Bullying

13/09/2019

Coluna Práxis / Coordenadora Juliana Lopes

No dia 30 de agosto de 2019, um site da internet[1] noticiou a história de uma jovem russa, 28 anos, que diz ter sofrido bullying por ser portadora de alopecia areata, condição que causa perda de cabelo. Atualmente, segundo a matéria, a jovem organiza grupos de apoio para ajudar pessoas em situações semelhantes.

Felizmente, a jovem russa transformou a experiência da infância em motivação para fazer a diferença positiva na vida de outras pessoas. No entanto, nem sempre o bullying produz um final feliz. Há casos de crianças e adolescentes que protagonizam finais trágicos[2] por não suportarem a reiteração da violência física, verbal ou emocional.

O tema é recorrente no ambiente escolar. Segundo o site do Ministério da Educação, “um em cada dez estudantes brasileiros é vítima de bullying”[3]. A estatística é preocupante. Afinal, indica que a espiral da violência tem início ainda na infância. Os prejuízos, portanto, são de toda a sociedade, presente e futura. 

A Constituição da República do Brasil, no artigo 205, estabelece que a educação, direito de todos e dever do Estado e da Família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Note-se que, sem eximir a responsabilidade do Estado e da família, a Carta Magna também estende à sociedade a responsabilidade de colaborar com a educação no país. Ao que parece, estão implícitas as reflexões que contribuam para mudanças em relação às práticas nocivas presentes no ambiente escolar, que é o caso do bullying.

Por certo, o bullying não acontece somente com crianças, tampouco apenas em ambiente escolar. Adultos também são vítimas de bullying nos mais diversos contextos. Porém o ambiente de aprendizado, em razão da diversidade dos sistemas relacionais, apresenta condições para intensificação das diferenças e dos problemas de comunicação, favorecendo brincadeiras desagradáveis e reações desagradáveis.

Daí, a importância de um sistema de educação que não seja mero reprodutor de informações, conceitos e fórmulas. O ambiente de aprendizado deve ser um espaço de diálogo e desenvolvimento humano, entendido no sentido de “disposição à compreensão dos outros ou à simpatia para com eles”[4].

Corroborando nosso entendimento:

“Muitos especialistas em pedagogia alegam que as escolas deveriam passar a ensinar ‘os quatro Cs’ – pensamento crítico, comunicação, colaboração e criatividade. Num sentido mais amplo, as escolas deveriam minimizar habilidade técnicas e enfatizar habilidades para propósitos genéricos na vida. O mais importante de tudo será a habilidade para lidar com mudanças, aprender coisas novas e preservar seu equilíbrio mental em situações que não lhe são familiares.”[5].

O convívio proporcionado pela escola, portanto, é fundamental para o desenvolvimento emocional da criança. Porém, o modo como esse contato é estimulado faz toda a diferença. É muito comum que a interação entre os alunos seja incentivada por meio de atividades eminentemente competitivas e que visam premiações para os vencedores.

Então, como esperar um ambiente mais colaborativo e solidário na infância, base da sociedade, quando o espirito competitivo torna-se o ingrediente principal?

Ora, a competição leva a pretensões com vistas à superação do outro. A ideia, portanto, conduz à busca pela intensificação do desequilíbrio e da desigualdade. A partir dessas premissas, o terreno relacional se torna fértil para comportamentos discriminatórios, preconceituosos e excludentes.

Por isso, entendemos que o combate ao bullying demanda, dentre outras ações, atividades que estimulem a ajuda mútua, a percepção e a inclusão das diferenças, bem como o desenvolvimento da autonomia pessoal. Para tanto, a promoção da integração entre os alunos por meio de dinâmicas colaborativas configura-se prática que vai ao encontro da construção de um tecido social impermeável ao desenvolvimento da violência.

De forma mais abrangente, visando os efeitos da educação além das fronteiras, Edgar Morin et al apresenta importante reflexão acerca da missão da educação. A saber:

La misión de la educación para la era planetaria es fortalecer las condiciones de posibilidad de la emergencia de una sociedad-mundo compuesta por ciudadanos protagonistas, conscientes y críticamente comprometidos en la construcción de una civilización planetaria.”[6]

Como se nota, considerando-se uma perspectiva evolucionista, a missão da educação é fortalecer as condições para o surgimento de uma sociedade consciente e comprometida com ações mais solidárias e construtivas. Trata-se, portanto, de uma concepção que depende de um sistema de educação que deve ter início no ensino fundamental. As diferenças, obviamente, não deixarão de existir, mas, certamente, o bullying e outros tipos de violência perderão espaço.

O rompimento da violência perpetrada pelo bullying depende, contudo, dentre outros fatores, de uma educação que estimule a cooperação, o respeito às diferenças e o desenvolvimento emocional. A comunicação empática e despida de julgamentos é fundamental para o desenvolvimento do diálogo e da convivência.

Em virtude das considerações expostas, considerando que “vivendo entre seres humanos, sou responsável por alguém e também sou responsabilidade de outros”[7], será possível repensar paradigmas de comportamento e de diversão sempre que alguém, de forma não voluntária, seja a razão da diversão alheia.

 

Notas e Referências

[1] BBC NEWS Brasil. ‘Sofri bullying por queda de cabelo e hoje organizo grupos de apoio para pessoas como eu’. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-49505227. Acesso em setembro de 2019.

[2] R7 Notícias. Adolescente morre ao se jogar de caixa d'água por sofrer bullying. Disponível em https://noticias.r7.com/sao-paulo/adolescente-morre-ao-se-jogar-de-caixa-dagua-por-sofrer-bullying-22082019. Acesso em setembro de 2019.

[3] Ministério da Educação. Especialistas indicam formas de combate a atos de intimidação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/34487. Acesso em setembro de 2019.

[4] Abbagnano, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução Alfredo Bosi. 1ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, p. 602.

[5] HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. Tradução Paulo Geiger. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

[6] MORIN, Edgar. Educar en la era planetaria. 1ª edición. Barcelona: Gedisa, 2003, p. 122.

[7] JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Tradução Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006, p. 175.

 

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