Cabe Mandado de Segurança para pedir medicamento? – Por Clenio Jair Schulze

13/06/2016

Questão interessante relacionada ao direito à saúde reside em saber se é cabível mandado de segurança contra decisão do SUS que indefere o fornecimento de medicamento, prótese ou outro produto.

A questão surge porque algumas Cortes entendem que não é possível a impetração do mandado de segurança, diante da impossibilidade de produção de provas durante o processo (v.g. TRF4[1] e TJSC[2]), existindo outros Tribunais defendendo a viabilidade (v.g. TJGO[3] e TJPR[4]).

O Superior Tribunal de Justiça não avalia se é cabível o mandado de segurança, assentando que a questão deve ser resolvida nos Tribunais de segundo grau, nos termos da sua Súmula 07, pois a questão trata de fatos[5].

O tema, portanto, deve ser analisado a partir da Constituição e da Lei 12.016/2009.

A Constituição estabelece (art. 5º, inciso LXIX) que “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

O ponto central, assim, é definir “direito líquido e certo”. A Lei 12.016/09 não autoriza a instrução do processo de mandado de segurança, ou seja, não é possível a produção de prova pericial, testemunhal, entre outras. Conclui-se, desta forma, que “direito líquido e certo” é aquele que pode ser comprovado de plano, no momento da impetração em Juízo. E esta prova se dá, principalmente, na via documental.

Nos pedidos de medicamentos e outros produtos em saúde é indispensável que a parte autora comprove a eficácia, a segurança, a efetividade e o custo-efetividade, nos termos da Lei 8080/90 (artigos 19-O, parágrafo único e 19-Q, §2º, inciso I), bem como a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas no SUS (conforme exige o art. 19-Q, §2º, inciso II da Lei 8080/90).

Desta forma, em princípio, somente será possível a impetração do mandado de segurança para postular medicamento e outras tecnologias em saúde em duas hipóteses, quais sejam: (1) quando já estejam incorporados no SUS, mas não foram fornecidos - nestas hipóteses o próprio ente público já concluiu que o produto preenche os requisitos da Lei 8080/90 ou (2) quando toda a comunidade científica mundial já concluiu pela eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade do medicamento.

Fora destas situações não é possível o manejo do mandamus. Vale dizer, considerando que a maior parte dos processos judiciais não trata das duas hipóteses acima mencionadas, conclui-se que a postulação deverá ser promovida por intermédio de ações judiciais que permitam a produção de prova pelos litigantes, como perícia, apresentação de notas técnicas e estudos clínicos (revisão sistemática, estudo coorte, entre outros), sob pena de violação às normas do mandado de segurança, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.


 

Notas e Referências:

[1] ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. INADEQUAÇÃO DO RITO. INDEFFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. CONSECTÁRIOS. Para a análise do pedido de dispensação de medicamento excepcional, é indispensável a realização de perícia, por meio da qual será possível aferir a sua necessidade, eficácia e adequação para o tratamento postulado. Mantida a sentença que indeferiu a petição inicial e julgou extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do parágrafo único do art. 284 c/c os incisos I, IV e VI do art. 267, ambos do Código de Processo Civil. Apelação improvida. [grifado] (TRF4, AC 5038280-89.2013.404.7100, QUARTA TURMA, Relatora p/ Acórdão VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 14/10/2013)

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AÇÃO MANDAMENTAL. FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO BROMETO DE TIOTRÓPIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. CONSECTÁRIOS. 1. Caso em que a via eleita é totalmente inadequada para o fim proposto, pois é impossível processar o pleito de fornecimento de medicamento em ação mandamental, no rito do mandado de segurança, porquanto o pedido aqui veiculado exige a produção de outras provas, especialmente a pericial. 2. Mantida a sentença que indeferiu a petição inicial e julgou extinto o processo sem resolução do mérito, nos termos do parágrafo único do art. 284 c/c os incisos I, IV e VI do art. 267, ambos do Código de Processo Civil. 3. Apelação improvida. [grifado] (TRF4, AC 5001273-44.2010.404.7205, TERCEIRA TURMA, Relator p/ Acórdão NICOLAU KONKEL JÚNIOR, juntado aos autos em 16/02/2011)

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 212, § 2º DO ECA. INADEQUAÇÃO DO RITO. NECESSIDADE DE PERÍCIA. 1. Para a análise do pedido de dispensação de medicamento excepcional, é indispensável a realização de perícia, por meio da qual será possível aferir a sua necessidade, eficácia e adequação para o tratamento postulado. 2. O rito do Mandado de Segurança não comporta dilação probatória, razão pela qual o não acolhimento pelo impetrante da conversão do feito para Ação Civil Pública, enseja o indeferimento da inicial. [grifado] (TRF4, AC 0002240-14.2009.404.7205, TERCEIRA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, D.E. 09/12/2010)

[2] MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE CONCESSÃO DE FÁRMACO NECESSÁRIO AO TRATAMENTO DE DOENÇA CRÔNICA. MATÉRIA QUE DEMANDA DILAÇÃO PROBATÓRIA. ELEIÇÃO DE MEIO PROCESSUAL IMPRÓPRIO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO A SER ALBERGADO PELA VIA MANDAMENTAL. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, COM FINCAS NO ART. 267, INC. VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, MANTIDOS, PORÉM, EXCEPCIONALMENTE, OS EFEITOS DA LIMINAR CONCEDIDA PELO PRAZO DE 120 (CENTO E VINTE) DIAS.   O mandado de segurança avulta como via processual inadequada à satisfação de pleito voltado à concessão de medicamento por ente estatal, haja vista tratar-se de matéria que reclama dilação probatória, consabidamente descabida em sede de ação mandamental. Todavia, a fim de que não seja a impetrante prejudicada com a repentina paralisação no fornecimento do fármaco vindicado, de que tanto necessita, mostra-se adequada, em caráter excepcional, a manutenção do provimento liminar, pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias, em consonância com precedentes já firmados por esta Corte em casos quejandos. (TJSC, Mandado de Segurança n. 2013.082656-9, da Capital, rel. Des. João Henrique Blasi, j. 12-03-2014).

REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTO. VIA PROCESSUAL INADEQUADA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. PRECEDENTE DO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO. EXTINÇÃO DO PROCESSO. (TJSC, Reexame Necessário em Mandado de Segurança n. 2012.080219-5, de Balneário Camboriú, rel. Des. Júlio César Knoll, j. 11-07-2013).

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO CYMBALTA (DULOXETINA 60MG) VISANDO O TRATAMENTO DE FIBROMIALGIA (CID M 79.0). POSTULAÇÃO ATRAVÉS DE MANDADO DE SEGURANÇA. VIA INADEQUADA. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. DILAÇÃO PROBATÓRIA INADMISSÍVEL. INDEFERIMENTO DA INICIAL. EXEGESE DO ART. 10, DA LEI N. 10.016/2009. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.   "Por necessitar de prova pré-constituída e não admitir dilação probatória, a via mandamental não é própria para obrigar os entes públicos - Estado e Municípios - a fornecer medicamentos ou custear tratamentos médicos especiais. O caminho processual normal e correto é o processo de conhecimento com pedido de antecipação de tutela." (Mandado de Segurança n. 2006.010646-5, de São José, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, Grupo de Câmaras de Direito Público em 07/10/2009). (TJSC, Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2012.034879-4, de Itajaí, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. 03-07-2012).

[3] AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. DESNECESSIDADE DA MANIFESTAÇÃO DA CÂMARA DE SAÚDE DO PODER JUDICIÁRIO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS E INSUMOS. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA RENOVAÇÃO DA PRESCRIÇÃO. 1. É dever dos entes federativos assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, o qual afigura-se em direito fundamental do indivíduo, garantido na Constituição Federal, incumbindo-lhes providenciar, gratuitamente, os medicamentos imprescindíveis ao tratamento de saúde do substituído. 2. Merece ser rejeitada a tese de carência do direito de ação, sob a alegação de ausência de prova pré-constituída, inadequação da via processual eleita e necessidade de dilação probatória, quando comprovada a existência da enfermidade grave que acomete o substituído. 3. É descabido o pedido de manifestação da Câmara de Saúde do Poder Judiciário, uma vez que tal consulta é opcional, sendo incompatível com o rito processual célere da ação mandamental, a qual exige prova pré-constituída. 4. Segundo o Enunciado nº 02 da I Jornada de Saúde Pública do CNJ, para a concessão da prestação de medicamentos, é necessária a fixação de prazo para a renovação da prescrição medicamentosa, a critério do julgador. 5. É inviável o deferimento, de plano, da multa diária, sendo o caso de aguardar o cumprimento voluntário do comando judicial pela autoridade dita coatora. SEGURANÇA CONCEDIDA. [grifado] (TJGO, PROC. 90395-56.2016.8.09.0000 - MANDADO DE SEGURANCA, RELATOR DES. CARLOS ESCHER, 4ª CAMARA CIVEL, j. 02/06/2016, DJ 2043 de 09/06/2016)

DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA QUALIDADE DE SUBSTITUTO PROCESSUAL. PRESCRIÇÃO MÉDICA. COMPROVAÇÃO. GARANTIA CONSTITUCIONAL À SAÚDE. 1. Compete ao Ministério Público a instauração de inquéritos civis e qualquer outro procedimento para proteção de direitos indisponíveis, segundo a inteligência do 129, inciso II, da Carta Magna, bem como pelo artigo 26, inciso I, da Lei nº 8.625/93. 2. O fornecimento de medicamentos não se trata de mera faculdade da Administração Pública, e sim ônus, não podendo esta se valer de óbices de qualquer natureza para furtar-se ao cumprimento de tal dever. REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. [grifado] (TJGO, PROCESSO 201294174975, RELATOR DES. FAUSTO MOREIRA DINIZ, 6ª CAMARA CIVEL, j. 31/05/2016, DJ 2043 de 09/06/2016)

[4] APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR.PACIENTE PORTADOR DE DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA (CID 10: I64).PLEITO DE FORNECIMENTO DO MEDICAMENTO QUETIAPINA 25MG.PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA DIRETORA DA 19ª REGIONAL DE SAÚDE DO ESTADO DO PARANÁ AFASTADA.COMPROVAÇÃO DA NEGATIVA POR MEIO DO IMPETRADO. MANDADO DE SEGURANÇA. MEIO ADEQUADO PARA O PLEITO. MEDICAÇÃO NÃO CONSTANTE DO PROTOCOLO CLÍNICO DE DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE.DESNECESSIDADE. DEVER DO ESTADO EM FORNECER A MEDICAÇÃO PRETENDIDA.PREVALÊNCIA DO DIREITO À SAÚDE E À VIDA. DIREITO DO PACIENTE DEVIDAMENTE COMPROVADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA EM GRAU DE REEXAME NECESSÁRIO. Tendo em vista que a responsabilidade de prestar assistência à saúde é de competência de todos os entes federados, não há falar em ilegitimidade do Estado do Paraná nem da Diretora da 19ª Regional de Saúde do Estado do Paraná para figurar no pólo passivo da demanda, tendo em vista que referida autoridade é a responsável pela farmácia que dispensa as medicações.O art. 196 da Carta Magna consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados o tratamento mais adequado e eficaz, capaz de ofertar ao enfermo maior dignidade, menor sofrimento e melhor qualidade de vida. O mandado de segurança é o meio adequado para o pleito da medicação. Isto porque, ao contrário do alegado, restou devidamente comprovada a necessidade do uso de tal medicamento, pois o paciente fez prova pré-constituída de sua necessidade por meio de receituário médico, bem como a negativa do fornecimento do fármaco. O fato da medicação postulada não constar no Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas, não deve implicar em restrição ao seu fornecimento, pois tais protocolos clínicos, sendo normas de inferior hierarquia, não podem prevalecer em relação ao direito constitucional à saúde e à vida. (TJPR, Processo: 1521320-8, Relator Luiz Mateus de Lima, 5ª Câmara Cível, j. 17/05/2016, DJ 1810 de 01/06/2016)

[5] STJ, AgRg no AREsp 725152/PE, Relatora Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, j. 17/03/2016, DJe 29/03/2016.


 

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