Cabem Embargos de Declaração de Todas as Decisões Mesmo? – Por Luiz Antonio Ferrari Neto

22/08/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

A resposta a esta indagação deveria ser mais simples do que nunca, já que deveria seguir a previsão expressa do art. 1.022, caput, do Código de Processo, ou seja: Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial [...]”.

Desta forma, não pode haver qualquer dúvida sobre o cabimento dos embargos de declaração contra qualquer decisão. Isto porque diferentemente do previsto no Código Buzaid, no qual o art. 535 afirmava que os embargos de declaração eram cabíveis quando houvesse “na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição” ou ainda quando fosse “omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal”, a redação do Novo CPC não é insuficiente.

Em razão do próprio texto expresso do CPC de 1973, com a redação dada pela Lei 8.950/1994, havia discussão sobre a abrangência deste recurso. Veja-se, à guisa de exemplo, o teor do voto exarado pelo Juiz Irineu Pedrotti, da 10ª Câmara do Extinto 2º Tribunal de Alçada de São Paulo, nos autos do Agravo de Instrumento n. 658.465-1/6, julgado em 25/08/2000:

“Em regra o ordenamento jurídico e o princípio da não recorribilidade só admitem uma forma de impugnação contra decisão judicial (terminativa ou interlocutória). Respeitado o entendimento em sentido contrário não cabem Embargos de Declaração contra decisão interlocutória e, incabíveis, sua oposição não interrompe a contagem do prazo para outros recursos.

E o argumento não é só técnico, mas de ordem prática. Imagine-se quantas decisões interlocutórias podem ser lançadas durante o procedimento e, para cada uma delas, os respectivos prazos para a oposição de embargos de declaração.

Mesmo que as partes deles não se utilizassem, o Cartório estaria obrigado a aguardar, para cada uma, o decurso do lapso, inclusive com alguns dias de folga em virtude da permissão de utilização do protocolo integrado, para poder encaminhar o processo de acordo com as determinações do r. Juízo.

Admitir o contrário seria autorizar o caos no processo que, de ordinário, nos dias atuais é extremamente moroso. Não é isso que as recentes alterações no Código de Processo perseguem”.

Com o passar do tempo, todavia, consolidou-se o entendimento pelo cabimento dos embargos de declaração contra decisões interlocutórias, seja para corrigir omissão, contrariedade, obscuridade e até mesmo erro material.

Barbosa Moreira, ao comentar o texto do CPC de 1973, alterado pela Lei 8.950/1994 destacou os pontos de melhoria da reforma, afirmando, todavia, que se perdeu a oportunidade para se evitar interpretações restritivas, para quem os embargos de declaração já poderiam ser interpostos contra qualquer decisão:

“Na realidade, tanto antes quanto depois da reforma, qualquer decisão judicial comporta embargos de declaração: é inconcebível que fiquem sem remédio a obscuridade, a contradição ou a omissão existente no pronunciamento, não raro a comprometer até a possibilidade prática de cumpri-lo”.[1]

A doutrina, de modo geral, já se posicionava pelo cabimento dos embargos de declaração contra qualquer decisão[2].

Não obstante o entendimento firme da doutrina no sentido de caber embargos de declaração contra qualquer decisão, ainda sim, havia restrição dos tribunais ao cabimento de embargos de declaração contra decisões monocráticas proferida pelos Tribunais e também contra decisão denegatória de seguimento de recurso especial e contra decisão denegatória de seguimento de recurso extraordinário[3].

Quanto à essa segunda hipótese, vejam-se julgados relativamente recentes, mas proferidos ainda na vigência do CPC de 1973, os quais não admitem os embargos de declaração:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DE INADMISSÃO DE RECURSO ESPECIAL. EMBARGO DECLARATÓRIO. NÃO CABIMENTO. INTEMPESTIVIDADE DO APELO EXTREMO.

  1. Não é cabível a oposição de embargos declaratórios às decisões de admissibilidade de recursos especial ou extraordinário, pois estas se limitam a decidir pelo seguimento ou pelo trancamento do recurso dirigido à instância superior.
  2. Tais decisões não resolvem incidentes processuais, não têm força própria e jamais serão passíveis de execução, sequer a título precário, não se comparando, portanto, às decisões interlocutórias.
  3. O agravo é o único recurso cabível contra decisão que nega seguimento a recurso especial (artigo 544 do CPC). Desse modo, a oposição de aclaratórios não interrompe o prazo para a interposição do agravo de instrumento.
  4. Agravo regimental não provido”.[4]

Outro não era o entendimento da 4ª Turma do STJ:

“[...] 1. O agravo é o único recurso cabível contra decisão que nega seguimento a recurso especial (CPC, art. 544). Desse modo, a oposição de embargos de declaração não interrompe o prazo para a interposição do agravo de instrumento. Precedentes do STF e do STJ. [...]”[5]

No STF, o entendimento também era o mesmo:

“AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO DE INADMISSIBILIDADE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INTERPOSIÇÃO DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS INCABÍVEIS. NÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO. INTEMPESTIVIDADE. O agravo interposto da decisão que inadmitiu o recurso extraordinário é intempestivo, porquanto prevalece nesta Corte o entendimento de que os embargos de declaração opostos da decisão que, na origem, nega seguimento a recurso extraordinário, por serem manifestamente incabíveis, não suspendem ou interrompem o prazo para a interposição de recurso. Agravo regimental a que se nega provimento”.[6]

Ressalva-se, no STF, o entendimento divergente, mas vencido, do Min. Marco Aurélio, o qual exarou voto divergente no recurso acima, destacando caber embargos de declaração contra qualquer decisão[7].

Perceba que, por via de consequência, apesar da previsão expressa no art. 538 do CPC de 1973, o qual afirmava categoricamente que a interposição dos embargos de declaração interrompia o prazo para interposição de outro recurso (de acordo com a redação que lhe foi dada pela Lei 8.950/1994), tal disposição era ignorada tanto pelo STJ quanto pelo STF. Assim, por entender que os embargos de declaração não eram admitidos contra decisão denegatória de seguimento de recurso especial ou de recurso extraordinário, a posterior interposição de agravo contra a decisão denegatória de seguimento seria intempestiva, porque os Tribunais Superiores simplesmente ignoraram a interposição de embargos de declaração, afirmando que, naquela situação, não haveria que se falar em interrupção de prazo para o recurso subsequente, contrariando, portanto, o entendimento doutrinário existente na vigência daquele diploma.

No que tange às decisões monocráticas proferidas pelos tribunais, passou-se a admitir os declaratórios como se agravo interno fosse, nas hipóteses em que os aclaratórios tivessem manifesto propósito infringente. No caso, os Tribunais passaram a valer-se do princípio da fungibilidade, procurando dar maior celeridade ao processo, mas de forma equivocada, pois retirava da parte o próprio direito ao agravo interno.

Basta imaginar a hipótese de a parte embargar apenas de um capítulo da decisão, na qual entendia haver omissão. Nessa situação a parte não atacou outro capítulo, porque sobre ele não havia omissão, contrariedade, obscuridade ou erro material. Assim, sobre esse outro capítulo, a parte interporia, após o julgamento dos embargos de declaração, agravo interno.

Ocorre que, havendo a indevida conversão de embargos de declaração em agravo interno, a parte perdia a possibilidade de recorrer do capítulo da decisão monocrática sobre o qual ela não embargou de declaração. A indevida conversão dos aclaratórios em agravo interno tolhia da parte o direito de recorrer do capítulo da decisão monocrática que não foi objeto de embargos declaratórios.

O Novo CPC procurou corrigir estas duas situações. Por meio do art. 1.022, caput corrigiu o problema decorrente da impossibilidade de interposição dos embargos contra algumas decisões, afirmando expressamente serem cabíveis de “qualquer decisão judicial”, prevalecendo, portanto, o entendimento que era amplamente reconhecido pela doutrina, mas não pelo STJ e STF.

O outro problema decorrente da conversão indevida dos embargos de declaração em agravo interno foi resolvido com a necessidade de abertura de prazo para o recorrente ajustar o recurso, nos termos do art. 1.024, § 3º[8].

Diante disso, verifica-se que o CPC procurou arrostar problemas enfrentados pelos jurisdicionados e, no que se refere ao objeto do presente artigo, admitiu embargos de declaração contra “qualquer decisão judicial”.

O Novo CPC repetiu, ainda, que a interposição de embargos de declaração interrompem os prazos para todo e qualquer recurso (art. 1.026), sendo aplicável tal disposição, inclusive, para os Juizados Especiais Cíveis e para os processos eleitorais, nos termos dos artigos 1.066 e 1.067, que alteraram, respectivamente, o regime de tal recurso perante os Juizados Especiais Cíveis e perante a Justiça Eleitoral.

Não obstante isso, recentemente o STJ, após mais de um ano de vigência do Novo CPC, proferiu decisão em sentido contrário ao texto expresso dos artigos 1.022 e 1.026, ao negar conhecimento a agravo contra decisão denegatória.

Afirmou a Quarta Turma do STJ que o agravo contra decisão denegatória de seguimento de Recurso Especial seria intempestivo, pois na origem foi interposto embargos de declaração contra a decisão denegatória de seguimento do recurso especial. Segundo o entendimento do STJ, a interposição de Embargos de Declaração não interromperiam o prazo para a interposição de recurso contra a decisão denegatória de seguimento do recurso especial:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 1042 DO CPC/15) - DECISÃO MONOCRÁTICA DA PRESIDÊNCIA DO STJ NÃO CONHECENDO DO RECLAMO ANTE A SUA INTEMPESTIVIDADE. INSURGÊNCIA DOS AGRAVANTES.

  1. A Corte Especial firmou o entendimento de que a oposição de embargos de declaração contra a decisão que negou seguimento a recurso especial, somente interrompe o prazo para a interposição de agravo para o Superior Tribunal de Justiça nos casos em que proferida de forma "tão genérica que sequer permite a interposição do agravo." (EAREsp 275615/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Corte Especial, DJe 24/03/2014)
  2. Na hipótese em julgamento, entretanto, a deliberação que inadmitiu a  subida  do  recurso  especial  não  se encaixa na excepcionalidade,  considerando  que  está  devidamente fundamentada (impossibilidade  de exame de ofensa a dispositivo constitucional na via  do  recurso  especial  e  aplicação  das Súmulas 5/STJ e 7/STJ, inclusive  com  a  transcrição  de  trechos  do  acórdão recorrido), devendo   ser   mantida  a  decisão  unipessoal  que  reconhecera  a intempestividade do agravo em recurso especial.
  3. Agravo interno desprovido”[9].

No caso em espécie se verifica que a decisão denegatória de seguimento ao recurso especial foi publicada em 03/06/2016. Portanto, na vigência do Novo CPC. Não haveria, sequer, a possibilidade de se afirmar que tal decisão teria sido proferida na vigência do CPC de 1973 e, por isso, seria aplicável o entendimento do STJ vigente àquela época.

Diante disso se constata que o recente julgado está na contramão da previsão expressa do Novo CPC. A Colenda turma simplesmente desconsiderou a alteração da legislação e continuou a seguir o posicionamento anterior da Corte, criado na época em que se permitia entendimento em sentido contrário ao cabimento dos embargos de declaração contra qualquer decisão, já que o art. 535 do CPC de 1973 tinha redação que permitia tal interpretação.

Desconsiderou-se, portanto, a redação taxativa quanto ao cabimento dos embargos de declaração contra qualquer decisão.

Em conclusão, em que pese a resposta à questão realizada no título do presente texto ser positiva, ou seja, é sim cabível embargos de declaração contra “qualquer decisão”, na prática forense não será possível correr o risco de se interpor embargos de declaração contra decisão denegatória de seguimento de recurso especial ou de decisão denegatória de seguimento de recurso extraordinário, sob pena de se correr o risco de não conhecimento do recurso subsequente, recomendando-se aos ilustres advogados que não corram o risco de interpor embargos de declaração contra decisão denegatória de seguimento de recurso especial ou de recurso extraordinário.


Notas e Referências:

[1] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. V. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 546

[2] Nesse sentido: ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos. 4. ed. São Paulo: RT, 2012, p. 635; DIDIER JR. Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. vol.3. 9. ed. Salvador: Juspodivm, p. 185; BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. vol. 5. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 196; NERY JR. Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 14. ed. São Paulo: RT, 2014, p. 114.

[3] Nesse sentido, confira-se a pesquisa existente em NEGRÃO, Theotônio; GOUVÊA, José Roberto F.; BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Código de Processo Civil. 42. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 668-669.

[4] STJ. 3ª Turma. ArRg no AResp. 336.101-RJ. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 04.11.2014, v.u.

[5] STJ. 4ª Turma. EDcl no AgRg no Ag 990.248-RS. Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 15/10/2013, v.u.

[6] STF. Pleno. ARE 728.395-RS. Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 26/06/2013, maioria (vencido o Min. Marco Aurélio).

[7] “Entendo, e continuo entendendo, que todo pronunciamento judicial com carga decisória – e o do Juízo primeiro de admissibilidade o é –, quer admitindo, quer negando seguimento ao recurso, desafia embargos declaratórios. Por isso, peço vênia para divergir e prover os agravos”. Voto divergente exarado no ARE 728.395-RS. Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 26/06/2013.

[8] “§ 3º O órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine previamente a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do art. 1.021, § 1º”.

[9] STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 999.025-MG, rel. Min. Marco Buzzi, j. 16/05/2017, v.u.


 

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