CABIMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA EM FACE DE DECLARAÇÃO DE (IN)CONSTITUCIONALIDADE PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

13/09/2020

Coluna Advocacia Pública e outros temas jurídicos em Debate / Coordenadores Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta

Começam a bater as portas do Poder Judiciário demandas rescisórias ajuizadas por credores da Fazenda Pública, em diversas situações e objetos, postulando a rescisão parcial de decisões já transitadas em julgado e, também, buscando um novo julgamento, naqueles processos cujos consectários legais foram fixados em desacordo com o novel entendimento da Corte Superior, ou seja, com base na TR e não no IPCA-E.

Não obstante a fixação da tese jurídica do Tema 733, a temática envolvendo o uso da ação rescisória como sendo um dos instrumentos processuais adequados para desconstituir uma decisão com trânsito em julgado que, posteriormente, tiver um de seus fundamentos objeto de controle de constitucionalidade, ainda suscita questionamentos e controvérsias no meio jurídico.

A depender da interpretação a ser levada a efeito, poderá haver um uso indiscriminado da via rescisória – laissez passer – como instrumento apto a reabrir a esmo casos já transitados em julgado em flagrante ofensa ao princípio da segurança jurídica, genuína manifestação do Estado Democrático de Direito. [1]

 

PRECEDENTES VINCULANTES E COISA JULGADA

Após cinco anos da promulgação do Código de Processo Civil de 2015 são comezinhas as lições acerca da vinculação de determinados pronunciamentos judiciais. Criou-se, então, um sistema no Código de Processo Civil para que juízes e tribunais apliquem os precedentes vinculantes, desde o recebimento da petição inicial até o julgamento de recursos.

Todo este rol de possibilidades se refere ao processo de conhecimento. Entretanto, se por um lado, este novo paradigma processual está intimamente ligado a ideia de segurança jurídica e, via de consequência, asseguração de um mínimo de previsibilidade aos jurisdicionados, vê-se, com um certo tom de incerteza e insegurança jurídica, os efeitos dos precedentes vinculantes, especialmente no que se refere à decisão proferida em sede de controle de constitucionalidade, sobre a coisa julgada que lhe for contrária.

A propósito, Luiz Guilherme Marinoni, conhecido doutrinador que defende a aplicação dos precedentes vinculantes no sistema jurídico brasileiro, tem restrições à relativização da coisa julgada com base em mudança posterior de posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

Com efeito, ressalta “que a aceitação da retroatividade do pronunciamento do STF sobre as decisões proferidas pelos tribunais significa colocar a coisa julgada sob condição ou em estado de provisoriedade, o que é absolutamente incompatível com o conceito e com a razão de ser da coisa julgada. Ora, este estado de indefinição nega o fundamento que está à base da coisa julgada material, isto é, os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança”[2].

A despeito da constitucionalidade ou inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal (requisitos objetivos), poderão os legitimados ativos específicos – pessoa física ou jurídica, pública ou privada (requisitos subjetivos) –, buscar o juízo de adequação de uma decisão judicial à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, seja por meio da declaração de constitucionalidade, seja na declaração de inconstitucionalide.

Por meio de impugnação ao cumprimento de sentença ou via ação rescisória, poderá o executado requerer a improcedência ou a rescisão da decisão exequenda, bem como um novo julgamento, quando o título executivo for incompatível com interpretação da Constituição Federal dada pelo STF, na forma disciplinada pelos arts. 525, §§ 1º, III e 12, e 535, §§ 5º e 8º.

 

LEGITIMIDADES PARA AÇÃO RESCISÓRIA

A ação rescisória está prevista nos artigos 966 e seguintes do Código de Processo Civil. As hipóteses que possibilitam desconstituir uma decisão já transita em julgado é taxativo, ou seja, não permite extensão, tampouco interpretação extensiva[3].

O Código de Processo Civil de 2015 previu, ainda, a possibilidade de se ajuizar ação rescisória em decorrência do cumprimento de sentença que se basear em obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo incompatível com a Carta Federal, após a análise por meio de controle de constitucionalidade.

A disposição das hipóteses de ações rescisórias em títulos e capítulos distintos no Código de Processo Civil evidencia a intenção do legislador de tratá-las de formas diversas. A ação rescisória genérica e ordinária está contemplada no artigo 966 e seguintes do CPC. Ao passo que, a hipótese específica da ação desconstitutiva está prevista noutro título, capitulo e sessão do código processual, especificamente nos artigos 525 e 535.

Nesse viés, tem-se duas hipóteses distintas de legitimidade para a propositura da ação rescisória: i – uma genérica, conforme previsto no artigo 966 do CPC; e, ii - outra específica, descrita nos artigos 525, § 12 e 535, § 8º, do mesmo Código. Em caso típico de legitimidade específica não pode o credor do título executivo judicial, que não foi, tampouco é, executado em cumprimento da sentença, fazer uso da ação rescisória com o objetivo de declarar a inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação, o que, dessarte, se mostraria um contrassenso.

O único legitimado para propor a ação rescisória, nessa situação especial e específica, é o próprio executado. Não cabe ao credor fazer o seu uso. Elastecer a interpretação restritiva do rol das possibilidades de manejo da via rescisória, bem como dos seus legitimados ativos poderá, além usurpar a segurança jurídica decorrente da coisa julgada, onerar demasiadamente o devedor/executado, em flagrante violação ao princípio da menor onerosidade, trazendo um cenário de exponencial litigiosidade e, particularmente em relação à Fazenda Pública, insegurança orçamentária para os entes federados.

 

CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA PROPOSITURA DA AÇÃO RESCISÓRIA

A ação rescisória, por desconstituir os efeitos da coisa julgada, recebe tratamento de via processual de exceção. Possui, assim, pré-requisitos e elementos de admissibilidade que lhes são peculiares, para a sua admissão e processamento. A possibilidade da sua propositura, como instrumento de adequação entre a coisa julgada e o primado da Constituição, a teor do Tema 733/STF, não afasta o juízo prelibatório de sua admissibilidade.

A Súmula n. 343 do Supremo Tribunal Federal dispõe que: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.

Em sede de repercussão geral, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 590.809/RS – Tema 136, a Corte Suprema se manifestou no sentido de que o verbete n. 343 de sua Súmula deve ser observado em situação jurídica na qual, inexistente controle concentrado de constitucionalidade, haja entendimentos diversos sobre o alcance da norma.

Oportuno registrar, que a aplicação da Súmula 343 do STF não significa afastar ou impedir, de forma absoluta, o ajuizamento da ação rescisória em questões constitucionais. Há situações que foram expressamente ressalvadas pelo julgado do Supremo Tribunal Federal, tal como, a decisão proferida em controle concentrado de constitucionalidade, a declaração de inconstitucionalidade ou a constitucionalidade da norma que serviu de substrato para o acórdão rescindendo.

 

TEMA 810 DE REPERCUSSÃO GERAL

Dentro do objeto delimitado do presente ensaio - análise da (im)possibilidade do manejo da via rescisória pelas partes com o objetivo de rediscutir e, assim, desconstituir a decisão transitada em julgado cuja razão de decidir tenha se pautado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal -, traz-se o tema de Repercussão Geral n. 810, que trata da “validade da correção monetária e dos juros moratórios incidentes sobre as condenações impostas à Fazenda Pública, conforme previstos no art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009”. A repercussão geral foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n. 870.947, de Sergipe, interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS.

Conforme já exposto alhures, dois pontos exsurgem para a inadequação da via rescisória em relação ao Tema 810/STF – a legitimidade ativa específica e a segurança jurídica cristalizada na súmula 343 do STF.

A legitimidade ativa para a propositura da ação via rescisória específica, na hipótese do art. 535, § 8º, do Código de Processo Civil, é própria e exclusiva da parte executada. Isto é, a parte autora do cumprimento de sentença não é legitimada ativa para rescindir uma decisão, ou parte dela, sob o fundamento que o título judicial é nulo porque incompatível com o texto da constituição. Logo, por evidente paradoxo, o credor do título executivo judicial não poderá arguir a inexequibilidade do título para alterar os consectários legais com base no Tema 810/STF.

Da mesma forma, não obstante o Supremo Tribunal tenha fixado a tese jurídica do Tema 810 em sede de repercussão geral, o processo que analisou a constitucionalidade do artigo 1º -F da Lei n. 9.494, de 1997 (com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 2009) deu-se pela via difusa/concreta – por meio Recurso Extraordinário n. 870.947 e não por meio de controle concentrado de constitucionalidade.

Assim, na ausência de declaração de inconstitucionalidade pela via concentrada do artigo 1º -F da Lei n. 9.494, de 1997 (com a redação dada pela Lei n. 11.960, de 2009), deve ser aplicada a Súmula n. 343 do Supremo Tribunal Federal. Isso porque, não é cabível a utilização da via rescisória com lastro em modificação de interpretação de norma, bem como na oscilação jurisprudencial.

 

CONCLUSÃO

Expostas, suscintamente, os fundamentos do cabimento de ação rescisória frente a pronunciamentos judiciais do STF, é de se concluir que não se pode perder de vistas que se está diante de uma relativização ou ruptura da coisa julgada, ou seja, já se tem uma exceção ao princípio da segurança jurídica ínsito à coisa julgada. Relativizar a relativização seria um passo a romper de vez com a segurança jurídica pretendida pela atuação jurisdicional e pela coisa julgada.

 

Notas e Referências

[1] “A segurança jurídica, trazida pela coisa julgada material, é manifestação do estado democrático de direito (CF 1º, caput)”. In: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 12 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 66.

[2] A intangibilidade da coisa julgada, In, Coleção doutrinas essenciais: novo processo civil, Sentença e coisa julgada, v. V, orgs. Teresa Arruda Alvim, Fredie Didier Jr., 2018, p. 852.

[3] “Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente; III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; IV - ofender a coisa julgada; V - violar manifestamente norma jurídica; VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória; VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos. [...] § 2º Nas hipóteses previstas nos incisos do caput , será rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça: I - nova propositura da demanda; ou  II - admissibilidade do recurso correspondente. § 3º A ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão.”

 

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