Caiu mais uma máscara do mau atendimento das companhias aéreas 

19/04/2017

Por Rizzatto Nunes – 19/04/2017

Nunca se voou tanto. Nunca os consumidores deixaram tantos milhões de reais, dólares, euros ou o que o valha nos cofres das companhias aéreas. Conclusão: as empresas estão faturando alto. Mais dinheiro em caixa, mais lucro, mais dividendos distribuídos para os acionistas, maiores bônus entregues aos executivos do alto escalão e mais benefícios aos consumidores e melhor qualidade dos serviços prestados... Opa! É melhor parar por aqui porque na frase anterior nem tudo é verdadeiro, isto é, o último trecho é falso. Por aqui parece que a ANAC é uma das que acredita que o último trecho é verdadeiro...

Com tanto dinheiro ganho seria de esperar mais benefícios distribuídos aos consumidores e melhor qualidade dos serviços prestados. Infelizmente, por incrível que pareça, está acontecendo o oposto: quanto mais ganham as cias aéreas piores ficam os seus serviços. É o novo sistema do século XXI: o capitalismo de ponta cabeça.

Recentemente, graças a uma filmagem feita por um passageiro, o mundo todo pode ver como age uma dessas empresas aéreas, no episódio protagonizado pelos representantes da United Airlines com a ajuda da polícia norte americana.

Noticiou-se que, por causa de overbooking, os funcionários da United sortearam alguns passageiros que deveriam deixar a aeronave (não deve ser a verdade, pois os passageiros já estavam acomodados na aeronave; o problema de overbooking se dá no embarque...).

Muito bem. Um dos sorteados, um médico, recusou-se a sair, dizendo que precisava estar na cidade de Louisville na manhã do dia seguinte para fazer atendimento em um hospital[1]. Arrastado por policiais e retirado à força, o homem se feriu e ficou com o rosto ensanguentado. (Assista ao vídeo aqui: https://www.youtube.com/watch?v=uz3EDgJu8Zk).

Após o incidente, em nota, o CEO da United Airlines, Oscar Munoz, pediu desculpas dizendo o seguinte: “Esse é um evento entristecedor para nós aqui na United. Eu peço desculpas por ter que reacomodar esses clientes. Nosso time está se movendo com senso de urgência para trabalhar com as autoridades e conduzir nossa própria avaliação sobre o que ocorreu. Também estamos contatando esse passageiro para falar diretamente com ele e encaminhar e resolver essa situação”[2]

Acontece que a nota era falsa. Num e-mail interno vazado para a imprensa ele elogia a atitude dos funcionários, dizendo que estes agiram de maneira correta[3]. Daí, o CEO trouxe a público um novo pedido de desculpas. Eu não vou gastar este espaço nem tomar o tempo do leitor para referir essa segunda nota, que não tem nenhuma credibilidade.

O evento com o passageiro é terrível, mas o vazamento do e-mail interno é mais ainda, pois deixa claro como as coisas se passam em empresas que não respeitam seus clientes, o que acontece, geralmente, nos casos em que elas não precisam respeitar.

O sistema capitalista mundial (quero dizer, ocidental) até fins dos anos oitenta do século passado se orgulhava do primor com que tratava seus clientes. As companhias aéreas davam bons exemplos, assim como operadoras de cartões de crédito e bancos e várias outras grandes empresas dos setores massificados. Havia competição séria e luta severa por fatias do mercado consumidor. Por isso, parte do lucro – às vezes grande parte – era investido na busca da satisfação dos clientes não só para o atingimento da fidelização como para a conquista dos novos. Os consumidores eram bem tratados e até mesmo bajulados.

Com o surgimento das junções de empresas, fusões, aquisições etc. criou-se oligopólios e enormes grupos que atuam em conjunto dominando todo ou quase todo o mercado de sua área de atuação. Além disso, com a administração dessas gigantescas corporações cada vez mais “financeira” que produtiva, a preocupação com a qualidade se esvaiu. O capitalismo mudou: o consumidor se tornou apenas um número (ou um nome num painel, num banco de dados ou algo semelhante) que pode gerar um certa receita monetária, mas cujos direitos, interesses e necessidades não têm tanta importância.

Os consumidores são tratados como marionetes, que hipnotizados, devem obedecer ao comando do marketing e da publicidade. É feito de tudo para que eles acreditem nas fantasias veiculadas. Anúncios publicitários mentem, gerentes de bancos mentem, recepcionistas de empresas de planos de saúde mentem, atendentes em aeroportos mentem etc. (uma longa lista). É fato que as mentiras, às vezes, fazem parte do sistema engendrado pelos chefes e patrões, mas nem por isso deixam de ser mentiras e muita conversa pra boi dormir.

O overbooking e todos os benefícios excluídos do atual serviço prestado pelas companhias aéreas são uma clara demonstração desse novo modelo capitalista, que despreza o consumidor e que só pensa no ganho financeiro. Os atuais administradores não estão preocupados com seus clientes, especialmente nos setores de baixa competividade e naqueles em que o consumidor não tem escolha. A qualidade cai, mas gera alguma economia financeira que, na escala, representa maior faturamento e com isso surge o desprezo ao consumidor.

A esperança são os empresários que contrários à esse modelo, passaram a respeitar os consumidores. Mas em alguns setores, em que não há competitividade – como se dá em parte no setor aéreo – fica mais difícil uma mudança.


Notas e Referências:

[1] http://veja.abril.com.br/economia/passageiro-e-retirado-a-forca-de-voo-com-overbooking/

[2] http://veja.abril.com.br/economia/passageiro-e-retirado-a-forca-de-voo-com-overbooking/

[3] http://veja.abril.com.br/mundo/apos-despencar-na-bolsa-ceo-da-united-se-desculpa-novamente/


Rizzatto Nunes. . Rizzatto Nunes é Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Professor Livre-Docente pela PUC/SP. Escritor e advogado. . .


Imagem Ilustrativa do Post: Airplane // Foto de: Cory Hatchel // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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