Brevíssimas considerações sobre o princípio da humanidade

21/04/2018

A consagração do princípio da humanidade, segundo Luiz Luisi[1], é devido ao grande movimento de ideias que dominou o século XVII e XVIII, no período que ficou conhecido como iluminismo. Neste período apregoava-se uma mudança do Estado apresentando como um dos pressupostos para esta transformação “a afirmação da existência de direitos inerentes a condição humana” e “a elaboração jurídica do Estado como se tivesse origem em um contrato, no qual, ao constituir-se Estado, os direitos humanos seriam respeitados e assegurados”.[2]

O princípio da humanidade trata-se de um verdadeiro coroamento dos demais princípios fundamentais e constitucionais penais. A Constituição da República ao instituir um Estado Democrático de Direito tendo como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III), bem como a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, inc. II), além de vedar a cominação de pena de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (art. 5º, inc. XLVII), consagrou o princípio da humanidade ou da “proscrição da crueldade”.

No que diz respeito especificamente a vedação de pena de “caráter perpétuo” (art. 5º, inc. XLVII, al b da CR) deveria impedir - em razão de evidente inconstitucionalidade - no âmbito do Congresso Nacional, a proposição de projetos de lei que visassem aumentar a pena para além do patamar máximo de trinta anos, previsto no Código Penal.[3] Aliás, conforme a idade do condenado, considerando a expectativa de vida – que na prisão é bem inferior – a prisão por vinte ou trinta anos constitui verdadeira prisão perpétua. Já salientou Rui Barbosa que a prisão por trinta anos é eufemismo da pena de morte.

Contudo, o princípio da humanidade, no dizer de Juarez Cirino, não se resume a proibição da cominação de penas cruéis, “mas proíbe, também a concreta execução cruel de penas legais ao cidadão condenado”.[4] Assim, no caso de execução das penas privativas de liberdade em condições desumanas e indignas na maioria dos presídios e cadeias brasileiras ou no caso do abominável Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).

Como consequência do princípio da humanidade decorre todas as garantias que devem nortear e limitar o legislador infraconstitucional. O referido princípio constitui, assim, mais uma limitação ao jus puniendi[5] e a intervenção penal estatal.

O fundamento da política criminal deve ser, segundo Jescheck[6], o princípio da humanidade. Para o jurista alemão, o princípio da humanidade se converteu, sobre tudo, “en el principio director del Derecho penitenciario”.

Referindo-se a execução da pena privativa de liberdade e a medida de segurança, Paulo Queiroz é categórico ao afirmar que as execuções de ambas (inclusive da prisão cautelar) em “condições degradantes em presídios que não ofereçam as condições mínimas de higiene, salubridade etc. são francamente ofensivas do princípio em causa, podendo dar ensejo à concessão de habeas corpus ou para que se cumpra a lei em prazo razoável (transferência de presídio, por exemplo), ou para progredir de regime ou para ser posto o paciente em liberdade (...)”[7]

Um dos postulados do princípio da humanidade diz respeito à racionalidade e à proporcionalidade da pena.[8] Conforme já verificado, quando da análise do princípio da proporcionalidade, a pena deve ser proporcional à infração cometida, somente uma pena proporcional (proporcionalidade legal e judicial) pode ser justa. Ainda que seja retributiva, a pena não pode “exaurir-se num rito de expiação e opróbrio, não pode ser uma coerção puramente negativa”.[9]

É imperioso destacar que a pena, no modelo garantista e em seu “utilitarismo reformado[10] apresentado por Ferrajoli, “não serve apenas para prevenir os delitos injustos, mas, igualmente, as injustas punições”.[11]Por fim, não é demais martelar que, em razão da formulação Kantiana, o ser humano não pode – em hipótese alguma - ser tratado como meio ou instrumento, mas somente como fim em si mesmo.

Notas e Referências:

[1] LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Fabris, 2003, p. 46.

[2] Idem, p. 47.

[3] ZAFFARONI, E. Raúl, BATISTA, Nilo, ALAGIA, Alejandro, SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro: primeiro volume – Teoria geral do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 233.

[4] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito penal: parte geral. 6ª ed, Curitiba-PR: ICPC, 2014, p. 31.

[5] Neste sentido QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 31.

[6] Tratado de Derecho Penal, p.29.

[7]QUEIROZ, Paulo de Souza. Ob. Cit. P. 32.

[8] BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990, p.98.

[9] Idem, p. 100.

[10] QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 72-75.

[11] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 268.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Shadows // Foto de: Jeanne Menjoulet // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/jmenj/38961565171/

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura