BUSCA PESSOAL: A (i)lícita busca pessoal realizada por guardas municipais - RHC Nº 142.588 - PR

03/08/2021

É ilícita a busca pessoal, domiciliar pessoal e veicular executadas por guardas municipais sem a existência da necessária justa causa para a efetivação da medida invasiva | Maurício Correia*

Breve compreensão sobre a importância das Guardas Municipais:

O tema Guardas Municipais, sempre que em pauta, envolve muita discussão, sobretudo, por sua importância para a sociedade. Restrito para a sua localidade, pois, como sabido, guardas municiais são os agentes incumbidos por competência para atuarem apenas naquele Município de origem, não cabendo sua atuação em outros locais, a não ser como qualquer um do povo.  Neste sentido, o artigo 301 do Código de Processo Penal diz que “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”, perceba que negritamos parte do texto.

Neste diapasão, o artigo 144 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), dispõe ‘da Segurança Pública’ nos incisos um ao sexto. Contudo, não coloca as Guardas Municipais neste rol, advindo apenas, no parágrafo 8º, dispondo “os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.” Sendo considerado, direito e responsabilidade de todos. Contudo, o Plenário da Suprema Corte entendeu que “as Guardas Municipais executam atividade de segurança pública”, conforme RE 846.854/SP:

As Guardas Municipais executam atividade de segurança pública (art. 144, § 8º, da CF), essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º, § 1º, CF), pelo que se submetem às restrições firmadas pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do ARE 654.432 (Rel. Min. EDSON FACHIN, redator para acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 5/4/2017).

(RECURSO EXTRAORDINÁRIO 846.854 SÃO PAULO)

Neste sentido, para disciplinar a autorização constitucional do artigo 144 da CFRB/1988, a Lei 13. 022 de 08 de agosto de 2014 instituiu o Estatuto Geral das Guardas Municipais. Corroborando ainda ao entendimento, as Guardas Municipais são colocadas como integrantes operacionais do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), desde 2018, pela Lei nº 13.675, conforme art. 9º, § 2º, inciso VII.

Desta forma, do estatuto, as Guardas Municipais ganharam o caráter civil e não militar, sendo uniformizadas e armadas, conforme dispuser a Lei (esta lei é a Municipal), com a função de proteção preventiva municipal, respeitada sua competência, em outros termos, sem adentrar na competência da União e Estado. Portanto, a competência da Guarda Municipal, como regra, exaure-se nos limites municipais, desta forma, respeitado o artigo 4º, do Estatuto Geral das guardas Municipais.

Isto, contudo, não impede qualquer agente da Guarda Municipal, de um município, de efetuar prisão de alguém em flagrante delito. Visto que, a regra do flagrante pode ser exercida por qualquer do povo como opção e, neste interim, o agente estará (e deve) agindo como qualquer do povo.

Neste sentido, também, vale ressaltar que há pouco tempo o Supremo Tribunal Federal (STF), através das ADIN 5538, ADIN 5948,     ADC 38,   derrubou as limitações que proibiam o porte de arma para integrantes das Guardas Municipais de munícipios com menos de 50 mil habitantes. Desta forma, sendo, então, autorizado pelo Plenário do STF o porte de arma para as Guardas Municipais, independentemente do número de habitantes, conforme dirimia o Estatuto do desarmamento, Lei 10.826/2003 (SINARM).

 

Da fundada suspeita:

Visto isto, entende-se a importância das Guardas Municipais para atuação na segurança pública municipal, com competência local, de caráter civil, mas com função de proteção preventiva. E, dentro destas perspectivas, sua atuação revela-se de caráter imprescindível aos munícipes.

Contudo, assim como todas as forças de segurança pública, têm os limites legais e constitucionais que devem ser respeitados visto a previsão Constitucional. Desta forma, dispondo o CPP, respeitando os direitos e garantias individuais, vemos que a busca pessoal é independente de mandado, quando houver prisão ou no caso de “fundada suspeita”. Mas, o que suscita, na doutrina, é o questionamento de o que é esta “fundada suspeita”, por se parecer um termo subjetivo demais.

Neste sentido, vale anotar que, como Renato Brasileiro de Lima observa, há duas maneiras de busca pessoal: a) busca pessoal por razões de segurança e b) a busca pessoal de natureza processual. Sendo a primeira com teor contratual (festas, boates, aeroportos) e a segunda, a que tratamos aqui, de natureza processual, (LIMA, 2020, p. 806-807).

Para Aury Lopes Jr., isto é do ranço autoritário que advém o CPP (1941), uma ilação teórica que acaba fundamentando o preconceito na prática no tão conhecido sistema de seletividade penal (LOPES JR; 2019, p. 528). Porquanto, para Alexandre Morais da Rosa, isto se tornou “mantra entoado”, e aduz que:

Assim é que a ‘fundada suspeita’ decorre de ação ou omissão do abordado e não simplesmente porque o agente púbico ‘não foi com a cara’, ‘cismou’ ou porque o local é perigoso, pelos trajes do submetido, cor, a saber, por estigmas e avaliações subjetivas, não configurando desobediência a negativa imotivada, porque deve ser algo concreto, sob pena de nulidade da abordagem e, também, prejuízo à prova [...]. (ROSA, 2017; p. 494).

Aliás, neste sentido, que propomos aqui, Rosa afirma que “as guardas municipais não estão autorizadas a proceder ‘buscas pessoais’, por lhes faltar atribuição para tanto, sendo a apreensão nula, embora validada por alguma jurisprudência defensiva” (2017, p. 494). De fato, para um punitivista, leigo dos princípios constitucionais, esta afirmação pode parecer soberba, se duvidar, usando algumas das fundamentações acima apresentadas. Mas, não. É garantia constitucional.

 

Da (i)lícita busca pessoal realizada por guardas municipais

Para o Supremo Tribunal Federal, “as fundadas suspeitas” nunca podem ser analisadas em natureza subjetiva e merecem especial atenção, visto seu entendimento, através da Primeira Turma, no HC 81.035/GO, de Relatoria do Min. Ilmar Galvão. Sobrevindo, agora, a decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), através do RHC nº 141.588/PR, que é o deslinde deste texto.

Decidiu, portanto, a Sexta Turma do STJ, trancar a ação penal e declarar ilegal a apreensão feita através de parâmetros subjetivos por Guardas Municipais, que a defesa alegou nulidade:

da busca domiciliar executada por guarda municipal, porquanto realizada anteriormente à caracterização do flagrante, tendo sido realizada apenas por terem os agentes visualizado um jovem saindo de um carro e entrando às pressas numa residência, fato este que não caracteriza flagrante delito (art. 302, CPP) (fl. 422), evidenciando-se a ausência de fundada suspeita e a ilicitude da prova colhida.

Ficando consignado que:

1. Considera-se ilícita a busca pessoal, domiciliar pessoal e veicular executadas por guardas municipais sem a existência da necessária justa causa para a efetivação da medida invasiva, nos termos do art. § 2º do art. 240 do CPP, bem como a prova derivada da busca pessoal. 2. Tendo a busca pessoal ocorrido apenas com base em parâmetros subjetivos dos agentes de segurança, sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva, deve ser reconhecida a ilegalidade por ilicitude da prova, determinando-se o trancamento da ação penal. (RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 142.588 - PR (2021/0044341-6) RELATOR: MINISTRO OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO)).

Este entendimento, não olvida a competência da Guarda Municipal, muito menos no estado de flagrância. Mas, sobretudo, valoriza a forma, que quando não respeitada pelos agentes públicos, coloca todos os elementos colhidos e própria diligência sob o viés de ilegalidade. Nesta esteira, é cediço o voto do relator que “Conforme a jurisprudência desta Corte Superior, inexiste qualquer óbice à realização de prisão, em situação de flagrância, por guardas municipais ou qualquer outra pessoa, não havendo falar, em tais casos, e somente por isso, em ilicitude das provas daí decorrentes” (RHC: 142.588/PR).

Desta forma, resta o entendimento de que sem a justa causa, fundamentada em casos concretos e não parâmetros subjetivos, e não estando os agentes delituosos em flagrante delito, deve-se ser reconhecida a ilegalidade por ilicitude da prova, visto a ilegalidade na abordagem, contaminando todo o restante, conforme a Teoria da Árvore Envenenada.

 

 

Notas e Referências

BRASIL. Planalto. Constituição da república Federativa do brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

BRASIL. Planalto. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm

BRASIL. Planalto. Lei 13.022 de 08 de agosto de 2014. Estatuto Geral das Guardas Municipais; Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13022.htm

BRASIL. Planalto. Lei 10.826 de 22 de agosto de 2003. Estatuto do desarmamento (SINARM). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.826.htm

BRASIL. Planalto. Lei 13.675 de 11 de junho de 2018. Sistema Único de Segurança Público (SUSPE). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.826.htm

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 846.854 SÃO PAULO, RELATOR: MIN. LUIZ FUX. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14309140

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.948 DISTRITO FEDERAL RELATOR: MIN. ALEXANDRE DE MORAES. Disponível em:  http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI5948MCGuardasmunicipais.pdf

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 142.588 - PR (2021/0044341-6) RELATOR: MINISTRO OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO)

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 846.854 SÃO PAULO. Disponível em https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=14309140

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.

LOPES Jr, Aury. Direito processual penal 16ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva Jus, 2019

ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. 4. ed. rev . atual. e ampl. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. 974p

 

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