Por Leonardo Isaac Yarochewsky – 03/05/2017
Ao votar pela concessão da ordem de habeas corpus ao ex-ministro José Dirceu, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes classificou a postura dos procuradores da República da “Lava Jato” de “quase uma brincadeira juvenil (...) são jovens que não têm a experiência institucional e a vivencia institucional e por isso fazem esse tipo de brincadeira”. O ministro Gilmar referia-se ao fato dos procuradores terem apresentado, poucas horas antes do julgamento do habeas corpus no STF, nova denúncia contra José Dirceu. O gesto foi visto por Gilmar e outros ministros como um modo dos procuradores pressionarem o STF para que fosse negado o habeas corpus em favor de José Dirceu. Gilmar Mendes disse, ainda, que: “se nós cedêssemos a esse tipo de pressão, nós deixaríamos de ser supremos”.
Não é de agora que os “rapazes” da operação “Lava Jato” vêm se servindo da mídia para investigar, acusar e condenar. Não é despiciendo lembrar o tragicômico episódio do PowerPoint em que o maioral dos procuradores da força tarefa da famigerada “Lava Jato” em rede nacional exibe com todo aparato tecnológico e sensacionalismo próprio de quem não tem provas denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Não se pode olvidar, também, da campanha nacional feita pelos “rapazes” em favor das “medidas contra a corrupção”. Campanha de conteúdo ético questionável. É sabido que a maioria das pessoas que subscrevia “contra a corrupção” o fazia sem conhecer em detalhe o conteúdo autoritário e fascista das referidas medidas.
Infelizmente os condutores da operação “Lava Jato” e de tantas outras decorrentes de “forças tarefas” vêm, com a benção dos juízes de piso e de alguns tribunais, transformando o processo penal democrático, abraçado pela Constituição da República de 1988, em um processo penal autoritário e fascista em nome da sanha punitivista.
Neste diapasão, a prisão provisória que deveria ser uma exceção e somente ser decretada em casos extremos e como ultima ratio vem se transformando em regra. Ainda que mitigado pelo STF, a Constituição da República consagra o princípio da presunção de inocência. Assim sendo, a liberdade não precisa ser fundamentada posto que o status libertatis é a regra. Já a prisão provisória – qualquer de suas modalidades – deve ser sim, muito bem explicada, justificada e fundamentada.
É preciso advertir, salienta Juarez Tavares, “que a garantia e o exercício da liberdade individual não necessitam de qualquer legitimação, em face da sua evidência”. Mais adiante, o mestre assevera: “o que necessita de legitimação é o poder de punir do Estado, e esta legitimação não pode resultar de que ao Estado se lhe reserve o direito de intervenção”. [1]
A prisão provisória não pode se constituir em antecipação da tutela penal – execução provisória da pena – também, não deve ter caráter de satisfatividade, como o próprio STF já decidiu.
Aqueles que depositam, equivocadamente e absurdamente, a salvação da humanidade no sucesso da operação “Lava Jato”, precisam entender – gostem ou não – que no Estado de direito a vontade da lei prevalece sobre a vontade do homem. De tal modo que os princípios consagrados na Constituição da República devem nortear as decisões dos magistrados, mais que isso, deve guiar a sociedade que se pretende verdadeiramente democrática.
Como bem salienta o magistrado e processualista Rubens Casara,
Os direitos fundamentais, antes entendidos como trunfos civilizatórios contra maiorias de ocasião e limites intransponíveis às perversões inquisitoriais, passaram a ser percebidos pela população em geral, e pelos atores jurídicos em particular, como obstáculos à eficiência repressiva do Estado. Esse fenômeno possui múltiplas causas e não pode ser explicado unicamente pela evidente adesão do Poder Judiciário, que deveria evitar a opressão estatal e assegurar os direitos fundamentais, ao mais rasteiro populismo penal. No que se refere à prisão cautelar, as distorções ligam-se, em grande parte, à pré-compreensão acerca das ideias de liberdade e de punição, da fé que o intérprete deposita no sistema de justiça criminal e, em especial, na restrição da liberdade. No Brasil, essa disciplina é gravemente afetada por um repertório de elementos culturais desassociados do projeto democratizante encartado na Constituição da República, significantes que se projetam no tempo e repercutem na formação de um imaginário autoritário, de uma cultura que acredita no uso da força. Há, em outras palavras, uma tradição autoritária que condiciona a forma como a prisão é percebida e aplicada, como ela é privilegiada enquanto a liberdade passa a ser afastada no dia-a-dia sem maiores constrangimentos. Pode-se, sem exagero, falar que há em diversos atores jurídicos um pouco de Eichmann, uma vez que se omitem de julgar/pensar, condicionados a reproduzir burocraticamente suas crenças (dentre elas, destaca-se a fé na “prisão”) sem reflexão ou mesmo consciência dos efeitos de seus atos.[2]
Espera-se que a decisão que concedeu o habeas corpus ao cidadão José Dirceu de Oliveira não tenha sido movida pelo “voluntarismo” ou “decisionismo”, que seja uma decisão paradigmática para que, afinal, o STF seja como pretende Gilmar Mendes supremo.
Por tudo, em boa hora o ministro Gilmar Mendes deu um “puxão de orelha” nos “jovens” da “República de Curitiba”. Que fique claro que com a liberdade não se brinca. Os direitos e garantias são sagrados. A dignidade da pessoa humana é postulado do próprio Estado democrático de direito.
Notas e Referências:
[1] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
[2] Disponível em:< http://emporiododireito.com.br/a-ampliacao-das-hipoteses-de-prisao-preventiva/
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. . Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista e Doutor em Ciências Penais pela UFMG. . .
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