dirigido ao presidente do Tribunal de Justiça ou para o presidente do Tribunal Regional Federal, dependendo do caso. Podendo postular o juiz, se estiver em 1º grau, ou relator, caso o processo esteja em segunda instância, através de ofício, já as partes, o MP ou a defensoria pública possuem legitimidade através de petição. (art. 977, NCPC)

Após a instauração do incidente estar devidamente no órgão indicado pelo regimento interno, será dado a devida publicidade. Por conseguinte, o relator suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, no âmbito da jurisdição do Tribunal (no Estado ou na Região, consoante se trate de TJ ou TRF, respectivamente), da mesma forma que o art. 985, I, autoriza o entendimento que também devem ser suspensos os processos que tramitem nos Juizados Especiais. (BUENO, 2016, p. 640)

“Essa suspensão é automática não sendo necessária decisão própria da suspensão. A mera admissibilidade do incidente já acarreta ipso facto o sobrestamento” (SÁ, 2016, p. 949).

Pode haver, ainda, a ampliação territorial da suspensão (art. 1.029 do NCPC), quando a matéria versar sobre conteúdo federal ou constitucional.

“Uma vez estabelecida a comunicação da suspensão e o juízo de adequação suas causas análogas ao sobrestamento é possível à parte alegar a distinção de sua causa com aquela objeto de afetação” (SÁ, 2016, p. 949), como será demonstrado adiante.

Em linhas gerais, o IRDR certamente é uma nova e grande inovação para o NPCP, pois muda a maneira processual atual de pensar, logo a técnica analisada no presente estudo demonstra ser fundamental para a colaboração de um processo civil igualitário.  No entanto, faz-se necessária a análise do pedido de distinção para compreender em quais aspectos o IRDR pode deixar de suspender determinado processo, que não tenha correspondência com a ratio decidendi da Demanda Repetitiva.


Notas e Referências:

[1] Art. 5º, inciso LXXVIII: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (BRASIL, 1988).

[2] Difere do incidente de assunção de competência porque neste último não se exige o risco à isonomia ou à segurança jurídica, nem a efetiva repetição da mesma questão de direito em demandas diferentes. Para o incidente de assunção de competência basta a existência de questão de direito que seja relevante, com ampla repercussão social. (ARENHART, MARINONI, MITIDIERO, 2015, p. 913).

[3] Art. 928.  Para os fins deste Código, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em: I - incidente de resolução de demandas repetitivas; II - recursos especial e extraordinário repetitivos.

[4] Art. 978.  Parágrafo único.  O órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente.

ARENHART, Sérgio Cruz; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. Tutela dos direitos mediante procedimento comum. São Paulo: RT, 2015. 2. v.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, Poder Constituinte Originário, 1988.

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a Lei n. 13.256, de 4-2-2016. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

SÁ, Renato Montans de. Manual de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC – fundamentos e sistematização. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.


heloise-siqueira-garcia. Heloise Siqueira Garcia é Doutoranda do PPCJ – UNIVALI. Mestre em Ciência Jurídica pelo PPCJ – UNIVALI. Mestre em Derecho Ambiental y de la Sostenibilidad pela Universidad de Alicante – Espanha. Pós-graduada em Direito Previdenciário e do Trabalho pela UNIVALI. Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Advogada. Email: heloisegarcia@univali.br.


Hilariane Teixeira Ghilardi. Hilariane Teixeira Ghilardi é Mestranda em Ciência Jurídica pelo Programa de Pós- Graduação em Strito Sensu da UNIVALI.  Pós-graduada em Direito Aplicado pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina. Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Advogada. E-mail: hilarianeghilardi@gmail.com.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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