Breves reflexões acerca dos efeitos jurídicos do Silêncio Administrativo

31/07/2016

Por Robinson Nicácio de Miranda - 31/07/2016

Considerações iniciais

A leitura do tema Silêncio Administrativo, analisado sob a ótica da manifestação de vontade por parte da administração pública no âmbito da relação jurídico-administrativa, importa uma reflexão a respeito do fator inércia administrativa, sendo ela tomada como razão de decisão com consequente acolhimento da pretensão do usuário-cidadão dos serviços públicos.

Considerando a finalidade da norma administrativa à luz do ordenamento jurídico vigente procura-se compreender o silêncio administrativo como um caso de assentimento, salvo nas hipóteses em que este – o silêncio – expressamente constituir uma negativa a uma pretensão. Isto porque há determinação legal e consequente vinculação do administrador público relacionada ao dever de decidir.

Já sinalizava, desde 1938, THEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI em sua “A theoria do silencio no direito administrativo”, publicada na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (volume 34, número 2), a incipiente produção científica a respeito do tema.

A opção em trazer ao debate o tema do silêncio administrativo encontra sua razão substancial ao se identificarem duas linhas de pensamento observadas a partir do enfrentamento inicial a respeito da natureza jurídica do silêncio no âmbito do direito público.

Observá-lo com conteúdo de simples denegação ou assentimento invariavelmente conduz a análise do fenômeno como um fato jurídico administrativo, ou um ato administrativo, indicando também ao leitor a necessidade de avaliação a respeito do conteúdo da legalidade no plano do direito administrativo.

Breves apontamentos sobre o silêncio administrativo

A legislação francesa já iniciava, desde 1864, o tratamento do silêncio administrativo por meio da cláusula da rejeição implícita (ou silêncio negativo) que somente começou a ser objeto de nova apreciação e debate, no sentido de se considerar o silêncio como aceitação, a partir da segunda metade do século XX (SADDY, 2013; CHEVALLIER, 1996)[1].

Parte da doutrina, afirma AGUSTÍN GORDILLO (2000, p. X-30), considerava o silêncio administrativo como uma conduta inexpressiva da administração, inapta como manifestação de vontade.

No entanto, admite-se a possibilidade de se extrair efeito jurídico a partir do estudo do silêncio administrativo.

ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA em “Erro e Ilegalidade no Acto Administrativo”, registra que o silêncio tem sido tratado como ato tácito, podendo ser interno ou externo. Interno quando a lei considera seu efeito positivo, ou seja, a aprovação ao levar em consideração o decurso do tempo em que órgão administrativo incumbido de exercer o controle do ato não o faz. Externo quando a não manifestação implica em reconhecer o efeito do silêncio como uma negativa.

A especificidade do silêncio administrativo está em compreender a ideia da inércia da administração. Ponderou THEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI (1938) que o silêncio não significa um reconhecimento tácito de um direito. Assim, a regulamentação da matéria pelo direito positivo a fim de o tema recebesse tratamento uniforme é necessária, pois a depender do que dispuser a norma o resultado será a aprovação ou rejeição da pretensão do administrado (MEIRELLES, 2001, p. 106). Vale dizer: é a partir da norma que se verifica ser possível perquirir o efeito do silêncio administrativo.

Note-se que no direito privado a disposição normativa acerca do silêncio o define como consentimento tácito, não tendo efeito de anuência quando a lei declarar a indispensabilidade da manifestação expressa, conforme descrição do artigo 111 do Código Civil[2]. Já no direito administrativo, afirma JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (2013, p. 103), o mesmo não ocorre na medida em que o silêncio não importa a prática de um ato administrativo, pois inexiste manifestação formal de vontade. E assim, corroborando o pensamento de Diógenes Gasparini, destaca que “Não há, pois, qualquer declaração do agente sobre sua conduta. Ocorre, isto sim, um fato jurídico administrativo, que, por isso mesmo, há de produzir efeitos na ordem jurídica”.

ODETE MEDAUAR (2015, p. 186) menciona que “às vezes as normas atribuem efeitos à omissão ou silêncio administrativos; em geral lhe é dado sentido de negação do solicitado; em alguns casos, a norma lhe confere sentido de acolhimento”. Desta forma, observa-se que a lei determinará seu efeito: anuência tácita ou manifestação denegatória.

MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2015, p. 252) também sinaliza que “até mesmo o silêncio pode significar forma de manifestação da vontade quando a lei assim o prevê; normalmente ocorre quando a lei fixa um prazo, findo o qual o silêncio da Administração significa concordância ou discordância”.

Caso a lei omita o efeito do silêncio administrativo, o administrado poderá se valer do direito de petição (CF, artigo 5º, XXXIV) compelindo a administração pública a se manifestar sob a pena de controle pela via do mandado de segurança.

Em estudo publicado na Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo[3] intitulado “O silêncio como manifestação de vontade da Administração”, CARLOS SCHMIDT DE BARROS JÚNIOR ressalta a necessidade de se dar tratamento jurídico diferenciado ao silêncio à luz do direito administrativo.  Assim, diferentemente do que se dá no direito privado em que o silêncio é considerado como aceitação tácita, na esfera pública há que se levar em consideração um maior formalismo na expressão da vontade da administração.

Ao tratar da disciplina jurídica da convivência, DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO (2009, p. 147) procura descrever a palavra fenômeno[4] como modificação da realidade, tratando-o como convivência social e, portanto, objeto das Ciências Sociais. Em sentido mais estrito, refere-se ao fato de que o fenômeno pode ainda ser analisado sob o prisma jurídico constituindo objeto da Ciência do Direito. E assim, descreve que “os fenômenos se agrupam em duas grandes categorias, segundo partam ou não da manifestação da vontade: são fatos quando independem, ou atos, quando dependem da vontade” (MOREIRA NETO, 2009, p. 147).

A natureza jurídica do silêncio administrativo à luz do direito brasileiro

O ato pressupõe manifestação de vontade, expressão e declaração jurídica. A abstenção de declarar-se significa inexistência de prática de ato. É o que destaca CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO ao mencionar que “não há ato sem extroversão”. Com efeito, “se a administração não se pronuncia quando deve fazê-lo” presente está o silêncio administrativo (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 417). Com efeito, se o silêncio não é ato jurídico, não poderá ser ato administrativo (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 419), posto que, havendo abstenção em declarar-se na prática a declaração não existe.

Por outra via, há que se notar a plausibilidade da compreensão do silêncio administrativo como ato frente ao dever de decidir, tomando-se como referencial normativo a Constituição vigente e a Lei do Processo Administrativo.

Neste sentido, NEYDE FALCO PIRES CORRÊA (1984) assevera que a conduta da Administração, quando se refere a um fato cuja previsão abstrata encontre prescrição normativa e, por consequência, que gere efeitos jurídicos, será considerada um ato administrativo, quer seja através de uma ação ou de uma omissão.

E não é outro o sentir de MARÇAL JUSTEN FILHO (2015, p. 375) ao mencionar que existem situações em que o direito faz uma determinação à Administração Pública. Logo, esta deverá manifestar-se obrigatoriamente sua vontade em determinado sentido. Assim, o silêncio configura ato administrativo, pois assim está determinado pelo direito.

A constituição do ato administrativo prescinde da vontade da administração, mas não da vontade normativa, razão pela qual o administrador tem o dever de decidir.

Em consequência, o comportamento omissivo não pode ser ensejador de insegurança jurídica. Logo, para que haja certeza na atuação administrativa e no cumprimento de suas funções o dever de decidir se coaduna com a lógica do Estado de Direito Democrático.

Observe-se ainda que a Lei n. 9.785/99 (LPA-Lei do Processo Administrativo) estabelece duas disposições importantes nos artigos 48 e 49, respectivamente:

Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.

Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.

Desta forma, problemas advindos do silêncio administrativo, se considerados como fatos administrativos, não poderiam ser levados ao controle do Poder Judiciário razão pela qual o presente estudo se filiou ao entendimento do silêncio como ato haja vista a exteriorização da vontade da administração[5].

Conclusão

O valor atribuído à impronúncia administrativa ainda é objeto de pouca reflexão no direito brasileiro.

Podendo ser considerada violadora de direito, a inércia administrativa, como resultado do descumprimento de um dever funcional do agente, pode resultar em responsabilidade estatal diante do princípio da confiança legítima.

Instada a administração a se manifestar, a procrastinação no cumprimento de qualquer de suas atividades dará lugar o devido controle judicial em razão da inércia que pode ser caracterizada como violadora de direitos fundamentais.

O controle do silêncio administrativo pelo Poder Judiciário é outro ponto de destaque, pois tal como consagrado na Constituição (CF/88, art. 5º, inciso XXXV) “a lei não excluirá da apreciação do Judiciário, lesão ou ameaça de direito”. Logo, como ato a ser considerado, o silêncio administrativo submete-se ao controle.

Observe-se, contudo, que a configuração do ato abre espaço a outra importante reflexão que resulta no dilema de estar, ou não, o magistrado autorizado a suprir a ausência da manifestação administrativa, substituindo-se ao administrador quanto ao assentimento do ato, caso não haja disposição legal em sentido contrário. Ou, ainda, em sede de controle judicial possuir o magistrado legitimidade para assinar um prazo para que a manifestação ocorra face ao dever de decisão administrativa, aplicando-se assim por analogia o artigo 49 da Lei do Processo Administrativo (Lei n. 9.784, de 1999).

Em linhas gerais, a construção do direito administrativo amolda-se a uma diretiva constitucional que permite compreender a função administrativa hoje como atividade do Estado em defesa dos direitos fundamentais. Desta forma, o conteúdo da legalidade administrativa mostrar-se-á condizente aos preceitos assim declarados no texto constitucional.


Notas e Referências:

[1] Em sua origem, a Itália, com o silêncio-recusa (silenzio-rifiuto) e a Espanha também acompanharam o mesmo tratamento jurídico ao tema.

[2] Como exemplo, outras disposições no direito privado seguem no mesmo sentido: CC- Art. 326. “Se o pagamento se houver de fazer por medida, ou peso, entender-se-á, no silêncio das partes, que aceitaram os do lugar da execução”. CC-Art. 539. “O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo”.

[3] Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 2, p. 93.

[4]Qualquer acontecimento da natureza ou sociedade que pode ser observado” In: Dicionário escolar de língua portuguesa – Academia Brasileira de Letras, p. 582.

[5] Neste sentido, vide também: Ramón Martin Mateo (Manual de derecho administrativo), Arnaldo de Valles (Elementi di diritto amministrativo) e Sainz de Robles Rodríguez (El procedimiento administrativo).

BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 29 ed., São Paulo: Malheiros, 2012.

BARROS JÚNIOR, Carlos Schmidt de. O silêncio como manifestação de vontade da Administração. In: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 2.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 26 ed., São Paulo: Atlas, 2013.

CAVALCANTI, Themistocles Brandão. A theoria do Silêncio no Direito Administrativo. In Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Maio-Agosto de 1938, volume XXXIV.

CHEVALLIER, Jacques. A reforma do Estado e a concepção francesa de serviço público. Revista do Serviço Público, vol. 120, n. 3, Brasília: ENAP, set/dez 1996, ano 47.

CORREA, Neyde Falco Pires. O silêncio da administração. In: Revista de direito público. n. 69, jan. mar 1984.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 28 ed., São Paulo: Atlas, 2015.

GORDILLO, Agustín. Tratado de derecho administrativo. 5 ed.; Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2000.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 11 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 19 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26 ed., São Paulo: Malheiros, 2001.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 15 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2009.

SADDY, André. Silêncio Administrativo: origem, requisitos e efeitos. Revista Síntese - Direito Administrativo, Ano VIII, n. 96, dez. 2013, p. 38.


Robinson Nicácio de Miranda. Robinson Nicácio de Miranda é Advogado e Consultor Jurídico. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional-ESDC. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos - UNISANTOS. Professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo na Universidade Municipal de São Caetano do Sul - USCS. .

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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